Publicado originalmente em 7 de setembro de 2021
A reabertura das escolas primárias nos Estados Unidos já provou ser desastrosa e está impulsionando um grande surto da pandemia de COVID-19. Segundo dados da Universidade Johns Hopkins, a média móvel de novos casos diários é hoje de 137.270, acima do triplo da média observada no dia 6 de setembro do ano passado. Mais de quatro milhões de americanos foram infectados somente no último mês. Surtos similares estão ocorrendo no Reino Unido, Alemanha, França, Brasil e outros países onde as escolas reabriram ao mesmo tempo em que as taxas de vacinação estagnaram e a pandemia permanece longe de ser eliminada.
Significativamente, 251.781 crianças foram infectadas pela COVID-19 durante a semana que terminou em 2 de setembro, de acordo com a Academia Americana de Pediatria. Esse é o número mais alto de casos em crianças desde o início da pandemia, e cinco vezes o nível do mês passado.
A política global de reabertura das escolas enquanto os casos de COVID-19 se espalham fora de controle expressa claramente as diferenças entre as três estratégias que surgiram em resposta à pandemia de COVID-19: 'imunidade de rebanho', mitigação e erradicação.
A catástrofe nos EUA esclarece a necessidade de fechar imediatamente todas as escolas como parte de uma estratégia mais ampla de eliminação da COVID-19 nos EUA e, por fim, erradicar o coronavírus em todo o mundo. Essa estratégia é baseada na ciência, que prova que a erradicação pode ser alcançada através do fechamento das escolas e locais de trabalho não essenciais, a vacinação em massa, restrições de viagem, o uso de máscaras, testagem, rastreamento de contatos e o isolamento de pacientes infectados. Estimativas recentes do The Economist, mostrando que o verdadeiro número de óbitos por COVID-19 no mundo é de cerca de 15,2 milhões de pessoas, ressaltam a urgência de popularizar essa estratégia na classe trabalhadora.
Imunidade de rebanho através da reabertura das escolas
A reabertura total das escolas, colocando efetivamente mais de 40 milhões de crianças não vacinadas em salas de aula fechadas com pouca ventilação para serem infectadas pela COVID-19, é a manifestação mais brutal da estratégia de 'imunidade de rebanho' promovida por seções da classe dominante. Tendo como premissa a falsa afirmação de que, infectando rapidamente os jovens, os setores mais vulneráveis da população podem ser 'protegidos' da transmissão, na prática, essa estratégia expõe toda a sociedade ao vírus e aceita que milhões irão morrer.
Os números a seguir indicam a escala do crime social que está sendo cometido contra crianças, educadores e a população em geral nos EUA com a reabertura de escolas:
- Uma média recorde de 365 crianças foram hospitalizadas todos os dias na semana passada, com hospitais infantis alcançando o limite de capacidade em estados de todo o sul do país.
- No mês passado, 73 crianças morreram por conta da COVID-19, o nível mais alto nos EUA desde o início da pandemia.
- Mais de 197 óbitos de funcionários de escolas foram registradas até o momento neste ano letivo pela página do Twitter, #SchoolPersonnelLostToCovid, com a maioria tendo ocorrido em agosto.
- Vários educadores morreram na mesma escola ou distrito neste semestre em Waco, no estado do Texas; Bulloch County, Geórgia; Polk County, Flórida, e outros.
- Recentemente, pelo menos 15 professores e funcionários do distrito escolar do condado de Miami-Dade morreram pela COVID-19 durante um período de 10 dias.
- No Texas, onde é proibido obrigar o uso de máscaras nas escolas, 27.353 alunos testaram positivo para COVID-19 durante a semana que terminou em 29 de agosto, 51% mais do que na semana anterior.
Uma geração de jovens estão ficando doentes com conseqüências de longo prazo desconhecidas. Os resultados preliminares do maior estudo mundial sobre a COVID-19 a longo prazo em crianças indica que 14% das crianças que testam positivo para COVID-19 têm três ou mais sintomas ligados ao coronavírus 15 semanas depois, sendo os mais comuns o cansaço e dores de cabeça.
O surto de casos, hospitalizações e óbitos também tornou as reaberturas das escolas totalmente caóticas. Pelo menos mil escolas em 35 estados tiveram que mudar para o ensino remoto neste ano letivo devido a infecções entre alunos e funcionários, segundo o serviço de dados, Burbio. No estado do Kentucky, um quinto de todos os distritos escolares tiveram que fechar, e existem números análogos em muitos estados onde as escolas estão abertas há semanas.
