Publicado originalmente em 22 de junho de 2021
Oitenta anos atrás, em 22 de junho de 1941, as forças armadas alemãs invadiram a União Soviética, iniciando uma guerra que a humanidade nunca havia visto antes. Nessa guerra, a barbárie da Idade Média aliou-se à tecnologia mais moderna do século XX.
Anteriormente, haviam ocorrido guerras horríveis com milhões de vítimas. Os canhões da Primeira Guerra Mundial haviam sido silenciados apenas 23 anos antes. Os campos encharcados de sangue de Verdun e Marne, sobre os quais a flor da juventude alemã, francesa e britânica foi ceifada por metralhadoras, haviam sido considerados um monumento da barbárie humana.
Mas o ataque contra a União Soviética foi muito mais longe. Desde o início, foi planejado como uma guerra de aniquilação. Não foi apenas uma guerra por território, matérias-primas e mercados, mas também uma guerra movida pelo racismo e pela ideologia. A destruição do bolchevismo, o extermínio dos judeus e a criação de um “espaço vital” (Lebensraum) no Leste, que Hitler vinha proclamando há 20 anos, foi agora posta em prática.
“Ao contrário da crença de muitos no Ocidente, Hitler não cometeu o erro de ir para a guerra no Oriente”, escreveu o historiador Stephen Fritz em sua obra histórica Ostkrieg: Hitler’s War of Extermination in the East. “Para ele, a guerra ‘certa’ sempre foi aquela contra a União Soviética, pois para ele o destino da Alemanha estava dependente de alcançar o Lebensraum e resolver a ‘questão judaica’. Ambos, por sua vez, se baseavam na destruição da União Soviética. Qual desses objetivos era o mais importante? Dada a visão de Hitler, seria artificial tentar priorizá-los ou separá-los. Para ele, a guerra contra o judaísmo-bolchevismo e pelo Lebensraum era integral e de grande amplitude.”
Quando 3 milhões de soldados alemães, 600.000 veículos, 3.500 tanques, 7.000 peças de artilharia e 3.900 aeronaves invadiram a União Soviética às 3 da manhã, trouxeram consigo ordens e planos detalhados para exterminar fisicamente milhões de pessoas. A invasão foi acompanhada por quatro einsatzgruppen (unidades operacionais) cujos membros haviam sido cuidadosamente selecionados e treinados por Reinhard Heydrich, chefe da Agência de Segurança do Reich. A tarefa dessas unidades de 3.000 membros de “tropas de genocídio”, segundo Ian Kershaw, era matar imediatamente quaisquer comunistas, partisans, judeus e ciganos que fossem capturados.
“Os quatro Einsatzgruppen e seus ajudantes mataram mais de 500.000 judeus soviéticos nos primeiros seis meses da Operação Barbarossa, além de dezenas de milhares de partisans e prisioneiros de guerra soviéticos, nenhum dos quais teria sido possível sem a cooperação voluntária e ativa da Wehrmacht”, escreveu Fritz.
A cumplicidade ativa da Wehrmacht, as forças armadas da Alemanha nazista, no assassinato em massa, que foi negada no país por décadas e até mesmo em 1999 e levou à censura da exposição “Guerra de aniquilação. Crimes da Wehrmacht”, foi incontestavelmente documentado. Já em janeiro de 1941, Hitler estabeleceu como meta para um grupo selecionado de líderes da SS que a população eslava no Leste deveria ser reduzida em 30%. Todo o pessoal militar e teóricos racistas posteriormente traduziram “a vontade do Führer” em ordens precisas sobre quem deveria ser fuzilado e exterminado.
Os generais concordaram com esses planos e asseguraram que fossem executados. Durante a guerra, “os oficiais do exército até inauguraram uma troca de ideias e experiências entre os oficiais do exército e da SS”, de acordo com Fritz. “Como os acontecimentos no campo de batalha demonstraram, ordens criminosas vindas de cima e impulsos vingativos vindos de baixo criaram um clima de violência que eliminaria qualquer impedimento a assassinatos.”
