Publicado originalmente em 29 de agosto de 2020
Em 19 de agosto, a Volkswagen confirmou ter se reunido com os quatro sindicatos de suas fábricas brasileiras e informado que a empresa tinha um "excesso" de mão de obra, e estavam sendo elaborados planos para uma "reestruturação" das operações brasileiras em linha com "uma queda de 45% na produção de veículos" em relação aos níveis de 2019 e uma recuperação das vendas de automóveis que, espera-se, levará 5 anos.
Os sindicatos envolvidos haviam declarado anteriormente que a força de trabalho "excedente" consistia de um terço do total de 15.000 trabalhadores, mas se recusaram a oferecer aos trabalhadores quaisquer outros detalhes. Eles repetiram a linha da empresa de que "demissões serão a última das últimas medidas", retribuindo o favor do presidente sul-americano da Volkswagen, Pablo Di Si, que havia declarado em julho que "é fundamental" as empresas e os sindicatos estarem "unidos neste momento" a fim de usar todas as ferramentas disponíveis para ganhar tempo" e"reduzir custos".
As demissões nas fábricas da Volkswagen fazem parte de uma onda de "reestruturações" que vai atingir toda a indústria automobilística brasileira. Somente este mês, o grupo Nissan-Renault cortou 1.145 de 10.000 postos de trabalho em suas operações em duas fábricas, e a General Motors também anunciou que demitiria um número não revelado de seus 15.000 funcionários no Brasil.
Na fábrica da Renault, localizada na cidade industrial de São José dos Pinhais, no estado do Paraná, ao sul do país, 747 demissões se darão por Planos de Demissão Voluntária, conhecidos no Brasil pela sigla PDV. Eles foram impostos pela empresa e pelos sindicatos após uma greve militante de 21 dias que foi brutalmente reprimida pela polícia militar do estado. O Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC) não se opôs às demissões em nenhum momento, fingindo apoiar a greve somente até que o Tribunal Regional do Trabalho decidisse que a Renault tinha que primeiro dar ao sindicato uma chance de impor o PDV. Na fábrica da Nissan, que empregava 2.500 trabalhadores, a empresa dispensou as formalidades com o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense (SindimetalSF) e anunciou 398 demissões.
A ambiguidade deliberada tanto da Volkswagen como dos sindicatos quanto ao conteúdo real de sua primeira reunião deve ser tomada pelos trabalhadores como um aviso de que uma operação de chantagem está em andamento, com base na ameaça de desemprego e de novas perdas de renda em meio ao desastre social e econômico causado pela negligência da pandemia da COVID-19 por parte da classe dominante. Os trabalhadores despedidos da indústria automobilística serão lançados no abismo de uma crise social crescente.
O Brasil já registrou mais de 3,8 milhões de casos de COVID-19 e 120.000 mortes. Mais de 40.000 novos casos estão sendo registrados todos os dias e o país tem uma média de mais de mil mortes diárias.
Com os governos federal e locais realizando um número mínimo de testes, focados em casos graves, os números oficiais tanto de casos como de mortes são considerados pelos especialistas como amplamente subestimados. Sem nunca chegar perto de controlar a pandemia, os governos locais estão tomando medidas para reabrir escolas, a última grande atividade a ter restrições.
Onde há dados disponíveis, pesquisas mostram que os jovens trabalhadores, aqueles que têm entre 18 e 34 anos, têm 2,6 vezes mais probabilidade de contrair a COVID-19 do que aqueles mais velhos, devido à necessidade de trabalhar em condições inseguras em empregos de baixa remuneração. O primeiro impacto imediato para os demitidos será a perda de seus planos de saúde e a necessidade de ser atendidos pelo sobrecarregado sistema nacional de saúde, o SUS, onde pelo menos 4.132 pessoas já morreram de COVID-19 sem sequer serem assistidas, de acordo com dados recentes compilados pelo El País.
Eles se juntarão a um enorme exército de desempregados composto por 25 por cento da força de trabalho, escondidos por trás de uma taxa oficial de desemprego de 13 por cento que o próprio Ministério da Economia reconhece não ser real, e que mesmo assim deve aumentar, segundo o Ministério.
Em 6 de agosto, o departamento de estatísticas do país, o IBGE, revelou que 8,9 milhões de trabalhadores haviam abandonado a força de trabalho no segundo trimestre, e que pela primeira vez o Brasil tinha a maioria de sua população em idade de trabalhar fora da força de trabalho. O IBGE também relatou um salto recorde de 15,7 por cento no número de trabalhadores subutilizados, que trabalham menos horas do que lhes permitiria completar sua remuneração, para mais de 25 milhões.
Mesmo assim, o Brasil tem atualmente 16 milhões de trabalhadores com contratos suspensos ou com horário reduzido, com salários sendo parcialmente pagos por empréstimos do governo e esquemas de alívio às empresas. Estes expiram no quarto trimestre juntamente com o chamado auxílio emergencial de R$600,00 (US$100) que está sendo pago mensalmente a 42 milhões de trabalhadores. O auxílio é a única coisa que impede um enorme aumento da pobreza, que de outro modo atingiria 25 por cento da população.
