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Perspectivas

A vitória de Bolsonaro e o colapso do Partido dos Trabalhadores

A vitória de Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial brasileira no último domingo representa uma séria ameaça à classe trabalhadora no Brasil e em toda a América Latina. Ex-capitão do exército e deputado federal pelo Rio de Janeiro por sete mandatos consecutivos, Bolsonaro é um bufão fascistoide.

Tendo obtido 55% dos votos válidos – contra 44% de seu adversário, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad –, Bolsonaro já começou a montar o que será, sem dúvida, o governo brasileiro mais direitista desde o fim da ditadura militar apoiada pelos EUA.

O que mais chama a atenção no novo governo é o papel predominante assumido por altos oficiais do exército brasileiro. Seu vice-presidente será o general de direita, Hamilton Mourão, que se aposentou apenas no ano passado depois de declarar publicamente seu apoio a uma “intervenção militar” para garantir “a lei e a ordem”. No dia da eleição, foi anunciado que o general da reserva Augusto Heleno será o novo ministro da Defesa, uma coisa que rompe com a prática inaugurada após o fim da ditadura militar de nomear civis para assumir esse ministério.

Heleno é uma das lideranças do chamado “grupo de Brasília”, que reúne altos oficiais militares e foi um dos pilares da campanha presidencial de Bolsonaro. Um dia depois da eleição, o grupo enviou uma lista com 25 nomes para o coordenador da equipe de transição de governo de Bolsonaro, que, se aceita, formará a metade da equipe e será responsável por importantes áreas, como saúde, trabalho, justiça e defesa.

Ao longo de toda a sua carreira política, incluindo em uma entrevista na televisão na terça-feira passada, Bolsonaro insistiu que o regime militar brasileiro, responsável por assassinar, torturar e prender dezenas de milhares de trabalhadores, camponeses, estudantes e ativistas de esquerda, não foi uma ditadura.

Em 1999, ele disse em uma entrevista de televisão que se assumisse a presidência daria um golpe no mesmo dia e fecharia o Congresso, completando que o país só será transformado “quando partirmos para uma guerra civil, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil.” Em um discurso uma semana antes do segundo turno para milhares de manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo, ele disse que seus adversários políticos, descritos como “marginais vermelhos”, teriam que escolher entre a prisão e o exílio.

Um gesto emblemático empregado por Bolsonaro durante toda a sua campanha, e seguido por seus apoiadores, imitava uma arma com a mão, uma referência ao seu apoio a execuções sumárias de suspeitos criminais. Em um país onde policiais mataram mais de 5 mil pessoas no ano passado – cinco vezes mais do que nos Estados Unidos –, sem contar os muito mais mortos por esquadrões da morte, ele quer que as mortes causadas por policiais sejam consideradas em legítima defesa, o que daria a Polícia Militar brasileira uma licença para matar.

As forças de segurança e os setores reacionários do judiciário estão recebendo com clareza a mensagem enviada por Bolsonaro e pelos militares que o cercam. Dias antes do segundo turno, a PM, atuando sob as ordens de juízes eleitorais, invadiu 17 universidades em todo o país, tirando faixas e cartazes que expressavam oposição ao fascismo e apoio à democracia, confiscando panfletos e interrompendo uma aula pública sobre a história do fascismo. Todas as ações da PM aconteceram sob o pretexto de que campanhas político-partidárias estavam sendo realizadas de maneira ilegal contra Bolsonaro.

Como é possível que uma figura como Bolsonaro tenha sido eleita para a presidência do maior país da América Latina, com uma população de quase 210 milhões, e a oitava maior economia do mundo?

Sua eleição é o resultado da degeneração profunda, sob o impacto de enorme crise econômica e de tensões sociais em ebulição, da ordem democrática burguesa estabelecida 30 anos atrás, quando foi adotada a primeira constituição depois do fim da ditadura militar, em 1988. O processo de transição da ditadura militar para o governo civil foi realizado por seus elaboradores de maneira “lenta, gradual e segura”. A abertura política assegurou tanto uma anistia geral aos assassinos e torturadores do exército brasileiro quanto a defesa da propriedade e dos lucros dos capitalistas que apoiaram a ditadura militar.

Um papel central nessa transição foi desempenhado pelo Partido dos Trabalhadores, que serviu para desviar as massivas greves e a militância revolucionária da classe trabalhadora brasileira, que abalaram a ditadura no final da década de 1970, de volta ao domínio do estado burguês.