Os professores alemães adornaram os planos assassinos com argumentos pseudocientíficos. Em junho de 1942, o Generalplan Ost (Plano Geral do Leste) foi publicado com base no trabalho de numerosos acadêmicos. Ele planejava o assassinato de milhões de eslavos para criar espaço para os colonos alemães. A Sociedade Alemã de Pesquisa (DFG), uma coalizão de renomados acadêmicos, já financiava estudos durante a República de Weimar que “afirmava uma superioridade geral da população alemã sobre os eslavos” e outros que “entendiam a pesquisa racial como uma ciência aplicada”.
Os planos operacionais da Operação Barbarossa, que foi o codinome da invasão da União Soviética, foram elaborados no decorrer de várias reuniões no início de 1941 entre o Gabinete do Chanceler, a SS, a Agência de Segurança do Reich e o Alto Comando da Wehrmacht. O objetivo que foi repetidamente formulado era destruir os “líderes e comissários bolcheviques”, os “intelectuais judeu-bolcheviques” e “a ideia socialista”.
Em 2 de maio, vários secretários de Estado e destacados líderes da Wehrmacht discutiram as consequências da Operação Barbarossa para a economia de guerra. De acordo com uma nota informativa, eles chegaram à conclusão de que “sem dúvida dezenas de milhões de pessoas morrerão de fome se tirarmos do país o que é necessário para nós”.
Em 13 de maio, Wilhelm Keitel, chefe do Alto Comando da Wehrmacht, emitiu a Ordem de Autorização Judiciária Militar. Ele ordenou que os crimes cometidos por civis contra a Wehrmacht não fossem mais julgados pelos tribunais, mas que o acusado pudesse ser imediatamente fuzilado sob as ordens de um oficial. Atos violentos de punição coletiva contra regiões inteiras também foram permitidos. Isso frequentemente resultava em mulheres e crianças (os homens estavam no front) sendo reunidos em grandes edifícios e alvejados com tiros de metralhadoras. Depois, os edifícios eram incendiados para que os sobreviventes remanescentes fossem queimados vivos.
Em 6 de junho, duas semanas antes da invasão, o Alto Comando, sob a direção do Tenente-General Alfred Jodl, emitiu a Ordem do Comissário. Ela exigia que os comissários políticos civis e militares fossem identificados e que as forças invasoras “em princípio, os eliminassem imediatamente com uma arma”. Somente por causa dessa ordem, há evidências de terem sido realizadas pelo menos 140.000 execuções, com estimativas que chegam a 600.000.
Isso mostra que, em 22 de junho, uma máquina de assassinato bem-preparada foi posta em marcha. As últimas inibições morais já haviam sido superadas na Polônia, onde a Wehrmacht havia invadido e desencadeado uma onda de violência dois anos antes. O território polonês também serviria mais tarde como o local para os notórios campos de morte. Mas antes de milhões de judeus de toda a Europa serem enviados às câmaras de gás em Auschwitz e Majdanek, as tropas alemãs já haviam massacrado centenas de milhares deles na União Soviética.
Um dos massacres mais conhecidos ocorreu em 29 e 30 de setembro de 1941, na ravina de Babi Yar, perto de Kiev, onde uma unidade de operações especiais matou 33.771 judeus, incluindo homens, mulheres e crianças da capital ucraniana em dois dias. Nos meses seguintes, mais 70.000 civis foram executados na mesma ravina.
O balanço da guerra de aniquilação foi horrível. Um total de 27 milhões de cidadãos soviéticos foram vítimas da guerra. Uma comissão organizada pelo Ministério da Defesa Soviético e pela Academia de Ciências Russa, que revisou esse número entre 1987 e 1991, elevou a quantidade de mortes para 37 milhões. Desses, apenas 8,6 milhões eram soldados e 27 a 28 milhões eram civis, muitos dos quais perderam suas vidas devido à fome e a condições de vida insuportáveis. O cerco de 28 meses da cidade de Leningrado, que a Wehrmacht intencionalmente deixou passar fome, tirou a vida de 470.000 pessoas.
