Publicado originalmente em 30 de setembro de 2020
As duas federações sindicais dos trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) decidiram em 21 de setembro encerrar uma greve de 35 dias depois de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmar no mesmo dia a proposta da administração da empresa de retirar uma série de benefícios dos trabalhadores. Esses cortes fazem parte do plano do governo do presidente fascista Jair Bolsonaro para privatizar o serviço postal até 2021.
Os trabalhadores dos Correios estavam em greve desde 17 de agosto depois de a empresa decidir retirar 70 das 79 cláusulas do acordo coletivo de trabalho, que reduziam os benefícios relacionados à alimentação, férias, licença maternidade e à educação dos filhos dos empregados, entre outros. Inicialmente, o acordo fechado em outubro do ano passado valeria até 2021, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou um pedido da administração da empresa para acabar com o acordo de dois anos no final de agosto.
A decisão do TST manteve, além das 9 cláusulas que já tinham sido propostas pelos Correios, outras 20 clausulas sociais do acordo coletivo do ano passado que não representam um aumento nos gastos da empresa. O TST também aprovou um reajuste de 2,6% para os trabalhadores dos Correios, quase a metade do que eles estavam solicitando.
A retirada das 50 das 79 clausulas do acordo coletivo representa um duro ataque aos trabalhadores dos Correios, que, segundo o DIEESE, poderão ter seus salários reduzidos entre 43% e 69%, dependendo da faixa salarial. “É a primeira vez que julgamos uma matéria em que uma empresa retira praticamente todos os direitos dos empregados”, reconheceu a própria ministra do TST relatora do dissídio coletivo, Kátia Arruda.
Prevaleceu na corte a proposta do ministro direitista e membro da reacionária ordem católica Opus Dei Ives Gandra Martins Filho, que também propôs considerar a greve abusiva e descontar todos os dias dos trabalhadores em greve. O plenário do TST rejeitou essas propostas, mas decidiu descontar a metade dos dias parados e determinou aplicação de multa diária de R$ 100 mil (US$ 18.000) aos sindicatos caso os trabalhadores não voltassem ao trabalho.
A greve de 35 dias foi uma das mais longas da categoria e a maior desde 1995. Foi também a maior greve durante o governo Bolsonaro, o que mostrou a disposição de luta dos trabalhadores contra os ataques a suas condições de vida, agora agravadas pela propagação descontrolada da pandemia de COVID-19. Tendo sido considerado um serviço essencial no início da pandemia, milhares de trabalhadores dos Correios foram infectados pelo novo coronavírus e pelo menos 120 deles morreram por COVID-19.
O fim da greve aconteceu em meio aos avanços do governo em privatizar os Correios. O governo Bolsonaro recentemente anunciou que espera enviar ao Congresso Nacional até o final deste ano um projeto de emenda constitucional para quebrar o monopólio do serviço postal no Brasil. De fato, a administração dos Correios havia justificado a retirada das cláusulas do acordo de trabalho dizendo que isso o adequaria a “uma lógica empresarial semelhante àquela praticada no mercado”.
Na quarta-feira passada, Fábio Faria, cujo ministério das comunicações é o responsável pelos Correios, afirmou que a privatização da empresa está na “ordem do dia” e que cinco empresas estariam interessadas nos Correios, entre elas as americanas Amazon e Fedex e a alemã DHL. O site Poder360 informou que até novembro a consultoria Accenture apresentará um modelo de privatização dos Correios, um processo que poderá destruir até 60 mil dos 100 mil empregos da empresa.
Operando em praticamente todos os 5,5 mil municípios no país, os Correios desenvolveram uma capacidade logística única ao longo de seus 357 anos de existência em um país continental como o Brasil. É essa capacidade, junto com a possibilidade de empresas de varejo como a Amazon atuarem em lugares distantes dos grandes centros urbanos, que tanto interessa às empresas dispostas a adquirir os Correios. Nos últimos três anos, os Correios também tiveram lucros milionários tanto por causa do serviço postal quanto do de entregas de encomendas, que é aberto à livre concorrência no Brasil.
Encerrar uma greve em meio a esses brutais ataques e a ameaça de privatização cada vez mais real é apenas a última de uma série de traições das duas federações sindicais dos trabalhadores dos Correios, a Fentect, filiada à CUT, a central sindical controlada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), e a Findect, filiada à CTB, a central sindical ligada ao maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ambas as federações sindicais representam o que há de mais corrupto no sindicalismo brasileiro, utilizando a estrutura dos 36 sindicatos locais para dividir os trabalhadores e financiar a burocracia sindical e os partidos políticos por trás delas.