Esses fatos mostram que as afirmações dos políticos, da mídia e das autoridades dos sindicatos, que a reabertura de escolas poderia ser feita 'com segurança' e tinha como objetivo unicamente melhorar o aprendizado e o bem-estar emocional das crianças, não eram nada além de mentiras cínicas.
A reabertura das escolas primárias também coincide com a reabertura para o ensino presencial das faculdades e universidades, essencialmente sem medidas de mitigação. Já houve surtos significativos na Universidade de Duke, na Universidade da Califórnia, na Universidade de Michigan e em muitas outras, onde os índices de vacinação são altos. A reabertura da Appalachian State University na Carolina do Norte contribuiu para um aumento na taxa de positividade de casos na região para níveis recordes. Estádios de futebol lotados com dezenas de milhares de estudantes e torcedores, como foi visto durante o feriado do Dia do Trabalho no fim de semana, irão inevitavelmente se tornar eventos de transmissão em massa, levando a inúmeros novos casos e óbitos.
Desde o início, o verdadeiro motivo por trás da reabertura das escolas sempre foi econômico, determinado pelas necessidades das corporações de enviar os pais de volta ao trabalho. Em julho, o principal assessor econômico de Biden, Brian Deese, declarou sem rodeios que um dos principais fatores por trás da contínua 'escassez de mão-de-obra' tem sido a falta de 'cuidados infantil e escolar, particularmente para pais de crianças em idade escolar'. A abertura das escolas coincide com o corte dos auxílios federais para o desemprego e o fim dos adiamentos dos despejos, ameaçando colocar milhões de famílias na pobreza e na falta de moradia a menos que enviem seus filhos a escolas inseguras e retornem a locais de trabalho inseguros.
A estratégia de 'imunidade de rebanho' é exibida grotescamente na proibição da obrigatoriedade de máscaras nas escolas dos estados republicanos, incluindo Arizona, Arkansas, Iowa, Oklahoma, Flórida, Carolina do Sul, Texas e Utah, que possuem as mais altas taxas de casos e óbitos, inclusive de crianças. Um artigo científico publicado no início de agosto estimou que, nessas escolas, aproximadamente 91% dos alunos poderiam ser infectados pela COVID-19 dentro de três meses após o início do ano letivo, com a maioria dos alunos infectados ao fim do primeiro mês devido ao crescimento exponencial dos casos.
Mitigação nas escolas: 'Imunidade de rebanho' com cuidados paliativos
A segunda estratégia para a pandemia ‒ a mitigação ‒ promove a falsa afirmação de que, através do uso de máscaras e da vacinação dos funcionários das escolas e das crianças acima de 12 anos de idade, as escolas podem ser reabertas 'com segurança'. Embora seja dito que a mitigação é uma alternativa à 'imunidade de rebanho', na realidade, ela é apenas uma modificação dessa estratégia com o objetivo de parecer razoável.
Os políticos do Partido Democrata, autoridades dos sindicatos e figuras da mídia que promovem a reabertura de escolas com 'mitigações' sabem que, inevitavelmente, essa política irá infectar milhões de crianças e aumentar a propagação da COVID-19. Eles apenas procuram fazer isso em um ritmo mais lento para evitar a sobrecarga dos hospitais e de outros serviços sociais. Os seus esforços de mitigação não são direcionados contra o coronavírus, mas contra as conseqüências das políticas de 'imunidade de rebanho'.
Em particular, a afirmação de que a vacinação é uma solução universal para a pandemia atribui às vacinas propriedades inexistentes. Além de uma parte significativa da população não estar vacinada, incluindo todas as crianças menores de 12 anos, o espalhamento contínuo do vírus cria condições para a evolução de novas variantes mais infecciosas e resistentes à vacina. Os indivíduos vacinados ainda podem contrair e espalhar o vírus, e o surgimento da variante Delta tem levado a uma onda de infecções em pessoas vacinadas, envolvendo a piora e até o óbito desses indivíduos.
A vacinação é uma ferramenta poderosa. Porém, separada de uma estratégia mais ampla com o objetivo de reduzir rapidamente novas infecções a zero e, assim, erradicar a COVID-19, a vacinação e outras mitigações não passam de cuidados paliativos.
