Publicado originalmente em 27 de maio de 2021
Nas últimas duas semanas, o presidente fascistoide brasileiro Jair Bolsonaro intensificou seus preparativos para um golpe eleitoral, pressionando o Congresso a aprovar uma “emenda do voto impresso" à Constituição brasileira. Ele afirmou que esta é a única garantia contra o que ele descreve como fraude eleitoral maciça e recorrente, que impediria sua reeleição no próximo ano.
O índice de aprovação de Bolsonaro afundou para um mínimo histórico de 24%, e uma maioria de 49% dos brasileiros apoiam seu impeachment pela primeira vez, com a atenção do público voltada para os desenvolvimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Senado para investigar sua atuação mortífera diante da pandemia de COVID-19.
Com a ajuda de seu aliado próximo, o Presidente da Câmara, Arthur Lira, Bolsonaro conseguiu a que fosse criada e ocupada por deputados de extrema-direita fiéis ao seu governo uma comissão especial para discutir, e trazer para o centro do debate nacional, suas antigas e infundadas alegações contra o sistema de votação eletrônica brasileiro, em vigor há quase 20 anos. Ele afirma que o sistema foi manipulado para impedi-lo de vencer já no primeiro turno as eleições de 2018, nas quais ele venceu o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, no segundo turno. A comissão analisará e dará um parecer sobre uma emenda constitucional para anexar a cada urna eletrônica um sistema de impressão do voto para uma duplicação do seu registro. Bolsonaro alega que o sistema atual não permite recontagens e é propenso a fraudes eleitorais, uma acusação desmascarada por competições promovidas pelo Exército para encontrar brechas no sistema, e pelo próprio fato de que as eleições presidenciais de 2014 viram uma recontagem a pedido do segundo colocado, Aécio Neves.
Bolsonaro está seguindo uma estratégia cuidadosamente calculada. Depois de apoiar até a décima primeira hora as alegações de Donald Trump de que as eleições americanas de 2020 haviam sido roubadas pelos democratas, Bolsonaro endossou o putsch de 6 de janeiro no Capitólio dos EUA, declarando que o Brasil veria "um problema pior que o dos EUA" se sua emenda do voto impresso não fosse adotada. Em uma inegável indicação dos preparativos para tal golpe eleitoral no Brasil, o filho de Bolsonaro, Eduardo, deputado federal e ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, esteve presente em Washington para uma reunião preparatória para o golpe realizada no Trump International Hotel em 5 de janeiro.
Especialistas eleitorais vêem de forma praticamente unânime a impressão dos votos como tecnicamente irrelevantes para a segurança das eleições. Ela já foi aprovada quatro vezes pelo Congresso para uso em um número limitado de colégios eleitorais, sofrendo oposição por facilitar o rastreamento dos votos e, portanto, a intimidação política, comum tanto em áreas urbanas controladas pelo crime organizado quanto em áreas rurais dominadas por oligarquias fundiárias. A adoção do sistema é totalmente irrelevante para os planos Bolsonaro. Ele está apostando que o sistema será barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral, como já aconteceu antes, dando-lhe a oportunidade de alegar que o sistema judiciário é parte de uma conspiração contra ele. Bolsonaro agora adverte que se a emenda do voto impresso passar no Congresso e não for adotada, "não haverá eleições" e ele não deixará o poder.
Dois dias após a abertura da CPI da COVID-19 no Senado, em 13 de maio, Bolsonaro liderou um ato de milhares de apoiadores, patrocinado por associações ligadas ao agronegócio, no qual ele disse que somente a fraude poderia impedi-lo de vencer a eleição contra o ex-presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, que recentemente apareceu nas pesquisas como o líder para 2022. Numa tentativa de mobilizar os elementos mais atrasados e violentos da sociedade brasileira, Bolsonaro agora se refere a Lula com o desumanizador apelido de "nove dedos", zombando da mutilação de seu dedo em um acidente industrial quando ele era metalúrgico nos anos 70.
Bolsonaro apelou para que a multidão apoiasse um golpe, declarando que "O maior poder do Brasil não é o Legislativo, não é o Judiciário, nem o Executivo. O maior poder são vocês", acrescentando que "Pra onde vocês apontarem, nós seguiremos". No ato, Bolsonaro esteve lado a lado com seu Ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, que assumiu o cargo há dois meses, depois que Bolsonaro demitiu seu antecessor junto a todo o alto comando militar para obter o alinhamento total dos militares com seu governo.
Braga Netto fez um discurso no comício dizendo que o Exército estava "aqui para proteger os senhores, que os senhores possam produzir com segurança". A declaração se segue às ameaças de Bolsonaro de uso dos militares para destituir as autoridades locais e cancelar suas limitadas medidas de distanciamento social contra a pandemia de COVID-19. Enquanto Braga Netto falava, a multidão gritou "Eu autorizo", a palavra de ordem adotada pela base de extrema-direita de Bolsonaro indicando apoio a uma tomada do poder pelos militares.
As provocações de Bolsonaro se dão à sombra da investigação no Senado sobre sua resposta à COVID-19, que tem sido seguida por milhões de brasileiros indignados com o catastrófico preço cobrado pela pandemia. O Brasil tem o segundo maior número de mortes registradas no mundo, com mais de 450.000 vítimas. Neste momento, quase 2.000 brasileiros estão morrendo todos os dias. O país está caminhando de olhos fechados para uma terceira onda mortal com consequências imprevisíveis, com a taxa de transmissão, que indica o avanço do contágio, subindo para 1,12 após dois meses abaixo de 1,0. Na catástrofe econômica que se seguiu, a riqueza dos bilionários brasileiros disparou, enquanto 60% dos brasileiros enfrentam a insegurança alimentar, e mais de 20 milhões foram lançados na pobreza.