Crucial para a formação deste partido foram as atividades políticas de grupos que romperam com o movimento trotskista, o Comitê Internacional da Quarta Internacional, e rejeitaram o papel revolucionário da classe trabalhadora. Alguns deles haviam anteriormente promovido o castrismo e a teoria pequeno-burguesa de guerra de guerrilha como um substituto para o desenvolvimento de um movimento socialista revolucionário das massas trabalhadoras, com consequências desastrosas em toda a América Latina. Na fundação do PT, esses grupos chegaram à conclusão de que um partido reformista burguês ligado aos sindicatos poderia fornecer uma via parlamentar brasileira única para o socialismo.

À medida que o desempenho eleitoral do PT aumentava, chegando ao poder em estados e municípios e aumentado o números de parlamentares eleitos, sua política guinava constantemente à direita. Quando o ex-sindicalista metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da república em 2002, o PT tinha se tornado o instrumento preferido da burguesia brasileira, uma vez que foi considerado o mais capaz de conter a luta da classe trabalhadora brasileira, ao mesmo tempo que se comprometeu a realizar as medidas econômicas do FMI fechadas pelos governos anteriores.

Apesar de ter utilizado uma pequena parcela dos ganhos econômicos trazidos pelo boom das commodities em programas mínimos de assistência social, o PT governou um dos países mais socialmente desiguais do mundo, com seis indivíduos hoje controlando mais riqueza do que a metade mais pobre do país.

Com o início da pior crise econômica na história do Brasil, o governo do PT adotou políticas que colocaram sobre as costas da classe trabalhadora brasileira o peso total dessa crise, enquanto defendia a riqueza obscena da elite financeira. Com o salário médio real caindo 30% e 14 milhões de pessoas desempregadas, a fortuna dos bilionários do Brasil só cresceu, com a riqueza do 1% mais rico aumentando 12,3%.

O PT, como todos os outros partidos burgueses, esteve completamente envolvido em um enorme esquema de corrupção que desviou cerca de US$ 4 bilhões dos cofres públicos em subornos e propinas.

Os votos que Bolsonaro obteve representou em grande medida o ódio dos eleitores em relação a todos os partidos do establishment político brasileiro, que foram responsáveis pela catástrofe social e corrupção desenfreada, principalmente o PT, que tentou encobrir suas políticas reacionárias como de “esquerda” ou até “socialista”. Esse mesmo ódio encontrou expressão no número recorde de eleitores que votaram em branco, nulo ou se abstiveram no segundo turno – 42 milhões de pessoas ou 30% do eleitorado.

O crescimento da direita, que acontece por causa das políticas contra a classe trabalhadora levadas adiante pela assim chamada “esquerda”, não é de forma alguma um fenômeno exclusivamente brasileiro. Nos EUA, a identificação dos democratas e de Hillary Clinton com os interesses de Wall Street e com o aparato militar de inteligência abriram as portas da Casa Branca para Donald Trump. Na Itália, a chegada ao poder do governo de direita e anti-imigrante de Matteo Salvini foi preparada pelas políticas de austeridade pró-capitalistas realizadas por uma série de governos de “esquerda”, todos eles formados por partidos que sucederam o Partido Comunista Italiano. Um crescimento similar da direita foi visto em toda a Europa, enquanto na América Latina a chamada “Maré Rosa” baixou, dando lugar a uma série de governos de direita.

Como a classe trabalhadora pode enfrentar a ameaça representada por um governo Bolsonaro e o crescente poder dos militares sobre a vida política e social no Brasil? Isso não acontecerá através do apoio ao Partido dos Trabalhadores. O candidato do PT, Haddad, respondeu à eleição do fascistoide ex-capitão desejando-lhe “sucesso” e “sorte” em seu governo. Os líderes do partido, incluindo Lula, pediram por “calma”, enquanto enfatizavam a “legitimidade” da presidência de Bolsonaro.

O PT chamou a formação de uma “frente democrática”, que significa mais uma aliança parlamentar podre – como a que já teve com o próprio Bolsonaro – para salvar o futuro do partido. Vários grupos da pseudoesquerda tentaram vestir essa mesma política como uma “frente única contra o fascismo” na tentativa de justificar seu apoio ao PT. O máximo que esses grupos conseguiram foi fazer um apelo político baseado em políticas de identidade para a camada da classe média alta que constitui sua base social.

Nos anos 1930, com a ascensão do fascismo na Alemanha, Leon Trotsky declarou que “a situação política como um todo é caracterizada principalmente por uma crise histórica da direção do proletariado”. Essa avaliação mantém toda a sua validade hoje no Brasil e em todo o mundo.

Com o colapso do PT e de seus defensores da pseudoesquerda, a tarefa política decisiva é voltar-se para a classe trabalhadora e construir nela uma direção revolucionária baseada no programa do socialismo e do internacionalismo, o que significa construir seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional no Brasil e em toda a América Latina.

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