Entre os numerosos crimes de guerra da Wehrmacht estava o assassinato de 3 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos. Em 8 de setembro, o Alto Comando emitiu uma ordem que colocou os soldados do Exército Vermelho além da proteção do direito internacional: “O soldado bolchevique perdeu qualquer direito a tratamento como um soldado honrado sob a Convenção de Genebra... O uso de armas contra os prisioneiros de guerra soviéticos é, em geral, legítimo”.
Cerca de 60% dos prisioneiros de guerra perderam suas vidas. Se não foram assassinados ou morreram de fome, foram levados para os campos de concentração, onde realizaram trabalhos forçados em condições desumanas para o esforço de guerra alemão.
O curso da guerra
Durante as primeiras semanas da guerra, a Wehrmacht avançou rapidamente para a União Soviética. Seus sucessos iniciais foram sobretudo graças à política criminosa de Stalin e da burocracia privilegiada, cujo regime ele personificou. Eles haviam sangrado a União Soviética e a deixaram totalmente despreparada.
No curso do Grande Terror, que custou a vida de quase toda a direção da Revolução de Outubro e de centenas de milhares de leais comunistas e intelectuais, Stalin também decapitou o Exército Vermelho. Dos 178.000 dirigentes do Exército Vermelho, 35.000 foram presos e alguns executados. Foram mortos duas vezes mais generais do que durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo comandantes militares notáveis como Tukhachevsky, Yakir, Gamarnik e Uborivitch, que ascenderam à liderança dentro do Exército Vermelho sob Trotsky durante a Guerra Civil.
Essa geração havia recebido um batismo de fogo durante a Guerra Civil, que “subitamente se elevou acima da massa, revelando talento para a organização e capacidade de liderança militar”, “temperou sua determinação em uma luta em larga escala” e posteriormente desfrutou de treinamento militar adicional, como Trotsky observou em 1934. “A teoria militar permitiu-lhes disciplinar suas mentes, mas não matou a ousadia que se instalou nas manobras impetuosas da guerra civil.” Eles foram substituídos por oficiais menos experientes que se caracterizavam acima de tudo por sua subserviência a Stalin.
Por sua vez, Stalin ficou totalmente surpreso com a invasão alemã, mesmo tendo sido avisado por suas próprias agências de inteligência e pelas do Ocidente. O espião comunista Richard Sorge até mesmo forneceu todo o plano de ataque do Japão, incluindo o cronograma. Mas Stalin ignorou todos os alertas e confiou no pacto de não-agressão, que ele havia acordado com Hitler em agosto de 1939. Ele estava convencido de que a Alemanha, que já estava em guerra com o Reino Unido, não arriscaria uma guerra em duas frentes. Após a invasão, Stalin desapareceu de cena por dias, deixando a União Soviética praticamente sem liderança.
Mas a Revolução de Outubro permaneceu viva na classe operária soviética. Stalin pode ter assassinado seus líderes, mas não destruiu suas conquistas: a propriedade estatal dos meios de produção e a economia planejada, que agora provaram ser imensas vantagens. A Wehrmacht logo percebeu que desta vez não estava lutando contra o exército de camponeses semi-servos recrutados à força, mas contra o exército motivado de um Estado operário, que, apesar do terror, não capitulou, e, em vez disso, desenvolveu uma notável energia e prontidão para o sacrifício.
Trotsky, que tinha construído o Exército Vermelho, também previu isso em 1934. Segundo ele, o combatente do Exército Vermelho era nitidamente diferente daquele do soldado czarista: “O culto da passividade e da capitulação submissa diante dos obstáculos foi suplantado pelo culto da audácia política e social e do americanismo tecnológico. ... Se a Revolução Russa, que continua recuando e avançando há quase trinta anos – desde 1905 – for forçada a direcionar seu curso para a guerra, ela desencadeará uma força fantástica e esmagadora.”