Bolsonaro está profundamente consciente de que as revelações da CPI estão alimentando o crescimento da oposição social de massas, apesar dos melhores esforços da oposição para confiná-la a questões relativamente burocráticas como o atraso na compra de vacinas da Pfizer oferecidas pela empresa em meados de 2020. A oposição, que controla a comissão, abandonou totalmente os esforços para investigar a política de imunidade de rebanho de Bolsonaro, que é compartilhada por todos os partidos representados no Congresso e nos governos.
Em uma operação de controle de danos, a CPI voltou seu foco principal para o General Eduardo Pazuello, que chefiou o Ministério da Saúde por quase um ano, de abril de 2020 a 15 de março de 2021. Ele foi demitido sob pressão do Congresso no auge da segunda onda da pandemia, quando o Brasil atingiu 4.000 mortes diárias. Pazuello havia sido nomeado depois que seus dois antecessores civis renunciaram em protesto contra a política de imunidade de rebanho de Bolsonaro. Ele é um general da ativa de três estrelas - a segunda maior patente do Exército brasileiro - que há mais de um ano resiste às exigências de passar para a reserva para resguardar a neutralidade política das Forças Armadas. Ele foi o único oficial da ativa a ocupar um cargo ministerial no governo Bolsonaro, apesar de um terço do ministério ser composto por militares aposentados, incluindo o próprio Bolsonaro, e mais de 6.000 oficiais ocuparem cargos inferiores e de gerência em empresas estatais.
A fim de evitar que as revelações da CPI atingissem o próprio Exército, o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues, insistiu que Pazuello se apresentasse com trajes civis.
Ele depôs na CPI por dois dias, em 19 e 20 de maio, quando foi questionado principalmente sobre a promoção de falsas curas como a hidroxicloroquina pelo governo, o atraso na compra de doses da vacina da Pfizer oferecidos em meados de 2020 e a inação do governo diante da catastrófica falta de oxigênio na cidade de Manaus que levou a um aumento de 41% nas mortes por COVID-19 na cidade. O colapso do sistema de saúde de Manaus pela segunda vez em menos de um ano, depois que os aliados de Bolsonaro declararam que a cidade havia atingido a "imunidade de rebanho", levou a uma indignação generalizada. A variante mais contagiosa P.1, que se acredita ter tido origem na segunda onda da pandemia na cidade, espalhou-se por toda a América do Sul, à medida que outros estados brasileiros se mobilizavam para transportar pacientes moribundos para fora de Manaus sem os preparativos adequados.
A resposta de Bolsonaro à exposição de seus crimes perante a CPI foi convidar Pazuello para mais uma manifestação do tipo "Eu autorizo" no Rio de Janeiro no domingo passado. A imprensa alinhada ao PT divulgou uma reportagem sem nenhum tipo de verificação, assinada pela comentarista política Denise Assis, dizendo que o alto comando do Exército havia se reunido no domingo para discutir a possível prisão de Pazuello por violação do código militar, que proíbe manifestações políticas. Ao mesmo tempo, um ex-presidente do Supremo Tribunal Militar disse à imprensa que se Pazuello não fosse punido, o resultado seria a "anarquia" nos quartéis. No entanto, o comandante do Exército, General Paulo Sérgio de Oliveira, permanece em silêncio.
Oliveira, nomeado por Bolsonaro após a demissão de todo o comando militar no final de março, havia sido saudado pelo PT e pela imprensa como "um opositor da imunidade do rebanho" e prova de que o Exército não havia se alinhado a Bolsonaro. Agora, ele enfrenta o dilema de despertar uma facção de extrema-direita do Exército se punir Pazuello, e assim precipitar a exposição da penetração de forças fascistoides no aparato estatal, apesar dos melhores esforços da imprensa e dos partidos burgueses para levar os trabalhadores a pensar o contrário. Tal resultado ameaçaria desencadear precisamente a erupção da oposição de massas que Bolsonaro está mobilizando a extrema-direita para suprimir, enquanto o Exército considera que ainda não está preparado para uma ditadura.
A responsabilidade pelos graves perigos enfrentados pelos trabalhadores brasileiros, e pela capacidade de Bolsonaro de tramar abertamente suas conspirações para se manter no poder através da anulando das eleições, recai diretamente sobre a auto-denominada oposição, liderada pelo PT. Seu principal objetivo é evitar que raiva profunda contra Bolsonaro seja voltada contra todo o capitalismo brasileiro. Quaisquer divergências que tal oposição manifeste em relação às políticas de Bolsonaro, ela procura enquadrá-las nos termos mais chauvinistas e pró-capitalistas possíveis, enquanto dirige seus apelos ao Exército. A CPI tem sido o principal exemplo desta política, transformando a discussão central sobre a escassez de vacinas, uma catástrofe global causada pelo sequestro criminoso de vacinas pelos países imperialistas e pelas políticas irracionais das elites dominantes em todo o mundo, em uma condenação da política externa de Bolsonaro como "antipatriótica", e que deveria ser revertida pelos militares.
A luta contra o consenso mortal em relação à imunidade de rebanho dentro da classe dominante, contra a desigualdade social e contra a ameaça de uma ditadura exige uma ruptura com o Estado capitalista e as forças que o promovem - incluindo o PT, os sindicatos e seus satélites pseudoesquerdistas - e a construção de uma direção socialista dentro da classe trabalhadora: uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.