O mês de agosto, que deu início do segundo semestre letivo de 2021, viu a maior reabertura de escolas no Brasil desde o início da pandemia de COVID-19. Nove estados, onde até então as escolas haviam permanecido fechadas, decretaram a volta do ensino presencial. E em estados onde já haviam sido abertas, protocolos foram reformulados para permitir um afluxo ainda maior de estudantes às salas de aula.
A reabertura total das escolas é uma peça fundamental da campanha da classe dominante brasileira para “promover um retorno às atividades econômicas” e um novo status quo baseado no mantra de que é necessário “conviver com a situação pandêmica”, como declarou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
A adoção dessa política de negligência criminosa por governantes de todo o país provocou a “retomada da circulação de pessoas nas ruas em padrão próximo ao anterior à pandemia”, como afirmou o boletim de 26 de agosto do Observatório COVID-19 da Fiocruz. Os pesquisadores da Fiocruz ressaltaram, no entanto, que “a taxa de positividade dos testes permanece alta, o que mostra a intensa circulação do vírus, com a expansão da variante Delta” e alertaram que o “relaxamento das medidas de prevenção por parte de pessoas e gestores, contribui para a alta propagação do vírus”.
A manutenção das escolas em funcionamento sob tais circunstâncias é um experimento bárbaro com vidas humanas, particularmente de crianças. Enquanto os gestores capitalistas espalham a mentira de que jovens não se contaminam ou não adoecem com a COVID-19, a explosão da variante Delta está levando à lotação sem precedentes de UTIs infantis em países como os Estados Unidos.
Mesmo antes de ser atingido por essa cepa virulenta, o Brasil já apresentava números catastróficos de mortes de jovens pelo coronavírus. Dados oficiais, reconhecidamente subestimados, registraram mais de 1.200 mortes de menores de 18 anos ao longo de 2020, 45% deles menores de 2 anos. Um levantamento do Uol apontou que 1.581 jovens entre 10 e 19 anos morreram de COVID-19 somente nos primeiros seis meses deste ano – uma média de 263 mortes desta faixa etária por mês.
Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro é hoje o epicentro da disseminação da variante Delta no Brasil. A Delta já se tornou a variante dominante no estado, correspondendo a mais de 60% das amostras coletadas. Concomitante ao ascenso da nova variante, o Rio registrou um aumento do adoecimento e morte de idosos e uma explosão de internações hospitalares, que levou a 96% de lotação dos leitos de UTI da capital.
A evolução assustadora do vírus no Rio de Janeiro contrasta com as políticas adotadas por seus governantes. O prefeito da capital, Eduardo Paes (PSD), tinha determinado 2 de setembro como data de início a uma série de medidas para a retomada total de atividades na cidade, com megaeventos e fim do uso obrigatório de máscaras. Apesar de Paes ter anunciado o adiamento dessas medidas frente ao ascenso de casos da Delta, a Prefeitura do Rio manteve as escolas municipais em pleno funcionamento.
Educadores de dezenas de escolas da rede municipal do Rio de Janeiro denunciaram que suas unidades estão permanecendo abertas mesmo em casos de surto de coronavírus. O sindicato Sepe reportou ter recebido, até 26 de agosto, denúncias de 94 escolas funcionando com casos suspeitos ou confirmados de COVID-19. Esses números cresceram exponencialmente nas últimas duas semanas: em 23 de agosto eram 76 escolas operando nessas condições, em 19 de agosto, 49, e em 17 de agosto, 31. Além disso, há 53 escolas municipais totalmente fechadas e 47 com turmas suspensas por contaminações.
São Paulo
As condições atuais do Rio de Janeiro ressaltam as perspectivas catastróficas do desenvolvimento da pandemia nas próximas semanas e meses no Brasil. Isso é especialmente verdadeiro para São Paulo, estado que já apresenta incidência de 43,5% da variante Delta nas amostras analisadas.
Uma projeção da evolução da variante Delta realizada pelo Info Track, uma plataforma desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), concluiu que São Paulo terá uma “explosão [de casos] a partir da segunda semana de setembro”.
O governo do estado de São Paulo está, no entanto, promovendo a maior “flexibilização” de medidas de distanciamento social desde o início da pandemia. Opondo-se a essa política criminosa, o professor da UNESP, Wallace Casaca, declarou ao G1: “A Delta é uma cepa muito agressiva. Vemos as aberturas com muita preocupação. Temos que acelerar agora ao máximo a vacinação com a segunda dose, mas a vacina sozinha não é solução para tudo”.
O governador João Doria, do PSDB, respondeu a esses alertas reafirmando sua total indiferença à ciência e à preservação de vidas humanas. Em 18 de agosto, ele dissolveu seu Centro de Contingência da COVID-19 e respondeu a críticas da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI) declarando que suas medidas sociopatas estavam sendo tomadas “no tempo certo”.
Apesar dos surtos registrados em mais de 1.200 unidades e das mortes de mais de 100 educadores e estudantes apenas da rede pública estadual, o governo de São Paulo está mantendo as escolas abertas e ampliou sua capacidade, reduzindo o distanciamento entre estudantes nas salas de aula.
São Paulo, capital, possui o maior sistema escolar do Brasil, com mais de 2 milhões de alunos matriculados, e seu funcionamento presencial tem consequências potencialmente devastadoras. Um professor da rede pública municipal da cidade relatou ao World Socialist Web Site que educadores têm reportado um número crescente de surtos nas escolas. Ele declarou:
“Na semana passada, começaram a surgir casos entre os funcionários da minha escola, até agora são três confirmados. Apesar do protocolo de reabertura das escolas dizer que dois casos já configuram um surto, até agora minha unidade não foi fechada.
