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Jacobin glorifica Dolores Ibárruri, carrasca stalinista da Revolução Espanhola

Parte dois

Publicado originalmente em 24 de dezembro de 2020

Esta é a segunda parte de um artigo de duas partes. A primeira parte foi publicada em 22 de fevereiro de 2021.

Em 1996, David North, presidente do conselho editorial internacional do World Socialist Web Site, deu uma palestra na Universidade de Michigan intitulada “The Long Shadow of History: The Moscow Trials, American Liberalism and the Crisis of Political Thought in the United States” (“A longa sombra da história: os Processos de Moscou, o liberalismo americano e a crise do pensamento político nos Estados Unidos”. A palestra está incluída no livro The Russian Revolution and the Unfinished Twentieth Century, publicado pela Mehring Books).

North analisou as razões que levaram a ampla maioria da intelligentsia liberal americana a apoiar os Processos de Moscou. Ele observou que o correspondente do New York Times em Moscou, Walter Duranty, declarou confiar na legitimidade dos julgamentos e das confissões dos réus, assim como o embaixador dos Estados Unidos na União Soviética, Joseph Davies. O mesmo aconteceu com os dois órgãos mais influentes do liberalismo americano, as revistas The Nation e The New Republic.

Em meio à Grande Depressão e ao triunfo do fascismo na Itália e na Alemanha, explicou North, muitos intelectuais e acadêmicos liberais nos Estados Unidos olhavam para a União Soviética como um contraponto à ameaça fascista. Stalin, por sua vez, foi apoiado por essas camadas por minimizar a ameaça da revolução socialista e conferir ao antifascismo delas uma tonalidade socialista. A pobreza política, teórica e, pode-se acrescentar, moral do liberalismo na época da agonia mortal do capitalismo se expressou na disposição dos liberais em renunciar aos seus escrúpulos democráticos e quaisquer preocupações com a verdade histórica a fim de atestar a legitimidade das armações judiciais contra os revolucionários que se opuseram ou sobreviveram aos espetáculos monstruosos executados nas cortes da Alemanha de Hitler.

North explicou:

A admiração acrítica dos liberais pelas conquistas soviéticas não implicava um apoio a transformações revolucionárias dentro dos Estados Unidos. Longe disso. A maioria dos intelectuais liberais estava inclinada a ver uma aliança com a URSS como um meio para fortalecer sua própria agenda moderada de reforma social nos Estados Unidos e manter o fascismo sob controle na Europa. A União Soviética já não era temida como vanguarda de levantes revolucionários. Os liberais entenderam que a derrota de Trotsky significava que a União Soviética havia abandonado as aspirações revolucionárias internacionais. Em meados da década de 1930, o regime stalinista adquiriu uma aura de respeitabilidade política.

Ao analisar a resposta liberal aos Processos de Moscou, deve-se ter em mente outro importante fato político. Apenas um mês antes do início do primeiro julgamento, havia estourado a Guerra Civil Espanhola, em julho de 1936. A Espanha foi ameaçada pelo fascismo, cuja vitória certamente levaria à eclosão da Segunda Guerra Mundial. A Rússia soviética era vista como o aliado mais importante das forças republicanas antifascistas. Poucos intelectuais liberais estavam predispostos a um exame cuidadoso do verdadeiro significado da política stalinista na Espanha. Em sua maior parte, eles ignoravam a maneira pela qual os stalinistas estavam destruindo, mediante terror político, o movimento revolucionário da classe trabalhadora e, em última instância, garantindo a vitória de Franco. Na superfície – e poucos liberais se preocuparam em ver além dela – a União Soviética parecia ser a rocha que sustentava todas as esperanças das “forças progressistas” para a derrota do fascismo na Espanha. (David North, The Russian Revolution and the Unfinished Twentieth Century, Oak Park, Michigan, 2014, p. 47)

Nos Estados Unidos, a aplicação do programa da Frente Popular levou o Partido Comunista a apoiar o governo de Franklin Delano Roosevelt e contribuir para a subordinação política dos sindicatos industriais recém-formados da federação sindical CIO ao Partido Democrata.

Franklin Roosevelt assina declaração de guerra contra a Alemanha. (Foto: Wikimedia Commons)

Essa questão, a subordinação do movimento operário ao Partido Democrata, era, e é até hoje, o problema político central no desenvolvimento do movimento operário nos Estados Unidos. O colapso global do capitalismo desencadeado pelo crash de Wall Street em 1929 assumiu rapidamente nos Estados Unidos – já a potência industrial hegemônica no mundo – a forma de uma crise social devastadora. Praticamente da noite para o dia, milhões de trabalhadores e pequenos agricultores foram lançados à penúria e à fome.

