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Com milhares de demissões anunciadas, sindicatos orientam volta temporária ao trabalho na Ford

Os dois principais sindicatos dos metalúrgicos à frente das negociações de fechamento da Ford no Brasil estão orientando os trabalhadores a voltarem ao trabalho na próxima segunda-feira, 22 de fevereiro, num gesto claro de obediência aos interesses de lucro da montadora. Mesmo sabendo que serão demitidos em breve, os operários retornarão às fábricas para atender a demanda da empresa por peças de reposição.

Trabalhadores protestam contra o fechamento da Ford em São Paulo, em 2019

Essa imposição da volta ao trabalho acontece em meio à pressão das concessionárias, que demonstraram preocupação em não ter mais peças de reposição para os carros que ainda estão à venda. O anúncio do fechamento das fábricas provocou uma queda imediata nas vendas de veículos da Ford no Brasil. Em janeiro, a empresa teve as vendas reduzidas à metade em comparação com o mês de dezembro, somando apenas 8,1 mil unidades vendidas no país. Foi a maior queda entre as montadoras no Brasil.

Segundo uma reportagem do site UOL Carros, a Abradif (Associação Brasileira dos Distribuidores Ford) notificou a Ford no final de janeiro, avisando que as peças já estavam em falta. No documento, a entidade afirma que suas associadas têm recebido notificações dos Procons (órgãos estaduais de defesa do consumidor) devido à indisponibilidade de componentes para manutenção na rede autorizada.

Das três plantas da Ford no Brasil, apenas a de Horizonte, no estado do Ceará, continuava operando com previsão de fechar totalmente até o fim do ano. Já as outras duas fábricas, em Camaçari (BA) e em Taubaté (SP), que empregam um maior número de pessoas, estavam totalmente fechadas desde o dia 11 de janeiro, dia em que a montadora anunciou o fim de sua produção no Brasil.

Após algumas semanas, no entanto, a Ford começou a convocar parte dos trabalhadores de Camaçari e Taubaté. Operários estavam sendo chamados individualmente, por telegramas ou por telefonemas dos chefes, mas, apesar da intimidação direta, não responderam à convocação.

Em uma entrevista ao jornal O Globo, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, Julio Bonfim, havia relatado: “A Ford está mandando comunicados, mas a adesão está zero, está tudo parado, ninguém está indo. A fábrica precisou alugar um galpão porque na região de Simões Filho (município vizinho) não tinha gente para descarregar mercadorias de 90 caminhoneiros aqui em Camaçari.”

Para garantir a volta ao trabalho, a Ford teve que recorrer aos respectivos sindicatos não só para formalizar a nova ordem, mas também para convencer os trabalhadores. Foi com esse propósito que se realizaram, nesta semana, audiências de conciliação entre os sindicatos e executivos da Ford.

Durante a audiência, o presidente do sindicato de Camaçari se declarou favorável à volta ao trabalho, apresentando diferenças apenas em relação aos critérios para esse retorno. “O sindicato quer cumprir com as condições de retorno sim, mas o sindicato quer discutir critérios para esses trabalhadores retornarem. Não da forma que a Ford está fazendo. A Ford está convocando todos os trabalhadores, até trabalhadores incapacitados, trabalhadores que estão lesionados.”, argumentou Bonfim.

Enquanto os executivos da empresa denunciavam uma “greve ilegal” por parte dos trabalhadores, acusando o sindicato de orientar essa resistência, Bonfim negava ser o responsável: “Não existe greve, não existe paralisação.” Ou seja, no momento em que a Ford mais dependia dos trabalhadores, quando se revelava o poder dos trabalhadores sobre a empresa, o sindicato subordinou esse poder aos interesses capitalistas, desarmando a luta dos trabalhadores.

Em um vídeo divulgado logo após a audiência de negociação, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, Cláudio Batista, apresentou como uma conquista o fato de o acordo ter obtido “a negociação com os executivos mundiais da Ford, um fato inédito pois nunca conseguimos negociar com os executivos da Ford objetivando a reversão do fechamento”.

Apesar de terem ocorrido separadamente, as duas audiências, de Camaçari e de Taubaté, aprovaram praticamente a mesma resolução: orientar os trabalhadores a retornarem às fábricas, com a garantia de que não haverá nenhuma demissão “até o fim das negociações”. Nesse período, a Ford também manterá o pagamento dos salários, mesmo daqueles que não forem convocados a trabalhar.

Em relação aos trabalhadores que faltaram ao chamado da Ford, não haverá descontos. Por outro lado, a partir do dia 22, quem for chamado e não comparecer estará submetido às “medidas cabíveis”. Ambos os acordos foram submetidos à votação dos trabalhadores e aprovados.

Além das implicações políticas envolvidas, esse retorno ao trabalho se dá em meio ao pior momento da pandemia da COVID-19 no país. Mais de 300 mil novos casos e 7.520 novos óbitos foram registrados na semana passada, a semana com o segundo maior número de óbitos desde o início da pandemia. Isso por si só justifica a necessidade de manter os trabalhadores em casa, parando a produção que não é essencial.

Essa questão chegou a ser mencionada durante a audiência de Camaçari, com um pedido – mas não uma exigência – do sindicato para que a Ford testasse todos os trabalhadores que voltarem ao trabalho, considerando a recorrência de afastamentos médicos registrados ao longo da pandemia.

Numa postura anticientífica e repulsiva – semelhante à do presidente fascistoide Jair Bolsonaro e alinhada ao conjunto da classe dominante –, uma das representantes da Ford presente na audiência respondeu que “não existe contaminação na fábrica até hoje”. Desafiando a capacidade de inteligência dos trabalhadores e atribuindo a eles a culpa por suas próprias contaminações, ela ainda disse que “os empregados que foram positivamente comprovados adquiriram a doença fora [da fábrica]”.

Depois da insistência do juiz encarregado da audiência, que reforçou a urgência do problema na Saúde do estado da Bahia e do país, a empresa se limitou a “pensar com carinho” sobre isso. Dessa forma, está claro que os trabalhadores voltarão aos seus locais de trabalho apenas seguindo os legalmente mínimos “protocolos de segurança”, insuficientes neste momento crítico da pandemia.

Além dos executivos da Ford e das autoridades do governo, os sindicatos também devem ser denunciados como os responsáveis por submeter os trabalhadores aos interesses de lucro que ameaçam a saúde e as condições de vida da classe trabalhadora.

Sob tais condições, o retorno ao trabalho será especialmente amargo para os operários da Ford. Ele coloca urgentemente a questão: quem deve controlar as fábricas da Ford, a classe trabalhadora ou os capitalistas?

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