Publicado originalmente em 15 de Junho de 2019
A recém-lançada minissérie da HBO-Sky no Reino Unido, Chernobyl, é um relato valioso do desastre nuclear ocorrido em uma usina soviética perto da fronteira entre a Bielorrússia e a Ucrânia em abril de 1986.
O diretor sueco Johan Renck e o criador-roteirista Craig Mazin capturam efetivamente a aterrorizante realidade da explosão de um dos reatores da usina nuclear, que lançou material radioativo em grandes áreas do oeste da URSS e da Europa. O retrato geralmente simpático do povo soviético no filme é notável, particularmente no atual clima de histeria anti-russa, embora questões históricas maiores estejam além dos limites de Renck e Mazin.
Chernobylabre com o cientista soviético Valery Legasov (Jared Harris) preparando-se para cometer suicídio. Vemos que Legasov desempenhou um papel de liderança na resposta ao quase-colapso do reator. Ele deixa gravações de voz de suas memórias dos eventos, armazena-as por segurança e então se enforca dois anos depois do desastre nuclear. Ele está sendo vigiado pela polícia secreta soviética.
Chernobyl então viaja de volta no tempo e leva o espectador através dos eventos que levaram ao trágico fim de Legasov, começando com o horror de 26 de abril de 1986. Naquela noite, um teste de segurança na usina, que tinha sido adiado por muito tempo e fora mal planejado, desencadeia uma série de falhas no sistema que fazem explodir o núcleo do reator.
Os funcionários não compreendem o que acabara de acontecer na usina. Seu chefe, Anatoly Dyatlov (Paul Ritter), de maneira arrogante e estúpida emite comandos que resultam em mortes de trabalhadores. Os bombeiros são chamados sem qualquer alerta de que estão lidando com uma explosão nuclear, muito menos utilizam qualquer equipamento de proteção. Enfermidades agudas da radiação começam a atingir os moradores da cidade vizinha de Pripyat, lar de 50.000 pessoas. O hospital está sobrecarregado. As autoridades não admitirão o que aconteceu. A situação está à beira de sair do controle.
Finalmente, os oficiais superiores soviéticos mobilizam recursos, ao mesmo tempo que procuram esconder o verdadeiro alcance dos eventos. As suspeitas sobre o que ocorreu surgem no Ocidente devido à lenta movimentação de partículas radioativas sobre a Europa Ocidental. Legasov, um proeminente químico inorgânico e membro da Academia de Ciências da URSS, bem como outros cientistas, são enviados para lidar com a radiação ainda não contida sendo lançada do núcleo do reator exposto. Emissões de radiação da intensidade da bomba de Hiroshima ocorrem a cada hora. Medidas extraordinárias e heroicas são tomadas, em grande parte por homens e mulheres comuns, para salvar milhões de pessoas. As autoridades continuam seus esforços para encobrir as causas e consequências do acidente. Mentiras e fraudes são abundantes. Chernobyl é um crime, não apenas um desastre.
Ninguém que assiste à minissérie adotará uma atitude desatenta em direção ao Armagedom nuclear, que os políticos dos EUA hoje ameaçam e prometem como uma consequência necessária da política externa estadunidense. Nesse aspecto, os cineastas deram uma contribuição importante. A minissérie sensibiliza o espectador a algumas consequências horripilantes que acompanhariam uma guerra nuclear.
Chernobyl, baseando-se fortemente em um documentário da prêmio Nobel Svetlana Alexievich, retrata efetivamente diferentes aspectos da vida soviética, bem como a calamidade nuclear. Nós vemos a cidade de Pripyat com seus complexos de apartamentos e jardins, e seus moradores que desejam apenas aproveitar a primavera e que aguardam pelo futuro. Suas vidas são destruídas. Burocratas presunçosos, que não se importam com os seres humanos comuns, alternam-se entre o bullying, a indiferença, a presunção e a luta para lidar com a catástrofe, que o espectador sente ser, em grande parte, de sua própria responsabilidade. Há algo terrivelmente errado com a economia soviética. A explosão é em parte consequência de medidas de redução de custos. Uma falha de projeto que contribuiu para o desastre já era conhecida anos antes, mas mantida em segredo. Nada pode ser plenamente admitido no cenário mundial e, portanto, o país não consegue obter ajuda adequada do exterior.
E, no entanto, esta sociedade em crise de alguma forma consegue realizar uma operação de limpeza em massa. Ao longo da noite, centenas de milhares de toneladas de materiais de contenção são despachados. 600 mil pessoas, os chamados “liquidadores” humanos, são enviados para a área evacuada afetada pela radiação da usina. Os mineradores trabalham nus o tempo todo, expostos à radiação, escavando túneis e equipados apenas com pás, para evitar um colapso nuclear completo. (É muito quente nos túneis para eles usarem roupas.) Recrutas matam animais domésticos que foram contaminados pela radiação da usina. Em uma das cenas mais assustadoras, soldados removem com a mão o entulho radioativo do telhado da usina destruída.
