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Perspectivas

O golpe fascista de 6 de janeiro

Publicado originalmente em 7 de janeiro de 2021

A insurreição fascista em Washington D.C. – que resultou na invasão do Congresso dos EUA, na debandada em pânico de senadores e membros da Câmara, no atraso na validação oficial de Joseph Biden pela maioria do Colégio Eleitoral, e até mesmo na ocupação do escritório da presidente da Câmara, Nancy Pelosi – é um ponto de virada na história política dos Estados Unidos.

A antiga exaltação da invencibilidade e da atemporalidade da democracia americana foi totalmente exposta e desacreditada, mostrando ser um mito político. A frase popular: "Não pode acontecer aqui", tirada do título do famoso relato ficcional de Sinclair Lewis sobre a ascensão do fascismo estadunidense, foi decisivamente superada pelos acontecimentos. Não só um golpe fascista pode acontecer aqui, mas aconteceu, na tarde de 6 de janeiro de 2021.

Apoiadores de Trump invadem o Capitólio em Washington em 6 de janeiro de 2020. (AP Photo/John Minchillo)

Além disso, mesmo que o esforço inicial não tenha alcançado o seu objetivo, acontecerá novamente.

O que ocorreu ontem foi o resultado de uma conspiração planejada cuidadosamente. Ela foi instigada por Donald Trump, que tem trabalhado com um grupo de conspiradores fascistas estrategicamente posicionados dentro da Casa Branca e de outras instituições, departamentos e poderosas agências do governo. A operação do dia 6 traz consigo a marca suja dos filhos de Trump, auxiliares próximos como Stephen Miller, e de muitos outros que trabalham nos bastidores dentro das forças armadas, da Guarda Nacional e da polícia.

A conspiração utilizou técnicas já conhecidas dos golpes de Estado modernos. Os conspiradores perceberam a reunião do Congresso para ratificar a maioria do Colégio Eleitoral de Biden como o momento propício para agir. A invasão foi preparada por semanas de declarações mentirosas de Trump e de seus lacaios de que a eleição de 2020 havia sido roubada. O líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, prestou um serviço crítico ao refrear por semanas o reconhecimento republicano da eleição de Biden, dando assim tempo e legitimidade aos esforços de Trump para desacreditar as eleições com alegações totalmente fraudulentas de fraude nas urnas.

A maioria dos congressistas republicanos e um número significativo de senadores republicanos orquestraram o debate político de quarta-feira, contestando a legitimidade do voto do Colégio Eleitoral para dar o pretexto necessário para o levante direitista planejado. O sinal para a invasão do Capitólio foi dado pelo próprio Trump com um discurso insurrecional a seus apoiadores, que – pode-se ter certeza – foram direcionados por elementos com treinamento policial, militar e paramilitar.

Muitos já apontaram que os grupos fascistas não encontraram praticamente nenhuma resistência quando invadiram o Capitólio. Nas áreas mais críticas e vulneráveis do edifício, a polícia mal podia ser vista. Basta recordar a violência exercida em junho passado contra uma manifestação pacífica contra a brutalidade policial no Parque Lafayette para avaliar politicamente a resposta da polícia no dia 6.

Se uma manifestação de esquerda tivesse sido convocada em Washington para protestar contra os esforços de Trump para derrubar os resultados da eleição, os manifestantes – como todos sabem – teriam sido recebidos com uma grande demonstração de força por parte da polícia e da Guarda Nacional. Atiradores da polícia estariam colocados estrategicamente em todos os edifícios nas proximidades dos manifestantes. Helicópteros e drones militares estariam circulando nos entornos. O menor movimento não-autorizado da multidão, por mais pacífico que fosse, teria sido respondido com exigências pela sua dispersão imediata, seguida em poucos minutos pelo lançamento de barragens de canhões de gás lacrimogêneo. Centenas, se não milhares de pessoas teriam sido presas.

A resposta do Partido Democrata ao golpe tem sido uma patética demonstração de impotência política. As primeiras horas da insurreição passaram sem que um único líder democrata importante denunciasse de maneira clara a conspiração, ou chamasse por resistência popular ao golpe. O ex-presidente Obama e os Clintons, que são seguidos por milhões no Twitter, permaneceram em silêncio durante todo o dia.

Quanto ao presidente eleito, Biden esperou horas antes de finalmente aparecer publicamente. Depois de descrever o ataque ao Capitólio como uma incitação, Biden fez este extraordinário apelo ao líder da conspiração: "Chamo o presidente Trump a ir agora à televisão nacional, para cumprir seu juramento e defender a constituição e exigir o fim deste cerco".

Normalmente, quando confrontado com uma tentativa de derrubar o regime constitucional, o líder político ameaçado pela conspiração deve imediatamente procurar privar os traidores de todo acesso aos meios de comunicação de massa e a uma audiência nacional. Biden, ao invés disso, chamou Trump para aparecer na televisão nacional – para cancelar a insurreição que ele mesmo organizou!

