Publicado originalmente em 24 de Abril de 2019
“Hoje, orgulhosamente proclamamos para todos ouvirem: a Doutrina Monroe está viva e bem”, declarou o conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, na semana passada na Flórida.
Essa declaração foi apenas uma de um número cada vez maior de referências públicas de autoridades da administração Trump sobre esse cânone de quase dois séculos da política externa de Washington no Hemisfério Ocidental.
O público para o qual Bolton falava estava reunido em um encontro para comemorar os 58 anos da invasão de 1961 da Baía dos Porcos, uma tentativa fracassada da CIA utilizando contrarrevolucionários cubanos e mercenários para derrubar o governo de Fidel Castro. Bolton comparou absurdamente os participantes desta operação imunda, um dos maiores fiascos de todos os tempos na história da política externa dos EUA, aos “homens corajosos de Bunker Hill ... e da Normandia”.
A Doutrina Monroe foi desenvolvida em 1823 por John Quincy Adams, um dos mais proeminentes opositores da escravidão e da guerra contra o México em 1846, que ele denunciou como uma guerra para expandir o sistema escravista. Quando foi anunciada pela primeira vez pelo Presidente James Monroe em 1823, ela tinha o objetivo de conter qualquer tentativa das potências reacionárias monárquicas da Europa de recolonizar as repúblicas recém-independentes da América Latina.
No entanto, os objetivos da Doutrina Monroe sofreram profundas mudanças com a ascensão do imperialismo dos EUA no final do século XIX. Esse movimento foi consolidado quando os EUA tomaram as colônias remanescentes da Espanha nas Américas, ao mesmo tempo que impiedosamente reprimiam os esforços revolucionários dos povos dessas colônias, particularmente em Cuba, e impuseram uma dominação semicolonial que os privou de qualquer independência genuína.
A chamada política do “Big Stick” introduzida pelo presidente Teddy Roosevelt em 1904 estabeleceu os parâmetros essenciais da doutrina para o século XX, preparando o terreno para cerca de 50 intervenções militares diretas dos EUA. Essa política arrogou ao imperialismo estadunidense “poder policial internacional” em todo o hemisfério, ou seja, o uso da força para derrubar governos que contrariavam os interesses de bancos e corporações dos EUA, substituindo-os por ditadores como Somoza na Nicarágua e Trujillo na República Dominicana.
Na segunda metade do século XX, a Doutrina Monroe tornou-se inextricavelmente ligada a um regime hemisférico de “segurança nacional” e anticomunismo com o objetivo de manter a América Latina uma esfera de influência dos EUA e esmagar o movimento revolucionário da classe trabalhadora latino-americana. O resultado foi a imposição de ditaduras fascistas-militares em grande parte da América do Sul e Central, que assassinaram, torturaram e aprisionaram centenas de milhares de trabalhadores, estudantes e outros opositores do domínio estadunidense e dos regimes militares.
Diante dessa história sangrenta e criminosa, as administrações dos EUA após a dissolução da União Soviética se referiram cada vez menos à Doutrina Monroe como uma política em vigor na América Latina. John Kerry, o secretário de Estado dos EUA durante o governo Obama, chegou a declarar em um discurso à Organização dos Estados Americanos em 2013 que “A era da Doutrina Monroe acabou”, e a afirmar, de maneira improvável, que Washington estava desistindo de realizar novas intervenções na região e agora via as terras ao sul como iguais aos EUA.
Agora, porém, a doutrina manchada de sangue foi ressuscitada com uma vingança, primeiro em relação à cínica operação de mudança de regime em torno do autoproclamado “presidente interino” Juan Guaidó na Venezuela, e, agora, com a dramática intensificação das ilegais e unilaterais sanções extraterritoriais contra Cuba.
Em relação à Venezuela, a administração Trump continua impondo severas sanções que tem aprofundado a pobreza e a fome no país, enquanto insiste que “todas as opções estão sobre a mesa”, ameaçando uma intervenção militar direta depois da manobra de declarar Guaidó, um político de direita insignificante financiado pelos EUA, o único governo “legítimo” da Venezuela não ter conseguido desencadear o golpe militar que Washington esperava.
“É para [o presidente venezuelano Nicolas] Maduro se preocupar com o que os Estados Unidos são capazes”, declarou Bolton em entrevista ao Newshour, da emissora de TV PBS, na semana passada. “E é também para deixar claro”, ele continuou, “[que] nós valorizamos a proteção dos cerca de 45.000 cidadãos estadunidenses na Venezuela. Nós não queremos ver nenhum dano sendo causado a eles.”
A proteção dos cidadãos estadunidenses contra um suposto “dano” foi o pretexto para as duas últimas invasões militares dos EUA no hemisfério: em Granada, em 1983, e no Panamá, em 1989.