Os cineastas claramente têm uma admiração pelo povo soviético, que é geralmente retratado como vítima abnegada de um sistema político antidemocrático. Há momentos, no entanto, em que a minissérie joga com – e para – estereótipos anticomunistas. Um burocrata cambaleante e idoso em Pripyat declara seu compromisso com o “leninismo” e exige que a cidade seja fechada para que ninguém possa sair e a suposta “desinformação” seja contida. Soldados, falando um pouco como autômatos, declaram seu compromisso imortal à causa soviética, mesmo quando são enviados sem proteção adequada para lidar com o lixo radioativo. Mineiros fazem gracejos que sugerem que sua situação é equivalente àquela sob o czar. Uma camponesa idosa obrigada a deixar sua casa traça uma equivalência entre o bolchevismo e o stalinismo, que supostamente perseguem a população da mesma maneira.
A questão aqui não é em si a veracidade desses episódios particulares – de acordo com relatos históricos, alguns são verdadeiros – mas o modo como são apresentados. Eles dão ao espectador a sensação de que existe uma linha reta conectando 1917 a 1986. Isso é falso. O desastre de Chernobyl não teve suas raízes na Revolução Russa de 1917, durante a qual a classe trabalhadora derrubou o capitalismo e o feudalismo em um esforço inicial para libertar toda a humanidade da exploração do homem pelo homem. Suas origens estão na traição dessa revolução liderada por Joseph Stalin, que sistematicamente exterminou a Oposição de Esquerda liderada por Trotsky e todos aqueles comprometidos com os princípios igualitários do socialismo internacional.
A burocracia soviética vivia como um parasita das conquistas da classe trabalhadora, alimentando-se delas até destruí-las. Seu parasitismo, privilégio e autopromoção eram um enorme imposto sobre a economia, infraestrutura e recursos sociais soviéticos. Guiados pela política nacionalista de construção do “socialismo em um só país” – que era ao mesmo tempo impossível e reacionária – os stalinistas perseguiram o desenvolvimento industrial com base na autarquia nacional e sob a pressão do cerco capitalista. Eles utilizaram a energia nuclear de maneira imprudente em um esforço para atender às necessidades energéticas do país.
É claro que uma dimensão importante do desastre de Chernobyl, com a qual a minissérie não lida e provavelmente não conseguiria lidar, é o que se seguiu a ele. No final de dezembro de 1991, não havia União Soviética. Os burocratas stalinistas e os agentes da KGB, que a minissérie mostra tão obstinadamente tentando sustentar uma configuração política em colapso sob o peso de mentiras e crimes, dissolveram a URSS. Nesse processo, eles roubaram tudo o que não estava terminado e muito do que foi.
Em suma, o crime de Chernobyl foi seguido por um crime ainda maior – a liquidação de tudo pelo que a classe trabalhadora soviética lutou durante sete décadas. O resultado foi o desemprego em massa, o fechamento de indústrias, o despovoamento do campo, um enorme aumento do alcoolismo, a queda da expectativa de vida, um enorme crescimento da desigualdade social e sofrimento humano generalizado. Os burocratas soviéticos restauraram o mercado e se transformaram em proprietários do capitalismo pós-soviético antes que a classe trabalhadora pudesse afirmar sua independência política e defender seus próprios interesses.
A minissérie termina com uma cena em um tribunal em que Legasov e sua colega cientista Ulana Khomyuk (Emily Watson) acusam não apenas os operadores da usina (Dyatlov e vários outros foram presos), mas o sistema soviético. Apesar do julgamento ter acontecido, seu conteúdo, como admitiu o diretor, não é retratado com precisão na minissérie. Não houve um ajuste de contas final com as lideranças soviéticas ligadas a Chernobyl, nem poderia ter havido sem um confronto político entre a classe trabalhadora soviética e a burocracia. Os membros do aparato governamental e agentes secretos que aparecem em Chernobyl, em muitos casos, continuam a ocupar o Kremlin hoje como servos de um regime capitalista. Eles também continuam a se sentir ameaçados com o que aconteceu em abril de 1986. A minissérie da HBO tem atraído interesse suficiente para que agora haja planos de se lançar uma minissérie russa sobre Chernobyl, que coloque a culpa do desastre em um agente dos EUA trabalhando na usina.
Por meio de artifício, os cineastas tentam, sem sucesso, entregar a alguns indivíduos a tarefa de expor o stalinismo. A personagem de Ulana Khomyuk é criada para esse propósito. Uma pesquisadora nuclear, Khomyuk desafia oficiais soviéticos, confronta burocratas, afirma a superioridade da ciência e revela segredos. A apresentação pouco convincente dessa figura, criada pelos cineastas como uma substituta para as centenas de cientistas que realmente se mobilizaram em resposta ao desastre de Chernobyl, é uma falha da minissérie e um dos seus elementos mais fracos.
Através da personagem de Watson, o filme retrata um conto de uma cruzada individual que mostra a verdade ao poder, o que é um desserviço para todos aqueles que trabalharam para salvar a humanidade das consequências de Chernobyl. Capturar a dinâmica do envolvimento da comunidade científica soviética – e internacional – na resposta ao desastre nuclear em Chernobyl teria sido valioso, embora desafiador. Dada a destruição generalizada da ciência soviética como resultado da restauração do capitalismo na URSS, isso também teria impregnado o espectador de um sentido muito mais profundo do que foi perdido.
No geral, Chernobyl é digna do interesse e do entusiasmo que está conquistando.