Com recodes de mortes sendo atingidos diariamente, um colapso do sistema hospitalar por todo seu território, variantes mais contagiosas disseminando-se aceleradamente e menos de 5% da população vacinada, a pandemia de COVID-19 no Brasil chegou a um grau de catástrofe generalizada.
Na quarta-feira, o país teve o recorde de 2.349 mortes por COVID-19. Com esse número assombroso, 50% maior do que o pico atingido durante a primeira onda da pandemia, o Brasil ultrapassou o marco de 270 mil mortes por coronavírus. Deste total, 75.941 mortes ocorreram este ano. No mesmo dia, foram registrados 80.955 novos casos de COVID-19, chegando à maior média de contaminações em toda a pandemia.
A gravidade do colapso sanitário no país foi explicitada por uma declaração da Fundação Oswaldo Cruz de que 15 das 27 capitais brasileiras já superam 90% de ocupação dos leitos de UTI preenchidos por pacientes graves de COVID-19. Outras dez capitais encontram-se em “situação extremamente crítica”, isto é, acima dos 80% de ocupação.
A previsão feita pelo neurocientista Miguel Nicolelis, de que o Brasil poderia chegar a 2.000 mortes diárias nos próximos dias, e 3.000 mortes diárias nas próximas semanas, tragicamente está se concretizando. Isso significa que veremos o total de mortes no país dobrar nos próximos três meses.
O cientista definiu o Brasil como um laboratório a céu aberto para a criação de mutações mais perigosas da COVID-19 e possivelmente até um novo vírus, o SARS-CoV-3, ainda mais infeccioso e letal. Esse potencial devastador já foi demonstrado pelo aparecimento no final do ano passado da variante P.1 do coronavírus em Manaus, mais contagiosa e que pode causar reinfecções e resistir à ação de vacinas.
A evolução descontrolada da pandemia no Brasil oferece graves perigos não apenas à população nacional, mas a todo o planeta. Ela é resultado da política criminosa de imunidade de rebanho amplamente adotada pela classe dominante mundial, da qual o governo brasileiro é um dos maiores expoentes, que deliberadamente permitiu a disseminação do vírus pela sociedade.
Uma política científica de combate à pandemia, com o fechamento de todas as atividades não-essenciais acompanhado de testagens e rastreamento de contatos, jamais foi implementada em qualquer parte do país.
Em maio de 2020, quando o Brasil não contabilizava ainda uma dezena de milhar de mortos, representantes das maiores associações empresariais marcharam ao lado do presidente fascistoide Jair Bolsonaro para denunciar as mínimas medidas restritivas tomadas por governos locais, dizendo que “já foram longe demais”. Aos capitalistas, Bolsonaro prometeu travar uma “guerra aos lockdowns”.
As exigências sociopatas da burguesia nacional não tiveram resistência de nenhum partido do establishment político brasileiro, incluindo a dita oposição liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ao contrário, desde então, todas as ações tomadas pelos governantes foram direcionadas a acabar com as políticas de distanciamento social.
Educadores desafiam política homicida da classe dominante
Mesmo após o desastroso exemplo da segunda onda com recordes de casos e mortes na Europa e nos Estados Unidos, e diante do assustador ascenso dos números no Brasil desde o final do ano passado, a classe dominante forçou a ampla reabertura das salas de aulas pelo país. Uma campanha propagandística coordenada entre os governos e a mídia corporativa atacou virulentamente as conclusões científicas de que escolas são importantes vetores de transmissão do vírus, e buscou dissipar a visão generalizada entre a população de que reabri-las não era seguro.
No estado de São Paulo, o mais afetado pelo coronavírus, que já registra mais de 60 mil mortos, o governador João Doria do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) definiu a educação presencial como um serviço essencial, garantindo seu funcionamento independentemente da gravidade da pandemia.