Biden concluiu suas observações com o seguinte chamado: "Então, presidente Trump, dê um passo à frente". Esse apelo falido ao pretenso ditador fascista ficará na história como o discurso "Hitler, faça a coisa certa" de Biden.

Os democratas e a mídia não têm a intenção de expor a profundidade da conspiração e de responsabilizar aqueles que a planejaram e organizaram. O esforço para encobrir o crime já começou, com a mídia reafirmando a necessidade dos democratas e republicanos "de se unirem em união bipartidária".

A decisão do Senado, no período da noite, de manter a eleição de Biden não é o fim da crise.

Apelos à "união" com os conspiradores abrem o espaço para o próximo esforço de realizar um golpe de Estado fascista. Essa é a lição da invasão do Capitólio estadual em abril por bandidos fascistas armados em Lansing, Michigan, e a conspiração subseqüente na segunda metade do ano passado para seqüestrar e assassinar a governadora democrata do estado, Gretchen Whitmer. O Partido Democrata e a mídia suprimiram rapidamente a cobertura desses crimes e mal defenderam Whitmer contra o ataque. Os conspiradores, até agora, receberam pouco mais do que uma advertência.

A resposta dos democratas à conspiração fascista não é ditada por mera covardia ou estupidez. Ao contrário, como representantes da oligarquia financeira-corporativa, eles temem que a exposição da conspiração criminosa e de seus objetivos políticos provoquem uma resposta em larga escala dentro da classe trabalhadora que se transforme em um movimento contra o Estado capitalista e os interesses que ele serve.

Deve haver oposição aos esforços para ocultar a conspiração. Os trabalhadores devem assumir a demanda da remoção e prisão imediatas de Trump. Não se pode permitir que ele permaneça no poder, utilizando o imenso poder da presidência para continuar a sua conspiração. A continuação de Trump na Casa Branca representa uma enorme ameaça para a população dos Estados Unidos e do mundo. Trump ainda retém o poder de declarar uma emergência nacional e até mesmo de lançar uma guerra. O seu dedo permanece no botão nuclear.

Os seus co-conspiradores também não devem ser mantidos nos seus cargos. Os senadores e congressistas republicanos envolvidos na conspiração também devem ser afastados do Senado e do Congresso, levados a julgamento e presos.

A referência contínua dos democratas aos seus "colegas republicanos" é, em si própria, um rebaixamento da democracia.

A demanda por uma investigação pública deve ser levantada, com audiências abertas e visando identificar todos os envolvidos na conspiração, levando à sua prisão.

Nenhuma confiança deve ser colocada na próxima administração Biden de que ela responsabilizará os conspiradores e defenderá a democracia, presumindo que a sua posse não seja impedida por uma nova revolta.

Biden e os democratas não representam nada mais do que outra fração política da mesma classe dominante. Conforme Obama declarou imediatamente após a eleição de Trump, o conflito entre os democratas e os republicanos nada mais é do que uma "disputa entre dois lados de uma só equipe". Em uma declaração emitida na quarta-feira à noite, Obama elogiou com destaque os republicanos, escrevendo de forma gentil: "Fiquei animado ao ver hoje muitos membros do partido do presidente falando com peso". O único objetivo de tal declaração é ocultar a verdade sobre a extensão do golpe fascista.

Os eventos de 6 de janeiro de 2021 devem ser tomados como um aviso. A classe trabalhadora deve elaborar uma estratégia política e um plano de ação para derrotar os esforços futuros para impor uma ditadura.

A dinâmica política e econômica da reação capitalista e da contrarrevolução vai continuar, mesmo com Trump fora da presidência. Essa dinâmica não cessará após 20 de janeiro. O Partido Democrata, cuja delegação do congresso e do senado está repleta de milionários e pessoas com os mais próximos laços com a CIA e os militares, não são menos capazes do que os republicanos de organizar uma conspiração para suprimir os direitos democráticos.

De qualquer forma, a política da administração Biden, que seguirá as políticas estabelecidas por Wall Street e pelos militares, irão perpetuar e agravar a revolta e as frustrações exploradas pelos fascistas.

Ao longo do ano passado, enquanto tem conduzido uma luta incessante contra a política da classe dominante de imunidade de rebanho, o Partido Socialista pela Igualdade mostrou em detalhes a conexão entre a resposta desumana da classe dominante à pandemia e o ataque da administração Trump aos direitos democráticos.

O perigo não passou.

É essencial construir uma rede de comitês de base em fábricas e locais de trabalho capazes de organizar a ampla resistência popular através da mobilização de todos os setores da classe trabalhadora.

Acima de tudo, os trabalhadores devem entender que a desintegração da democracia americana tem na sua base a crise do capitalismo. Em uma sociedade marcada por níveis de desigualdade social assombrosos, é impossível preservar a democracia.

Tire as lições de 6 de janeiro!

Assuma a luta pelo socialismo e pela defesa dos direitos democráticos entrando no Partido Socialista pela Igualdade.

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