O capitalismo caiu em descrédito. Na boca das massas, incluindo alguns setores de intelectuais, ‘capitalismo’ virou sinônimo de palavrão. Menos de uma década após a Revolução de Outubro, a União Soviética tornava-se um polo de atração e inspiração para milhões. Na elite dominante americana, a existência da URSS pairava como um constante lembrete do perigo de uma revolução socialista nos Estados Unidos.

O New Deal de Roosevelt refletiu a constatação de setores mais perspicazes da classe dominante de que seria necessário gastar uma parte das vastas reservas financeiras do capitalismo americano em um programa de reformas sociais mínimas para evitar que seu sistema fosse derrubado. Isso, no entanto, não foi suficiente para evitar uma explosão do conflito de classes, uma vez que o primeiro choque sentido pela classe trabalhadora com o colapso social começava a passar. O ano de 1934 teve greves gerais em três cidades: Toledo (Ohio), San Francisco e Minneapolis, esta última dirigida por trotskistas, organizados naquele momento na Communist League of America (Liga Comunista dos EUA).

Greve dos caminhoneiros de Minneapolis em 1934

Essas batalhas semi-insurrecionais foram acompanhadas pela formação, em 1935, do Comitê para Organização Industrial, encabeçado pelo líder dos mineiros John L. Lewis e outros dirigentes sindicais que haviam rompido com a conservadora Federação Americana do Trabalho (AFL, na sigla em inglês). A AFL, que havia surgido em 1886 como uma federação de sindicatos de trabalhadores divididos em função da qualificação ou ofício, se opôs à organização de trabalhadores não qualificados dos setores automotivo, siderúrgico, elétrico, da borracha, das comunicações e outros, e ao estabelecimento de sindicatos industriais de massa.

O movimento pelos sindicatos industriais levantou a questão da ruptura com os partidos das grandes empresas. A convenção de fundação do UAW (United Auto Workers), o sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística, em 1935, votou pela formação de um partido dos trabalhadores.

No início de 1937, uma onda de greves com ocupação tomava a indústria de base, inspirada pela greve com ocupação em Flint, que forçou a General Motors a reconhecer o UAW. Foi dessa ascensão explosiva da classe trabalhadora americana que nasceu o Congresso de Organizações Industriais (CIO, na sigla em inglês).

O Partido Comunista usou sua importante influência no novo movimento sindical industrial, inclusive entre os seus dirigentes, para impedir que o movimento adquirisse uma forma política independente que rompesse com Roosevelt e os democratas. Nisso, aliou-se a Lewis e outros burocratas pró-capitalistas.

Naquele momento da Depressão, quando as potências imperialistas se preparavam para outra guerra mundial, uma ruptura política da classe trabalhadora americana com os partidos capitalistas teria imensas implicações revolucionárias, não só nos Estados Unidos, mas também internacionalmente. Justamente por isso, o PC americano, dominado pelo stalinismo e alinhado à política da Frente Popular do Kremlin, atuou para evitá-la.

O Partido Democrata – o partido capitalista mais antigo dos Estados Unidos, que foi o bastião da escravocracia do sul e, na época, o principal agente das leis segregacionistas de Jim Crow – já havia servido por décadas como o principal instrumento político da classe dominante para conter e castrar movimentos de oposição. O movimento anti-Wall Street, movimento populista da virada do século cuja base eram pequenos agricultores, tornou-se inofensivo ao ser canalizado para o Partido Democrata. O mesmo se deu com os protestos anti-imperialistas e antimonopolistas do início do século XX.

A maior parte da intelligentsia liberal dos anos da Depressão, temendo o crescimento do fascismo, mas assustada com a perspectiva de uma revolução da classe trabalhadora, alinhou-se a Roosevelt e aos democratas. Eles foram atraídos pela adesão aberta do PC à política de colaboração de classes e ao nacionalismo americano, assim como pelo seu repúdio de fato à revolução social.

Em 1935, o Partido Comunista abandonou abruptamente a política do Terceiro Período, que atacava Roosevelt como um “imperialista fascista”, e declarou-o nada mais do que o continuador da tradição democrática americana. Alegando que o PC representava o “americanismo do século vinte”, o líder do partido, Earl Browder, disse em um evento massivo: “Somos um partido americano composto por cidadãos americanos. Vemos todos os nossos problemas à luz dos interesses nacionais dos Estados Unidos.”

