No sábado, o Brasil viveu uma segunda jornada nacional de protestos massivos contra o governo do presidente fascistoide Jair Bolsonaro e sua resposta à pandemia da COVID-19. As manifestações foram ainda maiores do que as ocorridas no último 29 de maio, tendo desta vez reunido, segundo seus organizadores, 750 mil pessoas nas capitais de todos os estados e outras dezenas de cidades brasileiras, e em outros países.
O que levou centenas de milhares às ruas foi graficamente expresso pelo marco assombroso de 500 mil mortos pela COVID-19 atingido pelo Brasil também no sábado. O número impressionante de mortos pela pandemia no país é resultado de uma política consciente de assassinato social que continua em pleno desenvolvimento.
Desde o início de 2021, o Brasil passou por uma onda avassaladora de casos e mortes de COVID-19. Mais de 300 mil mortes e 10 milhões de casos foram registrados somente nos primeiros seis meses deste ano.
Tal explosão de contaminações foi impulsionada, primeiramente, pela adoção generalizada da política de reabertura total das atividades econômicas e das escolas em oposição às recomendações de especialistas da saúde pública e atendendo aos interesses da acumulação capitalista. Outro fator importante foi a disseminação da variante P1 mais contagiosa do coronavírus, surgida no Amazonas, ela mesmo um produto terrível das experiências da classe dominante com a imunidade de rebanho.
A expansão selvagem do coronavírus provocou a superlotação dos leitos hospitalares em todos os estados brasileiros, levando ao “maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil", segundo a instituição de saúde pública Fiocruz. Entre o final de março e o início de abril, o país atingiu médias de mais de 3.000 mortes diárias e recordes de até 4.200 mortes em um único dia.
As mortes em massa e as condições desumanas a que muitos pacientes foram submetidos –mortos à espera de um leito de UTI, ou sufocando pela falta de oxigênio medicinal – tiveram um forte impacto sobre a consciência de amplas camadas da população brasileira. Nos protestos de sábado, mais uma vez, muitos manifestantes portavam cartazes com os nomes de parentes e amigos que perderam para a COVID-19, mortes cuja a culpa eles atribuem diretamente à política homicida de Bolsonaro.
O descontrole da pandemia no Brasil impactou profundamente seus vizinhos na América do Sul. O Uruguai, por exemplo, na fronteira sul do Brasil, após uma primeira onda relativamente controlada em 2020, teve uma explosão de casos impulsionada pela variamente P1 e uma política de reabertura que levou o país em abril ao maior número de mortes diárias por habitante de toda o continente. Países como o Peru, Bolívia e Venezuela, na fronteira ao norte do Brasil, também viram o crescimento das infecções em decorrência da variante brasileira.
A Colômbia e o Paraguai, países que assim como o Brasil tiveram protestos de massas em oposição à condução desastrosa da pandemia por seus governos, estão enfrentando colapsos hospitalares que os médicos atribuem largamente às dificuldades de manejar a nova variante.
Após algumas semanas de diminuição das médias de casos e mortes, o Brasil vive um novo ascenso dos seus números. Este é um momento extremamente crítico do desenvolvimento da pandemia no país. Instituições como a Fiocruz e cientistas proeminentes afirmam que o país está entrando numa terceira onda da pandemia potencialmente mais devastadora.
Numa entrevista na última semana ao Globo, o neurocientista Miguel Nicolelis, que corretamente previra que o Brasil alcançaria médias superiores a 3.000 mortes diárias e ultrapassaria os 500 mil óbitos até julho, mais uma vez alertou que, caso não sejam tomadas imediatamente medidas rígidas de fechamento das atividades econômicas e controle efetivo do vírus, “Vamos passar os EUA e nos tornar o país com o maior número de mortes por COVID-19 no mundo, apesar de termos uma população menor”.
Descrevendo a situação atual do Brasil, Nicolelis apontou como fatores determinantes o “colapso hospitalar que não foi sanado”, as “múltiplas variantes do vírus entrando no país”, a evolução lenta das vacinações, e o relaxamento das medidas de isolamento, simbolizado grotescamente pela realização da Copa América de futebol no país.
Todos os elementos malignos da resposta política à pandemia que ocasionaram as 500 mil mortes no país e outras incontáveis mortes por todo o continente continuam a ser criminosamente implementados pela elite dominante brasileira.
O fascistoide Bolsonaro, com seus apelos sociopatas pela continuidade da economia independentemente de quantas mortes custar, expressa essa política de forma mais escancarada. Mas nenhum partido do establishment político oferece uma alternativa consistente às perspectivas sombrias antecipadas por Nicolelis e outros cientistas.