Em 2013, o aparato burocrático de cinco dos sindicatos locais desligou-se da Fentect e criou a Findect com o objetivo de receber a parcela para as federações sindicais do repasse do imposto sindical – que até 2017 era obrigatório para todos os trabalhadores e historicamente se constituiu no Brasil como um dos mecanismos de controle do estado sobre as organizações dos trabalhadores. Apesar do pequeno número de sindicatos filiados, a Findect controla os dois maiores sindicatos de trabalhadores dos Correios, São Paulo e Rio de Janeiro, que possuem cerca de 40% da força de trabalho da empresa. Durante a greve, a Findect boicotou atos locais e a única manifestação nacional contra a administração dos Correios, tendo convocado uma “assembleia virtual” com poucos trabalhadores para decidir a continuidade da greve no mesmo dia do julgamento no TST.
As justificativas da Fentect e da Findect para encerrar as greves não poderiam ser mais fraudulentas. Em seu site, a Findect escreveu que “não houve derrota, mas um avanço do inimigo”. Já a Fentect escreveu em relação à decisão do TST que “esse resultado não contempla a categoria e causará um empobrecimento dos trabalhadores”, mas que, mesmo assim, “orienta os sindicatos filiados a retornarem ao trabalho”.
Para o presidente da CUT, Sergio Nobre, a decisão do TST “acabou ... [com] tudo o que os trabalhadores da ECT conquistaram ao longo de mais de 35 anos de luta”, completando que “o que aconteceu é muito grave porque o TST é um tribunal que deveria defender os trabalhadores”. Além de semear ilusões na justiça capitalista, a CUT manteve a greve isolada do início ao fim. A central sindical controla mais de 2 mil sindicatos no país, incluído os de outras categorias do funcionalismo público federal ameaçadas pelos planos de privatização do governo Bolsonaro e de professores que estão entrando em luta contra a reabertura de escolas.
Foi também durante toda a greve dos trabalhadores dos Correios que a federação sindical dos trabalhadores da Petrobras filiada à CUT, a FUP, aceitou um acordo de dois anos proposto pela empresa alegando que permitirá “fortalecer as frentes de lutas contra as privatizações, envolvendo outras categorias, governantes, parlamentares e a sociedade civil”. Porém, a alegação da FUP de que está disposta a lutar contra a privatização da Petrobras é uma fraude.
Nas últimas semanas, os planos de privatização da Petrobras também avançaram em meio à negociação entre as federações sindicais e a administração da empresa. O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, declarou em 9 de setembro que é esperada para os próximos meses a venda da Liquigás, empresa de distribuição de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), e da mais antiga refinaria da Petrobras no país. No ano passado, o governo Bolsonaro concluiu a venda da BR Distribuidora, que destruiu 1.800 empregos na subsidiária da Petrobras responsável pela distribuição de combustível, e anunciou a privatização de oito das 13 refinarias de petróleo do país.
No início do ano, o fechamento de outra subsidiária da Petrobras, a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), contra o qual os trabalhadores da Petrobras realizaram uma greve, levou à demissão de mil trabalhadores da fábrica e outros milhares na cadeia produtiva. Em 7 de setembro, Castello Branco anunciou que no ano que vem é esperado que 11 mil dos 40 mil trabalhadores da Petrobras deixem a empresa através de planos de demissão voluntária.
A FUP isolou e subordinou a greve contra o fechamento da Fefen a todas as instâncias possíveis do estado brasileiro – incluindo o TST e os presidentes direitistas das duas casas do Congresso Nacional – com apelos vazios contra a desindustrialização do país e em defesa da soberania nacional.
O mesmo roteiro nacionalista se repetiu na greve dos Correios. O PT escreveu que “Bolsonaro trai a soberania nacional para entregar os Correios”, enquanto a CUT avançou o slogan “Defender os Correios é defender a soberania nacional”. Porém, a luta dos trabalhadores dos Correios e da Petrobras, assim como a de toda a classe trabalhadora brasileira, exige a defesa não da soberania nacional, mas da independência da classe trabalhadora. Os chamados para a defesa da soberania nacional significam subordinar a luta dos trabalhadores ao estado capitalista, opondo-se à mobilização independente de toda a classe trabalhadora em defesa do emprego e das condições de vida.
Todas as organizações que dependem e operam dentro da estrutura dos estados nacionais, como os sindicatos, foram completamente minadas pela globalização da economia capitalista. O problema não são apenas as direções burocráticas traidoras dos sindicatos, como a pseudoesquerda brasileira alegou diante da derrota da greve dos trabalhadores dos Correios, mas os próprios sindicatos, que não conseguem mais garantir mais nenhum ganho salarial ou melhoria das condições de trabalho em nível nacional.
Os trabalhadores dos Correios e toda a classe trabalhadora brasileira não podem se defender contra a intensificação da exploração capitalista imposta pela globalização reformando os sindicatos ou restabelecendo a soberania nacional. Os trabalhadores devem criar novas organizações de luta, comitês de base independentes, que devem recorrer à classe trabalhadora brasileira, latino-americana e internacional em uma luta comum contra a fonte da exploração moderna: o sistema capitalista.