Earl Browder em 1939

Na Décima Convenção Nacional do PC americano, em maio de 1938, o salão foi decorado com bandeiras americanas e os delegados cantaram “Star Spangled Banner”, o hino nacional.

Pervertendo o marxismo para se adaptar à política nacionalista e contrarrevolucionária do regime soviético e bloquear o surgimento de um movimento político independente da classe trabalhadora americana, os stalinistas americanos se apoiaram em várias correntes da ideologia burguesa e pequeno-burguesa – pragmatismo, individualismo, nacionalismo, anti-intelectualismo – que haviam cumprido um papel determinante na política e no pensamento americano.

Em seus últimos escritos, Trotsky enfatizou a importância crucial de lutar para que o movimento insurgente da classe trabalhadora americana assumisse uma forma política independente. Com base nisso, ele apelou aos trotskistas americanos, então organizados no Socialist Workers Party (SWP), a adotarem a demanda de o CIO romper com os democratas e estabelecer um partido dos trabalhadores, vinculando esta demanda ao revolucionário e socialista Programa de Transição, adotado pela conferência de fundação da Quarta Internacional em 1938.

Em um manuscrito inacabado intitulado “Os sindicatos na época da decadência imperialista”, encontrado em sua mesa após seu assassinato pelo agente stalinista da GPU Ramon Mercader em 20 de agosto de 1940, Trotsky escreveu:

Nos Estados Unidos, o movimento sindical passou nos últimos anos por seu período mais tempestuoso. O nascimento do CIO é uma evidência incontestável das tendências revolucionárias no seio das massas trabalhadoras. No entanto, é significativo e muito importante assinalar o fato de que a nova organização sindical “de esquerda”, nem bem se fundou, caiu no férreo abraço do Estado imperialista. A luta nas altas esferas entre a velha e a nova federação reduz-se, em grande medida, à luta pela simpatia e o apoio de Roosevelt e seu gabinete. (Leon Trotsky, Leon Trotsky on the Trade Unions, Nova York, 1975, p.73)

Durante uma discussão com dirigentes do SWP sobre a demanda por um partido dos trabalhadores em maio de 1938, Trotsky falou sobre o novo movimento sindical industrial:

Para que a luta de classes não seja esmagada e dê lugar à desmoralização, o movimento deve encontrar um novo canal, e este canal é político. Este é o argumento fundamental a favor desta demanda. (Leon Trotsky, The Transitional Program for Socialist Revolution, New York, 1977, p.163-164)

Leon Trotsky no final dos anos 1930

Em sua palestra de 1996, David North explicou a relação entre o apoio da intelligentsia liberal dos Estados Unidos à URSS nos anos anteriores à guerra e sua virada, depois da guerra, para o mais feroz anticomunismo e antissovietismo da Guerra Fria. A mesma superficialidade política e teórica e o oportunismo, a mesma atitude leviana em relação à verdade histórica que os tornara defensores dos crimes de Stalin em um período levaram-nos, no período seguinte, a atribuir esses crimes não à traição de Stalin ao socialismo e ao marxismo, mas sim ao próprio projeto socialista e revolucionário. A ditadura totalitária de Stalin, diziam, era o resultado inevitável da Revolução de Outubro, de Marx, Engels, Lenin e Trotsky.

A defesa de Trotsky do socialismo revolucionário e do internacionalismo e sua luta implacável contra o stalinismo foram ignoradas ou declaradas nada mais do que uma disputa interna entre concorrentes pelo controle de um regime inerentemente despótico.

North disse:

Houve uma mudança dramática na atitude da intelligentsia liberal em relação à União Soviética entre 1936 e 1946. No entanto, havia uma continuidade política e teórica determinante entre as posições pró e antissoviética. Quando apoiou Stalin contra Trotsky e, mais tarde, Truman contra Stalin, a intelligentsia liberal partia da identidade do stalinismo com o marxismo.