O caráter homicida dessa política já foi plenamente revelado. Desde que começaram a ser reabertas, em 1º de fevereiro, as escolas paulistas já somam assustadoras 21 mortes, duas de alunos e as demais de educadores, além de 4.084 infecções por COVID-19 confirmadas e outras 24.345 suspeitas.
A situação obrigou na quinta-feira o governador Doria a anunciar medidas mais restritivas para evitar um colapso na saúde, fazendo questão ao mesmo tempo de enfatizar que não se trata de um “lockdown”. Indústrias e serviços terão horários escalonados de abertura e fechamento para diminuir a lotação nos transportes públicos, enquanto escolas particulares poderão manter até 35% dos alunos em sala de aula. As escolas da rede pública estadual de São Paulo terão um recesso escolar nas duas próximas semanas, mas as aulas estão programadas para retornar em seguida.
Uma catástrofe ainda maior está sendo evitada graças à ação dos educadores de São Paulo, que deflagraram uma greve contra a reabertura escolar em 8 de fevereiro na rede pública estadual e três dias depois na rede municipal da capital. No último sábado, professores das escolas particulares de São Paulo também votaram pelo início de uma greve com início nesta quinta-feira.
Após um mês de duração, a greve dos professores de São Paulo está em um momento crítico. A greve prevalece exclusivamente pela determinação dos educadores de base, que enfrentam a sabotagem deliberada dos sindicatos. Tanto a APEOESP como o SINPEEM, os maiores sindicatos da educação em São Paulo, trabalham energicamente para dividir os professores, quebrar suas iniciativas independentes, e cansá-los até que seja possível enterrar a greve.
Mas o movimento dos educadores está sendo impulsionado por poderosas forças sociais. Além de novas greves de professores em estados como Santa Catarina e Paraná, existe um crescente descontentamento entre toda a população brasileira com a negligência dos governos à pandemia, e uma onda de agitação espalha-se por diferentes camadas da classe trabalhadora.
Greves e protestos da classe trabalhadora espalham-se pelo Brasil
Hoje, qualquer gota d’água ameaça fazer transbordar os diques de contenção da oposição social.
O aumento dos preços de combustíveis na semana passada desencadeou greves e protestos selvagens de caminhoneiros, motoristas de Uber e entregadores de aplicativos em diferentes regiões do Brasil. Em uma série de ocasiões, manifestantes dirigiram-se às refinarias de petróleo, agitando os trabalhadores petroleiros, que convocaram uma greve contra o aumento das contaminações por COVID-19 e as ameaças de privatização de suas unidades.
Manifestações também irromperam entre operadores de call center, que em março do ano passado protagonizaram a primeira resposta da classe trabalhadora brasileira à pandemia de COVID-19, levantando a contundente palavra de ordem: “Não vamos morrer na P.A. (posição de atendimento)!”.
Exigindo melhores salários, opondo-se ao cancelamento de seus planos de saúde e denunciando as negociações entre a empresa e o sindicato, operadores da AlmaViva de Aracaju, Sergipe, fizeram um protesto na última segunda-feira. Os trabalhadores gritavam: “Greve já! Greve já!”. No dia seguinte, um protesto espontâneo contra semelhantes condições ocorreu na empresa Liq em Salvador, Bahia. A página Senzala80, organizada independentemente pelos trabalhadores da empresa, declarou: “Quebra de contrato é o nome disso. Assinamos um contrato onde nos foi dado o direito [a] um plano de saúde e em pleno momento pandêmico nos foi tirado o direito ao atendimento. E o sindicato faz o que pelos operadores? NADA”.
Ao longo do último ano, ocorreram contínuas greves de motoristas e cobradores de ônibus, que sofreram 70 mil demissões desde o início da pandemia e em muitos casos estão há meses com salários atrasados. Uma greve de rodoviários já se estende por um mês em Teresina, capital do Piauí; na segunda-feira, foi deflagrada uma greve em Vitória, capital do Espírito Santo; na próxima segunda-feira será iniciada uma greve em São Luís, capital do Maranhão. Em muitas outras cidades a mesma situação se repete.