Embora a guerra tenha continuado por mais de três anos e meio e mais de 6 milhões de soldados tenham sido mortos ou gravemente feridos do lado alemão, já estava claro após as primeiras semanas que a Wehrmacht não tinha nenhuma chance de vitória. “Muito antes que as primeiras neves do inverno começassem a cair, no entanto, e mesmo antes das primeiras chuvas de outono interromperem a maior parte do movimento, na verdade, já no verão de 1941, era evidente que Operação Barbarossa era um exercício esgotado, inevitavelmente condenado ao fracasso”, escreveu o historiador militar David Stahel.
No setor de produção de armas, que foi tão decisivo para a guerra, a economia planejada soviética provou ser muito superior à economia alemã baseada na propriedade privada. Em 1941, a indústria alemã produziu 5.200 tanques, 11.776 aviões e 7.000 armas de artilharia com mais de 7 milímetros. Na primeira metade de 1941, a economia soviética fabricou apenas 1.800 tanques, 3.900 aviões e 15.600 peças de artilharia. Mas durante o segundo semestre do ano, aumentou a produção de armas, apesar da mudança de fábricas inteiras para o Leste e da destruição causada pela guerra, para 4.740 tanques, 8.000 aeronaves e 55.500 peças de artilharia. Em 1942, a Alemanha fabricou 15.409 aeronaves, enquanto a União Soviética produziu 25.436. Enquanto a Alemanha produziu 9.200 tanques, a União Soviética fabricou 24.446.
Apesar da degeneração stalinista, a União Soviética, que emergiu da Revolução de Outubro, serviu como uma barreira decisiva contra o mergulho da humanidade na barbárie. Os historiadores sérios não deixam dúvidas sobre o que teria significado uma vitória de Hitler.
Stahel observou: “A importância da nova guerra de Hitler no Leste foi entendida por todos os lados na época como o momento definitivo nas futuras conquistas da guerra mundial em expansão. Ou Hitler logo ficaria quase intocável à frente de um enorme império, ou sua maior campanha fracassaria (algo que nenhum governo na época acreditava ser provável), resultando no perigoso cerco dos Aliados que Hitler pretendia eliminar para sempre. Portanto, não é um exagero dizer que a invasão alemã da União Soviética representa uma extraordinária virada nos assuntos mundiais, central não apenas em nossa compreensão da Segunda Guerra Mundial, mas, na verdade, como um dos eventos mais profundos da história moderna.”
As origens da guerra
Após a derrota da Alemanha, ninguém quis assumir a responsabilidade na Alemanha pela guerra de aniquilação. Havia apenas vítimas e pessoas seguindo ordens – sem perpetradores. Hitler foi o culpado de tudo. A Segunda Guerra Mundial foi “a guerra de Hitler”.
Adolf Hitler, que se suicidou pouco antes da capitulação incondicional da Wehrmacht, possuía poderes extraordinários e estava pessoalmente envolvido em todas as grandes decisões políticas e militares. Apesar disso, ele estava meramente fornecendo um produto exigido pela sociedade capitalista. A resposta à questão de como este artista austríaco fracassado e veterano de guerra amargurado conseguiu chegar à posição de “Führer” da Alemanha leva inevitavelmente à conclusão de que ele tinha poderosos apoiadores nas elites empresarial, política, militar, aristocrática, cultural e universitária.
Um de seus promotores mais conhecidos nos primeiros anos foi o general Erich Ludendorff, o segundo no comando do exército durante a Primeira Guerra Mundial, que foi também um dos líderes da tentativa de golpe de 1923 em Munique com Hitler. Outros incluíam os industriais Fritz Thyssen e Erich Kirndorf, o príncipe herdeiro Wilhelm da Prússia e a viúva do compositor Richard Wagner, Cosima. O império midiático do industrial nacionalista alemão Alfred Hugenberg, que foi ministro da economia no primeiro gabinete de Hitler, desempenhou um papel importante em sua ascensão. Em janeiro de 1932, uma aparição de Hitler no clube dos industriais de Düsseldorf lhe garantiu o apoio político e financeiro dos círculos mais importantes das grandes empresas.