Isso colocou a intelligentsia liberal em uma posição política e intelectualmente insustentável. Com base na fórmula fácil de que o stalinismo é igual ao marxismo e ao socialismo, os liberais permitiam-se apenas duas alternativas: a primeira era opor-se ao stalinismo pela direita, como partidários do imperialismo americano; a segunda, servir como apologista do stalinismo. A revista The New Republic acabou no primeiro campo; The Nation, no segundo. (David North, The Russian Revolution and the Unfinished Twentieth Century, Oak Park, MI, 2014, pp. 57-58)

Ao subordinar a classe trabalhadora ao Partido Democrata e aos liberais burgueses, os stalinistas americanos cumpriram um papel crucial na subordinação do movimento operário pós-guerra ao imperialismo dos Estados Unidos e sua ofensiva da Guerra Fria contra a União Soviética. A direção do CIO e a do Partido Democrata se voltaram ferozmente contra todos os elementos de esquerda e socialistas do movimento operário, expurgando os sindicatos por meio de uma caça às bruxas anticomunista. Isso preparou o terreno para o declínio e eventual colapso dos sindicatos, e sua eventual transformação em agências diretas das corporações e do Estado capitalista.

Os DSA e o anticomunismo da Guerra Fria

Os Socialistas Democráticos dos EUA (DSA, na sigla em inglês) estão historicamente enraizados em uma dissidência à direita da Quarta Internacional e do SWP liderada por Max Shachtman, membro fundador do movimento trotskista nos Estados Unidos e um de seus principais escritores e propagandistas. Shachtman, com o professor James Burnham, da Universidade de Nova York, e Martin Abern, membro do Comitê Nacional do SWP, reagiram ao pacto de não agressão de Stalin-Hitler de agosto de 1939 renunciando à política da Quarta Internacional de defesa da União Soviética contra o imperialismo, alegando que a própria URSS era um Estado imperialista.

Shachtman logo adotou a posição de Burnham de que não restava nada das conquistas históricas da Revolução de Outubro. A União Soviética havia se tornado uma nova forma de sociedade de classes, que Burnham chamou de “coletivismo burocrático”, e a burocracia stalinista evoluíra para uma nova classe dominante. Isso fazia parte de uma tendência mais ampla que veio a ser conhecida como “capitalismo de Estado”. Ela passava por cima da análise da Quarta Internacional de que a União Soviética sob a ditadura stalinista era um “Estado operário degenerado”. Apesar dos crimes e depredações de Stalin, a União Soviética ainda tinha como base as relações de propriedade nacionalizadas estabelecidas pela Revolução de Outubro e podia ser salva da restauração capitalista através de uma revolução política da classe trabalhadora soviética que derrubasse a burocracia e restaurasse a democracia proletária e o programa revolucionário da revolução socialista mundial.

Como Trotsky explicou em uma série de polêmicas brilhantes escritas no decorrer da luta entre frações dentro do SWP, de 1939-1940, reunidas na obra Em defesa do marxismo, a rejeição do papel revolucionário da classe trabalhadora e a negação de qualquer possibilidade de revolução socialista estava no cerne da política da fração minoritária dirigida por Shachtman.

A perspectiva desmoralizada de Shachtman e Burnham correspondia, dentro do SWP, à guinada à direita de toda uma camada de intelectuais pequeno-burgueses que haviam simpatizado com Trotsky, mas agiram rapidamente para repudiar a Revolução de Outubro e o socialismo revolucionário e para alinhar-se ao imperialismo americano enquanto o governo Roosevelt se preparava para entrar na Segunda Guerra Mundial. Shachtman tornou-se o dirigente de uma fração pequeno-burguesa que rompeu com o SWP na primavera de 1940. Poucas semanas depois da cisão, Burnham renunciou ao socialismo e rapidamente se tornou o líder ideológico do conservadorismo anticomunista americano. O processo de Shachtman foi mais demorado, mas a lógica de sua política pequeno-burguesa o levou, no final da década de 1940, a abraçar o anticomunismo da Guerra Fria. Ele se tornou um conselheiro político da AFL-CIO e, antes de sua morte em 1972, apoiou o bombardeio de Nixon contra o Vietnã do Norte.

Ao encobrir o stalinismo e o PC americano, os DSA não estão renunciando às suas raízes antissoviéticas e anticomunistas. Seu fundador, Michael Harrington, um protegido político de Shachtman, era um defensor da Guerra Fria, do Partido Democrata e da burocracia sindical. Os DSA continuam denunciando a União Soviética pela direita e identificando a Revolução de Outubro com o regime stalinista despótico que se estabeleceu pela traição.