“Temos notícias de outras escolas que estão tendo surtos e continuam abertas. Uma professora escreveu no Facebook que na sua escola 14 funcionários e um aluno foram afastados por COVID em uma semana. A escola não só continuava aberta, como estava juntando turmas numa mesma sala pela falta de professores.
“Há alguns meses, um caso como esses seria manchete de jornal. Mas hoje a situação está sendo encoberta, tanto pelo governo como pelo sindicato. Eu e meus colegas chegamos a ligar para o SINPEEM para perguntar a orientação do sindicato frente ao surto na escola, e eles não tinham nenhuma. Só reafirmaram a posição oficial do governo.
“Isso é muito revoltante porque o sindicato quebrou nossa greve e nos mandou de volta para o trabalho presencial com um monte de promessas de que os protocolos seriam revistos para aumentar a segurança e comemorando a vacinação dos professores como a grande solução dos problemas. Agora a gente está lá fazendo horas-extras intermináveis para ‘pagar’ pelos dias de greve, ainda mais expostos ao vírus, e as pessoas estão se contaminando independentemente de estarem vacinadas”.
Bahia
O caráter universal da política homicida promovida pela classe dominante brasileira é evidenciado pelo fato de que ela está sendo igualmente adotada nos estados governados pela dita oposição de “esquerda” ao governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro.
O governo de Rui Costa, do PT, na Bahia entrou recentemente em choque com um movimento de oposição de educadores à reabertura das escolas estaduais. Costa ameaçou publicamente os trabalhadores em greve de demissão, e cortou seus pagamentos para forçá-los às salas de aula.
Na última sexta-feira, o sindicato APLB – também dirigido pelo PT – anunciou um acordo firmado com o governo pelas costas dos trabalhadores que aceitou o retorno do ensino presencial no próximo 1º de setembro. O acordo podre, que foi celebrado pelos sindicalistas como uma “vitória”, impõe aulas presenciais inclusive aos sábados para compensar os dias de greve.
A manobra da APLB contra os professores baianos seguiu exatamente o mesmo script da traição dos sindicatos aos professores de São Paulo, e foi recebida com a mesma revolta pelos trabalhadores. Nas redes sociais, professores de base publicaram centenas de comentários denunciando um golpe do sindicato e exigindo condições verdadeiramente seguras para a reabertura das escolas.
Um professor escreveu: “Diretoria sindical e governo unidos como sempre. Estudantes sem imunização, algumas escolas suspenderam aulas em razão da COVID-19, variante Delta ainda é temida, cientistas recomendam terceira dose da vacina, e diretoria sindical aceitou aulas presenciais para dia 1 de setembro.”
Outra professora declarou: “Não vi vitória nenhuma, não escutaram e nem consultaram os trabalhadores quanto ao retorno, sequer foi mencionada a possibilidade da volta. E se iria voltar em 1º de setembro por que os vencimentos foram cortados? Para mim isso foi derrota. A vitória foi de Rui Costa e Luiz Caetano [secretário de Relações Institucionais do governo], eles foram vitoriosos.”
Um terceiro afirmou: “Que ‘vitória’ foi essa da categoria? A não ser que estejam se referindo à vitória do governo, pois os alunos vão retornar sem vacina e sem ao menos testagem. Os casos de COVID-19 nas escolas da rede estadual estão aí. Isso é ajudar a normalizar uma situação anormal.”
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Por todo o Brasil, situações semelhantes são enfrentadas por educadores, pais e estudantes, e estão provocando um crescimento agudo da revolta social.
Professores no Amazonas, onde foram promovidos os experimentos mais catastróficos com a política de imunidade de rebanho, estão denunciando as condições extraordinariamente inseguras nas salas de aula, enquanto pais têm protestado contra o envio forçado de seus filhos ao ensino presencial pelo governo.
No extremo oposto do país, no Rio Grande do Sul, educadores estão reportando crescentes surtos nas escolas, o que foi reconhecido pela Secretaria de Saúde da capital, Porto Alegre, onde o número de indivíduos expostos a surtos em escolas saltou de 3.125 em 1º de julho, a 3.999 em 25 de agosto.
Essas movimentações por todo o país revelam a ascensão de uma onda renovada da luta de classes entre os educadores brasileiros. O avanço dessa luta exige que conclusões fundamentais sejam tiradas das experiências políticas cruciais do último um ano e meio marcado pela crise da pandemia de COVID-19.
Em todas as ocasiões que professores tentaram erguer sua oposição às políticas inescrupulosas dos governos burgueses, eles enfrentaram os esforços dos sindicatos para sabotar suas lutas. Neste momento extremamente crítico da pandemia, nenhuma resistência está sendo articulada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e seus sindicatos filiados. Ao contrário, os professores podem estar certos de que os sindicalistas estão discutindo, entre si e com representes do Estado, as melhores estratégias para suprimir a luta dos trabalhadores contra a pandemia.
Sem nenhuma ilusão na perspectiva de reforma desses sindicatos corrompidos, os educadores devem formar comitês de base para organizar uma luta pelo fechamento imediato das escolas em todo o Brasil e para articular um movimento do conjunto da classe trabalhadora pela erradicação da pandemia de COVID-19.