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ISO encobre papel do PT na vitória de Bolsonaro

(updated )

Faz menos de uma semana desde a eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, em que o demagogo fascistoide ex-capitão do exército obteve 55% dos votos, contra 45% do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) Fernando Haddad. Em uma eleição marcada por uma hostilidade esmagadora ao establishment político no Brasil, um recorde de um terço dos eleitores ou se abstiveram ou votaram nulo.

Um período como este foi o suficiente para expor a falência da pseudoesquerda brasileira, que por unanimidade apoiou o PT e fez campanha por sua vitória, adotando variações da fórmula absurda de “votar em Haddad sem dar apoio político ao PT”. Como mostram as declarações pós-eleitorais da miríade de correntes morenistas e pablistas que operam dentro dos sindicatos e universidades brasileiras e entre os vários movimentos políticos de identidade da classe média alta, sua guinada à direita no segundo turno não foi um movimento episódico. Ao contrário, esse movimento continua após a vitória de Bolsonaro.

Reconhecendo espíritos políticos semelhantes, a Organização Socialista Internacional (ISO, na sigla em inglês) nos EUA solidarizou-se com essas forças, apresentando uma explicação falsa e reacionária para o resultado das eleições no Brasil. O site Socialist Worker da ISO publicou um artigo de 30 de outubro intitulado “Como um monstro chegou ao poder no Brasil”. Foi escrito por Todd Chretien, baseado em discussões com elementos pseudoesquerdistas dentro do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), a cisão parlamentar do PT que ofereceu seu apoio incondicional ao Partido dos Trabalhadores no segundo turno.

A escolha do título é reveladora. Bolsonaro é um “monstro”, presumivelmente tendo descido do espaço sideral ao Brasil ou escapado do laboratório de algum cientista louco, ao invés de ser o produto da desintegração da ordem “democrática” pós-ditadura brasileira, sob o impacto da espantosa desigualdade social, da profunda crise econômica e da corrupção em massa de todos os principais partidos, entre eles o PT.

Chretien apresenta uma história resumida dos recentes desenvolvimentos políticos no Brasil, descrevendo Bolsonaro como tendo surgido “das margens da franja extremista do Brasil”. Ele acrescenta que “o único homem que poderia ter vencido plausivelmente Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do PT, está preso sob acusações forjadas de corrupção por promotores e partidos políticos que estão entre os mais corruptos do mundo. Quando Lula propôs concorrer à presidência da prisão, a Suprema Corte o impediu de fazê-lo.”

Bolsonaro não surgiu da “franja extremista”. Ele foi antes deputado federal por sete mandatos e membro de longa data da coalizão governista do PT no Congresso brasileiro, um dos muitos políticos e partidos de direita com os quais o PT se aliou.

Quanto a Lula, foi-lhe negado o direito de concorrer às eleições sob a lei da Ficha Limpa que ele mesmo decretou como parte de uma tentativa de desviar as críticas de direita ao PT após uma série de escândalos de corrupção. Se ele teria derrotado Bolsonaro está longe de ser certo. O próprio PT deixou de mencionar o ex-presidente no segundo turno da eleição, em meio a pesquisas que indicavam que a maioria da população brasileira acreditava que ele deveria estar na cadeia.

O relato distorcido da eleição brasileira apresentado por Chretien e os amigos da ISO na pseudoesquerda brasileira visa negar a essência da eleição, que foi um referendo sobre todo o sistema político brasileiro que tem sido dominado pelo PT desde 2003.

O PT sofreu suas piores derrotas nas regiões historicamente de esquerda do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo - as mais afetadas pela queda na atividade industrial decorrente da crise. As políticas reacionárias de austeridade do PT deram a Bolsonaro e à extrema-direita a oportunidade de se apresentar como a única oposição aos responsáveis pela crise, principalmente o PT.

Negando o ódio da classe trabalhadora que existe pelo PT, Chretien e os pseudoesquerdistas brasileiros apresentam o voto para Bolsonaro como o resultado de um movimento fascista de massa no Brasil, concentrado particularmente na classe trabalhadora, que caluniam como fanática e movida por preconceitos religiosos.