À medida que o governo se direciona para acabar com o pagamento do auxílio emergencial para trabalhadores desempregados e informais e com os complementos salariais em empresas com contratos suspensos ou com horário reduzido, o retorno repentino de dezenas de milhões de trabalhadores à procura de emprego será usado pelas empresas para impor uma redução abismal dos salários em todos os setores.
Esta é certamente uma grande preocupação nas movimentações das empresas automobilísticas e de seus fiéis servidores nos sindicatos, e uma razão importante para a natureza sigilosa de suas conversas e para o caráter ambíguo de suas declarações à imprensa.
As experiências amargas de agosto já demonstraram que os sindicatos da Volkswagen não farão nada para impedir o banho de sangue dos novos empregos. Das quatro fábricas, três estão localizadas em cidades onde os sindicatos locais já aceitaram as mais recentes demissões: São José dos Pinhais, onde a dura greve da Renault foi traída, e Taubaté e São Bernardo do Campo - ambas no estado de São Paulo - onde os sindicatos agiram em conjunto com a GM para impor as demissões.
O quarto sindicato, em São Carlos, também no estado de São Paulo, é filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), controlada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que utiliza o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que cobre São Bernardo do Campo como seu laboratório de traição. O proeminente sindicato do ABC foi o berço do PT em 1980, e há 40 anos vem estabelecendo o padrão de colaboração entre sindicatos e empresas em defesa dos lucros capitalistas.
Para toda a classe capitalista, a pandemia da COVID-19 se tornou uma oportunidade inestimável para implementar planos de longo prazo para reduzir custos. As repetidas suspensões contratuais implementadas na indústria automobilística desde o início da crise econômica brasileira em 2013, com os sindicatos e o então governo do PT assumindo a liderança em sua implementação, não fizeram nada para impedir que 28.000 empregos fossem eliminados nas 65 plantas automotivas brasileiras nos últimos sete anos, apesar do aumento da produção a partir de 2016.
A eliminação de empregos foi um resultado direto das políticas de resgate promovidas pelos sindicatos no Brasil e internacionalmente. Os resgates invariavelmente alimentam esquemas de redução de custos a longo prazo, seja indiretamente, como pagamento de empréstimos bancários financiados pelos bancos centrais, ou diretamente, através de acordos com o governo para manter a situação das empresas.
Na Renault, 15.000 empregos foram cortados depois que a empresa obteve um resgate de 5 bilhões de euros do governo francês. Na Alemanha, a Volkswagen se beneficiou de esquemas semelhantes. Sindicatos franceses e alemães estão apoiando os resgates a fim de impulsionar a "competitividade nacional". Seguindo a mesma lógica, a única reação dos sindicatos brasileiros à crise da COVID-19 foi reclamar que o governo brasileiro não deu dinheiro suficiente para as empresas, em comparação com a Europa ou os Estados Unidos.
No início da pandemia, a oposição no Congresso, liderada pelo PT e outros partidos que controlam os sindicatos, como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), reclamou que Bolsonaro não estava gastando o suficiente durante a crise, citando como exemplo o resgate sem precedentes de Wall Street de Donald Trump. Mais tarde, a oposição votou a favor de uma injeção governamental de recursos nos mercados financeiros equivalente a 17% do PIB brasileiro, argumentando cinicamente que as políticas capitalistas de gastos e emissão de dívidas deveriam ser apoiadas porque estavam "quebrando os parâmetros do neoliberalismo". Enquanto isso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - também ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC - defendeu que Bolsonaro "imprimisse dinheiro" a fim de financiar os resgates e gastar mais do que o permitido sob restrições orçamentárias.
Agora, enquanto as empresas e os governos dos EUA e da Europa se movem para impor mais esquemas de redução de custos, os sindicatos brasileiros estão novamente reclamando que a Bolsonaro não os está seguindo com rapidez suficiente. Ao reagir ao anúncio da Volkswagen, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC simplesmente reclamou: "Em situações como estas, sempre houve mesas de negociação com participação de governo, trabalhadores e empresários".
No entanto, os trabalhadores brasileiros estão mostrando sinais crescentes de uma reação de classe à crise. A greve militante da Renault foi seguida por uma greve que já dura 11 dias dos trabalhadores dos Correios, que ontem obrigou o sindicato a apoiar uma ocupação em um centro de distribuição na cidade industrial de Indaiatuba, onde várias grandes empresas como Toyota, John Deere e BASF têm fábricas.
Os trabalhadores só podem organizar uma verdadeira luta contra a destruição de empregos através de uma ruptura consciente com os sindicatos e suas políticas nacionalistas de "competitividade" e de apelos por ajuda financeira às empresas. Para ter sucesso com essa ruptura, os trabalhadores devem formar comitês de base que coordenarão ações com os trabalhadores através de diferentes fábricas, empresas e fronteiras nacionais, alcançando os trabalhadores na Alemanha, França, Estados Unidos e em outros lugares que enfrentam os mesmos ataques das mesmas corporações transnacionais, bem como traições similares nas mãos dos sindicatos.