Hitler não teve que tomar o poder através da violência; isso lhe foi oferecido em uma bandeja de prata. Na época da ascensão de Hitler ao poder, os nazistas estavam em uma profunda crise política e financeira. Na eleição para o Reichstag de novembro de 1932, o partido recebeu apenas 33% dos votos – 4% a menos do que em julho e 4% a menos do que os dois grandes partidos operários– o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Comunista (KPD). Hitler chegou até a pensar em se suicidar.
A decisão de nomear Hitler como chanceler em janeiro de 1933 foi finalmente tomada por um pequeno círculo de conspiradores representando os interesses do Estado e das grandes empresas em torno do idoso presidente Paul von Hindenburg. Dois meses depois, com o Partido Comunista banido e os campos de concentração se enchendo, todos os partidos burgueses votaram a favor da Lei de Concessão de Plenos Poderes, fazendo de Hitler um ditador.
Durante a guerra, Hitler então encontrou milhares de assistentes dispostos no corpo de oficiais que cumpriram suas ordens assassinas, entre autoridades do Estado, que aterrorizaram a população e escolheram os judeus para o extermínio, na indústria, o que aumentou seus lucros através da produção de guerra e do trabalho forçado, entre professores, que deram à teoria racial e à justiça arbitrária a aparência científica, e muito mais.
A guerra de aniquilação não surgiu da “vontade do Führer”, que inquestionavelmente desejava a guerra. As elites dominantes promoveram Hitler e o colocaram à frente do Estado porque queriam e precisavam da guerra. Havia profundas causas objetivas nas insolúveis contradições do sistema capitalista.
Leon Trotsky, que compreendeu o perigo do fascismo e da guerra mais do que ninguém e mobilizou a classe trabalhadora em oposição a eles, escreveu um ano antes da invasão da União Soviética: “A única característica do fascismo que não é falsificada é sua vontade de poder, dominação e saque. O fascismo é uma destilação quimicamente pura da cultura do imperialismo... Esse epiléptico alemão com uma máquina de calcular em seu crânio e um poder ilimitado em suas mãos não caiu do céu nem saiu do inferno: ele não é nada além da personificação de todas as forças destrutivas do imperialismo. Assim como Genghis Khan e Tamerlão apareceram aos povos pastorais mais fracos como flagelos destruidores de Deus, enquanto na realidade eles não fizeram nada além de expressar a necessidade de todas as tribos pastorais por mais terras de pasto e o saque de áreas povoadas, assim Hitler, balançando as antigas potências coloniais em suas fundações, não faz nada além de dar uma expressão mais acabada à vontade imperialista de poder. Através de Hitler, o capitalismo mundial, levado ao desespero por seu próprio impasse, começou a apunhalar uma adaga afiada em suas próprias entranhas.”
Já durante a Primeira Guerra Mundial, o imperialismo alemão procurou subordinar a Europa a seus interesses, e fracassou. Agora tentava fazer isso pela segunda vez.
A Primeira Guerra Mundial foi uma guerra imperialista na qual todas as grandes potências lutaram pela redivisão do mundo e a subordinação da economia mundial a sua hegemonia. O imperialismo alemão desempenhou um papel especialmente agressivo, porque o capitalismo se desenvolveu tardiamente devido ao atraso da revolução burguesa, mas graças à tecnologia moderna desfrutou de um tremendo dinamismo. Confinado à Europa Central, confrontado com as potências coloniais britânica e francesa, e um rival americano ainda mais potente, só podia se elevar para se tornar o poder dominante da Europa e garantir o acesso às matérias-primas e aos mercados pelos meios mais violentos possíveis.
A Alemanha perdeu a guerra. Enfraquecida e fortemente endividada devido ao Tratado de Versalhes e abalada pelas lutas de classe, todos os problemas que conduziram o imperialismo alemão à Primeira Guerra Mundial se colocaram com uma nova nitidez. Além disso, no Leste, a principal área de expansão imperialista alemã, existia agora um Estado operário que serviu de inspiração revolucionária para os trabalhadores na Alemanha.