Agora estas correntes têm, uma após a outra, divulgado declarações anunciando que apoiarão as agendas políticas da “Frente Brasil Popular”, controlada pelo PT e formada por sindicatos e aliados do PT, e sua cobertura de esquerda, a “Frente Povo Sem Medo”, da qual o PT formalmente não participa como um trunfo. Esta última frente é liderada pelo candidato presidencial do PSOL e pelo protegido político de Lula, Guilherme Boulos.

Essas frentes serão ampliadas para “todas as forças democráticas” - incluindo, se possível, a ala direita que o PT cortejou durante a campanha de segundo turno, bem como os comandantes militares “constitucionalistas” que o PT elogiou e setores da imprensa burguesa, que estão cada vez mais nervosas com a maneira que Bolsonaro se comunica, que, como Trump, está baseada no Twitter.

Uma das mais reveladoras proclamações de apoio a essa proposta de “frente única” da pseudoesquerda com o PT e outras seções “democráticas” da burguesia e o aparato estatal brasileiro foi emitida pela tendência Resistência, que Chretien tem promovido publicando sua declaração no Socialist Worker e entrevistando seus membros.

A Resistência é uma corrente morenista que rompeu com o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o principal grupo morenista do Brasil. O racha foi o resultado de fortes pressões de classe das camadas pequeno-burguesas que gravitavam de volta para o PT enquanto sua crise se desenrolava, e ocorreu após o impeachment de Rousseff que o PSTU havia apoiado.

A declaração da Resistência é apenas a expressão mais acabada da febre pró-PT que assola a pseudoesquerda brasileira, que se aproximou do partido justamente por ter sido abandonada por sua antiga base de trabalhadores nas regiões industriais mais antigas do país, mais significativamente nas cidades industriais do ABC de São Paulo, onde foi fundada em 1980 após as greves maciças que levaram à queda da ditadura militar de 21 anos apoiada pelos EUA.

A declaração começa por parafrasear a linha política do PT de que as eleições não foram “democráticas, manchadas pelo impedimento de Lula” de concorrer e manipuladas por “um esquema criminoso de canalizar fundos não declarados para pagar a disseminação massiva de notícias falsas nas eleições”.

Deve-se notar que o PSOL, o partido dentro do qual a Resistência opera, exigiu “democracia” ao apelar ao Estado brasileiro em nome do combate às “fake news” para desativar o WhatsApp, a plataforma de rede social mais utilizada no Brasil e que foi fundamental na organização da greve maciça de caminhoneiros no início deste ano e outras ações de greve e protesto.

A declaração sugere fortemente que as eleições e a vitória de Bolsonaro representaram uma violação grosseira de uma democracia brasileira saudável que poderia ter sido mantida se apenas Lula, que presidiu os esquemas de compra de votos no Congresso e a operação de corrupção maciça centrada na gigante petrolífera estatal Petrobras, estivesse livre. Naturalmente, nenhuma menção é feita ao fato de Lula ter sido durante muito tempo o principal beneficiário de doações corporativas por parte de bancos, incluindo grandes fundos não declarados nas eleições de 2014, antes que o financiamento corporativo fosse proibido.

O PT governou durante anos para que os lucros bancários atingissem recordes e assistiu a um número recorde de greves, ao crescimento sem precedentes da desigualdade social, a população carcerária do país dobrar com base numa “guerra contra as drogas” iniciada em 2006, à infiltração governamental das manifestações e aos despejos e à militarização generalizada do policiamento para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas. Isto é o que se diz aos trabalhadores para considerarem a “democracia” brasileira - e para cerrar fileiras em torno da defesa de Lula. Aqueles que discordam são iludidos pelas “fake news” da campanha de Bolsonaro.

De maneira reveladora, a declaração passa então a promover uma “Frente Única” a ser construída com “toda a esquerda - o PT, PSOL, PCdoB, PCB, PSTU, etc.”. [ênfase acrescentada]. Este etc. - casualmente inserido - tem o objetivo de ocultar os verdadeiros aliados procurados pelo PT, ou seja, os representantes políticos e econômicos das grandes empresas brasileiras e internacionais que o Partido dos Trabalhadores procurará conquistar, promovendo-se como um guardião mais confiável dos interesses de lucro do que Bolsonaro.