No início de fevereiro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres, que congrega mais de 300 sindicatos rodoviários, enviou uma carta ao governo federal e o Congresso exigindo o financiamento das empresas de transporte do país. Demonstrando o nervosismo dos sindicatos com a agitação entre suas bases, o documento declarou: “Destaca-se que as medidas acima são urgentes e visam, nesse primeiro momento, mitigar o crescente movimento de GREVE GERAL estimulado (com razão) pelos sindicatos e federações de base”. Nenhum sindicato está demandando uma greve geral! Mas eles temem serem incapazes de conter o movimento dos trabalhadores de base nessa direção.
Essas preocupações são partilhadas por toda a classe dominante. Nos altos escalões do Estado, um alerta vermelho acendeu na última semana com a erupção de manifestações massivas no Paraguai contra a gestão desastrosa da pandemia pelo aliado fascistoide de Bolsonaro, Mario Abdo Benítez. O risco de que esses protestos atravessem as fronteiras e contagiem as massas brasileiras, que enfrentam fundamentalmente os mesmos problemas que seus irmãos paraguaios, não está sendo subestimado pelos círculos governantes.
Um programa socialista para a pandemia da COVID-19
Até agora, a resposta à pandemia foi ditada pela classe capitalista. Os interesses privados de lucro prevaleceram sobre o interesse social de preservar vidas. Enquanto centenas de milhares morreram pela COVID-19 e outros milhões foram lançados ao desemprego e condições de miséria no Brasil, a oligarquia parasitária aumentou imensamente sua fatia da renda nacional.
Atividades econômicas que provocaram surtos de COVID-19 entre os trabalhadores garantiram lucros obscenos a seus acionistas. As empresas frigoríficas, responsáveis pela interiorização da pandemia no Brasil e pelos maiores surtos em estados como o Rio Grande do Sul, que hoje vive um total colapso sanitário, registraram lucros recordes em 2020.
A produtora de aço Usiminas teve um crescimento de 243% de seus lucros em 2020, o maior dos últimos dez anos. Enquanto isso, a região do Vale do Aço, que tem sua economia voltada à empresa, registra o segundo maior coeficiente de mortalidade de Minas Gerais e está à beira do colapso na saúde.
O fim pesadelo prolongado da pandemia de COVID-19 exige uma luta política da classe trabalhadora contra o sistema capitalista, organizada independentemente dos sindicatos corporativistas e de todos os partidos da burguesia.
A lógica de desenvolvimento do movimento que começa a tomar corpo em diferentes setores da classe operária brasileira é em direção à sua unificação numa greve geral, que feche todas as atividades econômicas não-essenciais, estabeleça um controle dos próprios trabalhadores sobre os locais de trabalho que continuem operando, e exija renda integral a todas as famílias trabalhadoras.
Para tanto, é necessário formar comitês de base nos diferentes locais de trabalho e nos bairros, permitindo que os trabalhadores se libertem do controle maligno dos sindicatos sobre seu movimento. Esses comitês devem adotar um programa socialista de expropriação das grandes corporações e das fortunas acumuladas pelos capitalistas, e seu redirecionamento para atender aos interesses sociais.
Uma tomada de ação independente pela classe trabalhadora brasileira tem importância diretamente internacional. Vidas em todo o planeta estão em jogo, uma vez que novas variantes ainda mais mortais surgidas no Brasil inevitavelmente se propagarão através das fronteiras. Uma luta travada pelos trabalhadores no Brasil, por sua vez, será prontamente respondida por seus irmãos e irmãs do mundo todo.
A construção do Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) no Brasil como seção do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), a única força política mundial que representa este programa socialista internacionalista, é o passo mais decisivo para a vitória da classe trabalhadora.