A única saída desse beco sem saída aberto ao imperialismo alemão era o uso de métodos que eram mais brutais e bárbaros do que qualquer outra coisa jamais vista antes. A “destruição do bolchevismo”, a garantia do “espaço vital” no Leste e o estabelecimento da hegemonia alemã sobre a Europa exigiam a concentração do poder estatal nas mãos de um único indivíduo, a subordinação de todos os recursos do país à produção de guerra, a destruição do movimento operário organizado e uma guerra que não visava a capitulação, mas a exterminação do inimigo.
Os nazistas tinham o máximo a oferecer para atender a essa demanda da sociedade. Os líderes do Estado, das empresas e dos militares não apoiaram Hitler porque estavam ideologicamente deslumbrados, mas porque precisavam dele para atingir seus objetivos.
Eles só tiveram sucesso devido à traição abismal e ao fracasso dos líderes operários. O SPD se recusou firmemente a mobilizar seus membros contra os nazistas. Eles confiaram no Estado e apoiaram todas as medidas ditatoriais – desde os decretos de emergência de Brüning e a eleição de Hindenburg como presidente – que abriram o caminho para Hitler chegar ao poder. A liderança do KPD, que estava sob a influência de Stalin, escondeu sua passividade e covardia atrás de frases radicais de esquerda. Eles se recusaram firmemente a lutar por uma frente única antifascista com o SPD, como Leon Trotsky e a Oposição de Esquerda defenderam, e denunciaram os operários do SPD como “social-fascistas”, que não eram diferentes dos nazistas.
Os Estados Unidos, o Reino Unido e os outros opositores capitalistas da Alemanha na Segunda Guerra Mundial também lutaram por seus interesses imperialistas, e não “contra o fascismo” e “pela democracia”. Somente a União Soviética lutou por sua própria sobrevivência. Uma vitória alemã teria significado a destruição do Estado operário e sua transformação em uma colônia de escravos.
Enquanto o regime de Hitler foi dirigido principalmente contra a classe operária alemã e a União Soviética, ele desfrutou de considerável apoio internacional. Entre os admiradores de Hitler estava o industrial americano Henry Ford, o rei britânico Edward VIII e sua esposa americana Wallis Simpson. Após a abdicação de Edward, o casal visitou Hitler em seu Berghof. Durante o governo da Frente Popular de 1936, a burguesia francesa até avançou o slogan “Melhor Hitler que Blum” (Léon Blum foi primeiro-ministro da Frente Popular). A rápida vitória da Alemanha sobre a França foi mais um produto do derrotismo dos generais franceses do que da superioridade técnica das armas da Wehrmacht. O regime de Vichy sob o Marechal Pétain chegou imediatamente a um entendimento com Hitler.
Mas os imperialismos americano e britânico não podiam apenas assistir enquanto a Alemanha ascendia para se tornar a governante do Atlântico aos Urais. Em aliança com o Japão, ela teria se tornado um opositor mortal do imperialismo americano. Isso levou à intervenção dos Estados Unidos na guerra contra Hitler, que só ocorreu depois que a Alemanha já estava na defensiva na batalha de Stalingrado.
A ameaça de uma terceira guerra mundial
As lições da guerra de aniquilação contra a União Soviética são de enorme relevância para os dias de hoje. As mesmas contradições do capitalismo mundial – a incompatibilidade do Estado-nação capitalista e a propriedade privada dos meios de produção com o caráter social e internacional da produção moderna – ameaçam mergulhar o mundo no inferno de uma terceira guerra mundial.
O centro dos preparativos para a guerra são os Estados Unidos, que gastarão US$ 753 bilhões em suas forças armadas no próximo ano orçamentário, mais do que os 10 países seguintes juntos. Cerca de US$ 25 bilhões são dedicados às armas nucleares e US$ 112 bilhões à pesquisa e desenvolvimento de novos sistemas de armamento.