Isso foi demonstrado com o total fracasso no controle da pandemia pelos estados governados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ao contrário, eles continuam a impulsionar a reabertura insegura de atividades econômicas e escolas.
As manifestações de massas que ocorreram nas últimas semanas no Brasil expressam o crescimento de uma revolta social incontrolável no país. Em resposta, a autodeclarada oposição a Bolsonaro dentro do establishment está desesperadamente tentando desviar essa revolta de um choque com o sistema político capitalista.
A CPI instituída para investigar a condução da pandemia pelo governo está se esforçando para apresentar-se como um acerto de contas definitivo com os crimes cometidos pelo Estado brasileiro no último ano. Os principais membros da CPI publicaram uma nota em resposta à ultrapassagem das 500 mil mortes (e claramente respondendo à pressão dos protestos). Ela afirma: “Não chegamos a esse quadro devastador, desumano, por acaso. Há culpados e eles, no que depender da CPI, serão punidos exemplarmente”.
Ao mesmo tempo, o PT e seus aliados que convocaram as manifestações de 29 de maio e do último sábado estão lutando para direcionar politicamente esses protestos a apelos vazios ao Estado, subordinando-os a uma aliança política com as forças mais reacionárias da burguesia para substituir Bolsonaro.
Os protestos do último sábado foram marcados, além do aumento do número de manifestantes, pela intensificação dos esforços de seus líderes para transformá-los em palanques políticos voltados a preparar o terreno às eleições de 2022.
O ex-presidente Lula, que está sendo promovido como o principal candidato para enfrentar Bolsonaro nas próximas eleições, cogitou publicamente participar das manifestações. No entanto, numa manobra cênica, ele afastou-se para não transformar "um ato político em um ato eleitoral". Mas enviou para este fim o petista Fernando Haddad, que foi derrotado nas eleições presidenciais de 2018 para Bolsonaro.
O líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Guilherme Boulos, que está profundamente envolvido com as manobras eleitorais do PT e na articulação de uma aliança com forças política de direita contra Bolsonaro, também esteve presente e discursou no ato em São Paulo.
Além da presença do PT, com seus dirigentes e blocos embandeirados, as manifestações de sábado tiveram uma participação proeminente da CUT (controlada pelo PT) e demais centrais sindicais, que desta vez compuseram formalmente os atos.
A presença dos sindicatos foi uma resposta apreensiva ao crescimento de uma oposição política no seio da classe trabalhadora, o que essas organizações reacionárias subordinadas ao capitalismo buscam desesperadamente suprimir.
Isso foi exposto pelas manobras burocráticas dessas organizações para desmobilizaram os trabalhadores na véspera dos protestos. No 18 de junho, sexta-feira, as centrais sindicais convocaram um “dia nacional de mobilização nos locais de trabalho”. A “mobilização” foi uma fraude. Apesar dos imensos ataques enfrentados pelos trabalhadores, que impulsionaram lutas recentes em diferentes categorias, os sindicatos recusaram-se abertamente a defender uma greve neste dia.
O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, afirmou à Carta Capital que o “tema da greve é muito controverso”. Torres declarou “não ver condições para uma paralisação, por conta da pandemia, do alto desemprego e dos licenciamentos e suspensões de contratos”. Ou seja, os exatos motivos empurrando os trabalhadores à luta são os impeditivos para qualquer ação!
Os sindicatos estão continuando o que fizeram ao longo de toda a pandemia: colaborando para manter os locais de trabalho abertos, sabotando as greves e lutas dos trabalhadores, e forçando-os a continuar produzindo lucros para a classe capitalista independentemente dos perigos mortais colocados pela pandemia.
Esse papel reacionário combina-se aos esforços do PT, do PSOL e seus satélites da pseudoesquerda para impedir que a revolta social se desenvolva por um caminho capaz de enfrentar verdadeiramente a pandemia de COVID-19 e os problemas sociais da classe trabalhadora, o que implica enfrentar os interesses da classe capitalista e o seu Estado.
Tais forças políticas lutam para impedir que os trabalhadores brasileiros reconheçam a identidade de seus interesses e os dos seus companheiros pela América Latina e internacionalmente.
Uma resposta científica à pandemia de COVID-19 não pode ser efetiva dentro dos limites de um só país. Seja o combate ao vírus, que atravessa as fronteiras sem precisar de passaporte, como uma campanha efetiva para vacinar toda a população são questões essencialmente globais. Sua realização é impossível sem a abolição do sistema de Estados nacionais capitalista e da propriedade privada, e sem o avanço de políticas socialistas.
Essa tarefa política exige a mobilização independente da classe trabalhadora dirigida por um partido revolucionário socialista e internacionalista, uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).
Publicado originalmente em 21 de junho de 2021.