O anticomunismo subjacente dos DSA e dos grupos que consideravam a URSS um regime capitalista de Estado ao redor do mundo nunca os impediu de bloquear tendências stalinistas opostas ao trotskismo e à independência política da classe trabalhadora. O que a Jacobin e os DSA hoje consideram louváveis na história do PC americano é precisamente seu papel contrarrevolucionário durante o período da Frente Popular da década de 1930 – quando apoiou a destruição sangrenta da Revolução Espanhola, as incriminações e execuções dos Processos de Moscou, e a subordinação do CIO a Roosevelt e ao Partido Democrata.

A homenagem da Jacobin e dos DSA a Ibárruri não é de forma alguma uma aberração. Faz parte de uma promoção calculada do stalinismo e do Partido Comunista americano como exemplos de radicalização para os trabalhadores e a juventude hoje. Nos últimos meses, a Jacobin deu destaque a figuras stalinistas das décadas de 1960 e 1970, como Angela Davis, e publicou artigos elogiosos sobre o legado supostamente revolucionário do Partido Comunista dos EUA.

Voluntários republicanos, armados com espingardas e revólveres, defendem uma barricada de tijolos durante uma batalha de rua em Barcelona, em 22 de julho de 1936. (Foto: AP)

Justamente neste mês, em 5 de dezembro, a Jacobin publicou uma resenha de um novo livro sobre a Amazon (a resenha foi intitulada “Resisting Amazon Is Not Futile” – “Resistir à Amazon não é inútil”) creditando o “dirigente do Partido Comunista” William Z. Foster pela publicação de uma monografia baseada na greve do aço de 1919, que “se tornou um roteiro não apenas para os sucessos de organização industrial do CIO na década de 1930, mas também para a direção das lutas organizativas contemporâneas”. Foster desempenhou um papel importante na greve, que acabou sendo derrotada, mas acabou se tornando um leal funcionário stalinista, defensor dos Processos de Moscou e feroz opositor do trotskismo, dirigindo o PC americano de 1945 a 1957. Ele publicou a monografia sobre a greve do aço no fatídico ano de 1936.

Em agosto de 2017, a Jacobin publicou um artigo do editor fundador Bhaskar Sunkara e do vice-presidente nacional dos DSA, Joseph M. Schwartz, intitulado “O que os socialistas devem fazer?”. O artigo apresentava o papel do PC dos EUA no período da Frente Popular como modelo para os dias de hoje. Os autores escreveram:

Em última análise, os socialistas devem ser tribunos do socialismo e os melhores organizadores. Foi assim que o Partido Comunista cresceu rapidamente de 1935 a 1939. Eles se estabeleceram como a ala esquerda do CIO e da coalizão do New Deal, e cresceram de vinte mil para cem mil membros durante esse período... A Frente Popular foi a última vez que o socialismo teve qualquer presença de massa nos Estados Unidos – em parte porque, à sua maneira, os comunistas enraizaram suas lutas pela democracia na cultura política dos Estados Unidos enquanto tentavam construir um movimento verdadeiramente multirracial da classe trabalhadora.

No ano passado, Sunkara publicou O manifesto socialista, cuja pretensão é traçar uma estratégia para construir um movimento socialista de massa nos Estados Unidos. No manifesto, ele elogia o PC americano pelo apoio a Roosevelt e ao Partido Democrata durante a Depressão e deprecia a posição de Norman Thomas, líder do Partido Socialista, que se opôs a Roosevelt e defendeu uma campanha presidencial independente em 1936. Sunkara escreve:

Na eleição presidencial de 1936, os trabalhadores de todo o país estavam tomando uma decisão racional de apoiar o Partido Democrata, ávidos pela continuidade das reformas de Roosevelt e reconhecendo as barreiras institucionais à política independente. O grupo de Thomas não poderia oferecer uma estratégia para superar qualquer uma dessas barreiras ou mesmo uma maneira de não se opor às melhores reformas do New Deal. Eles apenas tinham palavras de ordem sobre opor-se aos partidos capitalistas. Ironicamente, o Partido Comunista, mais radical, era mais capaz de se relacionar com os apoiadores de Roosevelt...