Enraizando-se firmemente na política de identidade, a declaração prossegue, “A construção desta frente única deve tomar como ponto de partida o movimento de mulheres que se uniram contra Bolsonaro [#EleNão], colocando mais de 1 milhão de pessoas nas ruas em 29 de setembro, e o movimento de rua espontâneo liderado por dezenas de milhares de ativistas no segundo turno das eleições”.

Quanto ao caráter de classe dos protestos #EleNão, a Resistência é silenciosa. Um perfil dos manifestantes da Universidade de São Paulo concluiu que 86% deles estavam cursando ou tinham um diploma de ensino superior, um indicador importante de composição de classe em um país onde 52% dos adultos não completaram o ensino médio. 57% dos manifestantes tinham uma renda mensal de mais de 4.770 reais (o equivalente a cinco salários-mínimos), sendo que os 10% mais ricos possuem mais de 5.214 reais.

Enquanto as manifestações de 29 de setembro certamente atraíram camadas mais amplas do que as esperadas por sua liderança feminista, é ainda mais do que certo de que foram ignoradas pelos trabalhadores, incluindo as trabalhadoras. Candidatas mulheres de direita, incluindo a magnata do agronegócio Kátia Abreu e Marina Silva, a ex-ministra do meio ambiente do PT que é politicamente patrocinada pelo herdeiro do maior banco privado do Brasil, o Itaú, foram saudadas na manifestação.

A orientação é clara. A oposição a Bolsonaro deve ser baseada não nas lutas da classe trabalhadora brasileira, mas sim nas camadas privilegiadas da classe média, centrada na política de identidade e subordinada ao capital brasileiro e internacional.

O artigo no Socialist Worker a conclui com uma declaração de um líder da Resistência do Rio de Janeiro, que diz à ISO: “Assim como vocês nos EUA precisam da solidariedade internacional em sua luta contra Trump, seu apoio ao nosso lado será decisivo para o futuro da luta de classes no Brasil”.

A “batalha da ISO contra Trump” está inteiramente subordinada ao Partido Democrata, focada na política de identidade de direita da campanha #MeToo e alinhada com as diferenças dos Democratas e seus aliados no Departamento de Estado e da CIA em relação a Trump sobre a política externa, particularmente sobre a demanda por uma política mais agressiva contra a Rússia e a Síria. A ISO procurou legitimar a intervenção imperialista na Síria, promovendo a ficção de uma “revolução democrática síria” armada e financiada pela CIA.

Que a ISO e a Resistência se reconheçam como aliadas internacionais só ressalta o papel reacionário desempenhado por ambas as organizações em seus respectivos países. Nenhuma delas tem nada a ver com o marxismo, e sua retórica socialista é meramente uma cobertura para a política burguesa e imperialista. As políticas de ambas as organizações expressam os interesses não dos trabalhadores, mas de camadas privilegiadas da pequena burguesia e são dirigidas, em última análise, a desviar e reprimir o desenvolvimento de um movimento revolucionário independente da classe trabalhadora.

A eleição de Bolsonaro no Brasil ressalta os graves perigos que a classe trabalhadora brasileira e internacional enfrenta. Eles não podem ser respondidos pela subordinação dos trabalhadores a alguma “frente democrática” dominada pelo PT e outros partidos da classe dominante.

Os socialistas genuínos devem deixar claro à classe trabalhadora brasileira que o “monstro” Bolsonaro não caiu do céu nem se ergueu do inferno, mas é o produto da crise subjacente do capitalismo brasileiro e da quebra da ordem política burguesa existente, com o PT em seu centro. A luta pela mobilização revolucionária independente da classe trabalhadora no Brasil só pode começar com uma ruptura irreconciliável com o Partido dos Trabalhadores e todas as organizações pseudoesquerdistas que orbitam e promovem o PT.

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