Bolton repetiu sua declaração de que a Doutrina Monroe estava “viva e bem”, acrescentando que seu propósito era “lançar um escudo em torno do hemisfério” e criar “o primeiro hemisfério completamente livre na história da humanidade”.
Livre do que, alguém poderia perguntar. A resposta é livre de qualquer coisa que impeça a exploração do petróleo venezuelano pelos conglomerados de energia dos EUA; livre da concorrência russa, chinesa e europeia em relação ao comércio e aos recursos a serem explorados na região; e livre de ser desafiado pelos oprimidos, questionando o domínio do imperialismo dos EUA e seus aliados na burguesia nacional dos vários países latino-americanos.
Certamente não significa liberdade para a classe trabalhadora na América Latina. A atitude da administração Trump em relação a esses trabalhadores é exposta todos os dias na implacável perseguição aos imigrantes na fronteira sul dos EUA, que foram caçados por agentes de imigração de mentalidade fascista, jogados em campos de concentração e tiveram seus filhos arrancados de seus braços.
Quanto a Cuba, Bolton e o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, decidiram na semana passada, de maneira nunca antes vista, ativar o que equivale à “opção nuclear” na lei Helms-Burton, que legisla sobre o bloqueio dos EUA contra a nação insular. O artigo III da lei, que permite que empresas e cidadãos dos EUA entrem na justiça estadunidense para recuperar a propriedade expropriada após a Revolução Cubana de 1959, havia sido renunciado por sucessivas administrações, tanto democratas quanto republicanas, desde que a lei foi sancionada pelo presidente democrata Bill Clinton em 1996.
A ação, agora em vigor, permite que empresas estrangeiras que atuam em Cuba – europeias, chinesas e canadenses – sejam processadas em bilhões de dólares, com a possibilidade de seus ativos nos EUA serem confiscados ou impedidas de atuar no mercado estadunidense.
A ressurreição da Doutrina Monroe está ligada aos preparativos para uma nova guerra mundial. O imperialismo dos EUA está determinado a afirmar sua hegemonia não apenas na Venezuela, mas também no Irã, Oriente Médio e Ásia Central para estabelecer seu controle incontestado sobre todos os recursos energéticos do mundo, impedindo a China, a principal rival global dos EUA, de acessar esses recursos.
Ao mesmo tempo, o renascimento da desacreditada doutrina, difamada em toda a América Latina, é a resposta de um imperialismo estadunidense em declínio, considerando que em seu “próprio quintal” a China tornou-se a principal fonte de investimentos estrangeiros. A China ultrapassou a União Europeia e tornou-se a segunda maior parceira comercial da América Latina, sendo que no Brasil, Peru e Chile o pais asiático é o principal parceiro comercial.
Há, é claro, um componente doméstico na agitação da bandeira suja da Doutrina Monroe. Essa agitação acontece inseparavelmente ligada à tentativa do governo Trump de empreender uma campanha fascista contra o “socialismo”, que ele tenta igualar ao corrupto regime burguês de Maduro na Venezuela, a peça central de sua campanha de reeleição em 2020. De maneira ameaçadora, em seu discurso aos exilados cubanos de direita ligados à invasão da Baía dos Porcos, um grupo que produziu terroristas e assassinos envolvidos em muitos dos crimes do imperialismo dos EUA no século XX, Bolton declarou: “Nós precisaremos da sua ajuda nos próximos dias. Todos nós devemos rejeitar as forças do comunismo e do socialismo neste hemisfério – e neste país.”
A luta contra as tentativas da elite governante dos EUA de promover um movimento fascista contra o crescimento da oposição socialista dentro da classe trabalhadora encontra seu aliado mais imediato na batalha dos trabalhadores latino-americanos contra seus governos de direita, como o do ex-capitão fascista Jair Bolsonaro no Brasil, o do milionário de direita Mauricio Macri na Argentina e de Lenin Moreno, que provou sua lealdade ao imperialismo abrindo as portas da embaixada do Equador em Londres para a polícia britânica, que agia em nome de Washington, prender o fundador do WikiLeaks, Julian Assange.
Como a recente onda de greves dos trabalhadores mexicanos em Matamoros demonstrou de forma tão poderosa, a classe trabalhadora, objetivamente unida em um processo de produção comum através das fronteiras nacionais pelas operações exploradoras de bancos e corporações transnacionais, pode encontrar um caminho a seguir apenas na união consciente dos trabalhadores dos EUA e da América Latina na luta para derrotar seus inimigos comuns, o imperialismo estadunidense e as oligarquias nacionais dominantes da região. Isso requer a construção de uma nova liderança revolucionária na classe trabalhadora, seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional, em todos os países do hemisfério.