A questão hoje é se a gente consegue levar a Esquerda para a grande política – modulando nossa retórica, enraizando-nos na vida cotidiana – enquanto construímos um projeto de política independente para a classe trabalhadora que seja mais do que a oposição leal do liberalismo. Em outras palavras: podemos fazer do socialismo o americanismo do século XXI, sem perder nossa alma no processo (ou nos vestir como Paul Revere)? (Bhaskar Sunkara, The Socialist Manifesto: The Case for Radical Politics in an Era of Extreme Inequality, Nova York, 2019, pp. 179, 181)

Sunkara segue criticando William Z. Foster e o PC por endossar a campanha presidencial do Partido Progressista de Henry Wallace em 1948, em vez de apoiar Harry Truman. Ele critica o PC não pela esquerda – por promover Wallace como uma distração para minar o sentimento crescente que havia entre a classe trabalhadora por uma ruptura com os democratas e pela criação de um partido dos trabalhadores – mas pela direita – como uma retirada imprudente do apoio anterior do PC aos democratas.

Por que os DSA se voltam para o stalinismo hoje? É necessário olhar para o contexto de – e como uma resposta a – decomposição acelerada do capitalismo americano e mundial e abertura de um novo período de revolução socialista.

Os DSA são um apêndice do Partido Democrata. Não tem nada em comum com o socialismo genuíno. Eles estão respondendo à visível desintegração da democracia americana, à virada de setores significativos da classe dominante para o fascismo e à ditadura, ao crescimento do militarismo, aos níveis cada vez mais grotescos de desigualdade social, ao descrédito de todas as instituições do capitalismo, ao crescimento do sentimento anticapitalista entre as massas e, acima de tudo, ao ressurgimento da luta de classes nos EUA e internacionalmente, voltando-se para as forças e tradições políticas mais reacionárias.

Todos esses processos e contradições foram imensamente intensificados pela pandemia de COVID-19, que destruiu fatal e irreversivelmente a legitimidade do capitalismo aos olhos de bilhões de trabalhadores em todo o mundo e dezenas de milhões nos Estados Unidos.

Trabalhadores com equipamento de proteção enterram corpos em uma vala em Hart Island, Nova York, 9 de abril de 2020. (Foto: John Minchillo/AP)

Em muitos aspectos, a crise atual do capitalismo é mais aguda do que a deflagrada pela eclosão da Primeira Guerra Mundial, que levou à Revolução de Outubro e ao estabelecimento do primeiro Estado operário da história, e as convulsões revolucionárias e contrarrevolucionárias que dominaram as três décadas seguintes, incluindo os anos da Depressão e da Segunda Guerra Mundial.

Desde aquele período, todas as burocracias e partidos de massas nos quais a burguesia confiava – stalinistas, socialdemocratas, e os abertamente pró-capitalistas como nos Estados Unidos – desintegraram-se. A classe trabalhadora cresceu imensamente em número e tornou-se muito mais interconectada globalmente, reforçando que a nova onda de lutas da classe trabalhadora assumirá uma forma internacional.

O centro desta crise mundial é o capitalismo americano, que sofreu um declínio dramático desde os anos 1930, os anos 1940 e o período de boom do pós-guerra. Há muito tempo ele perdeu sua posição como a potência industrial do mundo. Décadas de desindustrialização e financeirização agravaram o parasitismo do capitalismo americano e produziram a mais nítida expressão de decadência – o crescimento impressionante da desigualdade social.

Do ponto de vista da burguesia e de suas agências subsidiárias, como os DSA, o mais crítico e assustador é o imenso crescimento da influência e autoridade do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), o movimento trotskista mundial, dentro da classe trabalhadora americana e internacional, bem como entre os setores progressistas da intelligentsia e a juventude.

Os membros da classe média opositores da revolução socialista que controlam os DSA estão muito cientes do crescimento do número de leitores do World Socialist Web Site, particularmente entre os trabalhadores. Eles estão assustados com a crescente autoridade e influência dos Partidos Socialistas pela Igualdade dentro da classe trabalhadora nos Estados Unidos e em todo o mundo, que se refletem no crescimento dos comitês de base em fábricas e locais de trabalho, independentes dos sindicatos pró-corporativos. Eles olham com horror para o fato de o WSWS ter desmontado a tentativa do New York Times, por meio de seu “Projeto 1619”, de promover a política racialista e dividir a classe trabalhadora, falsificando a história americana e negando o legado progressista das duas grandes revoluções democráticas dos EUA – a Revolução Americana e a Guerra Civil.

A virada dos DSA e da Jacobin para o legado imundo do stalinismo é a expressão de uma forte reação defensiva. Dirige-se sobretudo contra nosso movimento, que incorpora as tradições revolucionárias e o programa do marxismo e da Revolução de Outubro. No novo período da revolução socialista, o trotskismo e o CIQI se tornarão um polo de atração para milhões de trabalhadores que buscam uma saída da barbárie capitalista.

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