Os EUA emergiram como o verdadeiro vencedor da Segunda Guerra Mundial e seu poder econômico – com a supressão das lutas revolucionárias pela burocracia stalinista e pelos partidos socialdemocratas – permitiu-lhe estabilizar temporariamente o capitalismo europeu.
Mas o peso dos EUA na economia mundial diminuiu consistentemente desde então, e Washington está tentando compensar este declínio através da força militar. Os EUA vêm travando uma guerra quase ininterrupta há 30 anos. No Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, eles, com seus aliados, têm destruído sociedades inteiras.
A máquina de guerra dos EUA tem agora como alvo a China, que é definida oficialmente como um “rival sistêmico”. Os EUA querem impedir a todo custo que a China a ultrapasse economicamente e se eleve para se tornar uma potência mundial. Os estrategistas americanos consideram agora que uma guerra com a China é inevitável.
O imperialismo alemão não aceitou suas derrotas nas duas guerras mundiais. O governo alemão está tentando alcançar o objetivo oficial de expandir a Europa para que se torne uma potência mundial política e militar capaz de enfrentar tanto a China quanto os Estados Unidos. Isso está intensificando os conflitos dentro da Europa, especialmente com a França, que é rival da Alemanha pela hegemonia dentro da União Europeia.
A Alemanha aumentou seus gastos militares de € 32 bilhões em 2014 para € 53 bilhões, e isso é só o começo. Um documento de estratégia do Ministério da Defesa de 9 de fevereiro afirma que a Alemanha tem “uma obrigação especial para a segurança da Europa devido a sua posição geográfica no centro da Europa e seu poder econômico”, e deve fazer uma contribuição adequada “também em assuntos militares”.
Um componente central do renascimento do militarismo alemão é a minimização e revisão histórica da guerra de aniquilação.
A Alternativa para a Alemanha (AfD) possui assentos no parlamento, descreve o regime nazista como mero “cocô de pássaro” em mais de 1.000 anos de história bem-sucedida da Alemanha” e é abraçada por todos os outros partidos do establishment.
O historiador de Berlim Jörg Baberowski declarou publicamente já em 2014 que Hitler “não era um psicopata” e “não era cruel”. Um ano depois, ele afirmou que a guerra de aniquilação foi imposta à Wehrmacht. Os soldados da Wehrmacht na frente oriental estavam “envolvidos em uma guerra assassina de partisans”. Eles não tinham “outra opção” senão “adaptar-se ao estilo de combate dos partisans”. Ele continuou: “A guerra tornou-se independente, libertou-se dos objetivos originais que eram o pretexto para o conflito”. Numerosas citações semelhantes podem ser encontradas nos trabalhos do professor de extrema-direita.
Quando a seção alemã do Comitê Internacional da Quarta Internacional, o Sozialistische Gleichheitspartei (Partido Socialista pela Igualdade), e sua organização de juventude (IYSSE) criticaram essas e outras declarações semelhantes, dando voz à oposição generalizada da população contra o retorno do fascismo e do militarismo, a mídia e o establishment político defenderam o professor de extrema-direita.
Uma terceira guerra mundial significaria o fim da civilização humana. Mas nem um único partido do establishment se opõe ao impulso à guerra. Como a situação anterior à Primeira e Segunda Guerras Mundiais, eles estão se alinhando ainda mais por trás dos belicistas à medida que as divisões inter-imperialistas se aprofundam. O chamado movimento de paz entrou em colapso total. O Partido Verde alemão, que emergiu desse movimento há muito tempo, se tornou o belicista mais repugnante. Oitenta anos após a invasão da União Soviética, ele está liderando a agitação de guerra contra a Rússia.
Um novo mergulho na barbárie só pode ser evitado pela classe trabalhadora internacional, que deve ligar a luta contra o militarismo e a guerra com sua fonte no sistema capitalista, e assumir a luta por um programa socialista. Esta é a perspectiva do Comitê Internacional da Quarta Internacional e de suas seções, os partidos Socialistas pela Igualdade.