A defensora mais vocal das reaberturas das escolas com 'mitigações' é a presidente da Federação Americana de Professores (AFT), Randi Weingarten, que, no último mês, esteve em uma turnê de 'Retorno às escolas para todos' por 20 estados nos EUA para promover essa política homicida. Em uma declaração extraordinária publicada no Dia do Trabalho, Weingarten afirmou que os membros da AFT estão vivendo 'a alegria de estarmos retornando presencialmente para um novo ano letivo'.
Ela escreveu: 'A variante Delta não mudou nossa determinação de manter nossas escolas abertas e garantir que elas sejam seguras, saudáveis e acolhedoras para todos. Entretanto, tornou-se ainda mais decisivo para nós utilizar as ferramentas que sabemos que irão manter nossas comunidades escolares seguras: vacinas, máscaras, ventilação, lavar as mãos, distanciamento, testes e protocolos claros caso ocorra um surto'.
Tendo escrito a sua declaração após a maioria dos distritos escolares já terem reaberto, Weingarten sabe que essas medidas ainda não foram implementadas na grande maioria das escolas. As vacinas não são obrigatórias, o uso de máscaras é livre, mais de 30 mil escolas americanas têm sistemas de ventilação antiquados, muitas escolas não possuem sabão e papel toalha, o distanciamento social é inexistente em salas de aula com 30 alunos ou mais, os testes são insuficientes e os protocolos de segurança são caóticos.
Muitos cientistas, trabalhadores, pais e pessoas envolvidas na saúde pública acreditam pessoalmente que a eliminação e eventual erradicação da COVID-19 deve basear e ser o objetivo das políticas. Entretanto, enfrentando a enorme oposição governamental e institucional, eles concluíram que essa política correta e necessária nunca será implementada. Mesmo com as melhores intenções, eles recuam para a estratégia de mitigação e defendem o mais amplo conjunto de medidas, incluindo a ventilação, o distanciamento social, testagem diária, rastreamento de contatos e outras. Por mais que eles procurem justificar essa abordagem, ela é falsa.
Qualquer recuo para a estratégia de mitigação, mesmo na esperança de salvar o maior número de vidas possível, é um erro e foge da realidade científica da transmissão do vírus nas escolas. A pandemia chegará ao fim somente com o desenvolvimento da consciência em massa e do entendimento científico da estratégia de erradicação por amplas camadas da classe trabalhadora.
O papel do fechamento das escolas na estratégia de erradicação
As escolas são conhecidas há muito tempo como grandes centros de transmissão viral. Um estudo publicado em janeiro mostrou que isso também é verdade para a COVID-19. Pesquisadores concluíram que as infecções da COVID-19 em crianças de 10 a 19 anos precederam um aumento dos casos entre adultos de 30 a 49 anos, o que significa que as crianças estavam infectando os seus pais, e não o contrário.
O preceito fundamental da estratégia de eliminação-eradicação é que a COVID-19 depende de um hospedeiro humano para se propagar e a única maneira de suprimir a doença é cortando todas as vias de transmissão. Isso requer o fechamento das escolas e locais de trabalho não essenciais, restrições de viagem, testagem em massa, uso de máscaras, rastreamento de contatos, isolamento seguro de pacientes infectados e outras medidas básicas de saúde pública, combinadas com vacinações em massa.
Em um evento online do WSWS realizado em 22 de agosto, a Dra. Malgorzata Gasperowicz da Universidade de Calgary deixou claro que medidas agressivas de saúde pública poderiam ter levado a zero novos casos dentro de 37 dias no início de 2020, salvando milhões de vidas. Dada a capacidade de transmissão da variante Delta, a estimativa do seu modelo é de que a combinação de vacinas e medidas agressivas de saúde pública ainda pode eliminar o vírus em um determinado país no prazo de dois meses. Ressaltando que somente as vacinas não são suficientes para interromper a transmissão, Gasperowicz disse: 'Precisamos de tudo o que temos em nossa caixa de ferramentas para interrompê-la, para desacelerá-la'.
A estratégia de eliminação tem sido altamente eficaz na China, uma sociedade com uma população de 1,4 bilhão de pessoas, bem como na Nova Zelândia e em outros países, com o uso do conjunto de medidas de saúde pública descritas acima. Depois de eliminar a COVID-19, esses países já lutaram contra os repetidos surtos da variante Delta importada por viagens internacionais.
O surto mais recente na China foi confinado a um hotel para quarentena em Guangzhou voltado a viajantes internacionais. No dia 5, Xu, um trabalhador de 42 anos do hotel, testou positivo para COVID-19 e foi imediatamente colocado sob observação médica em um hospital próximo, como acontece com todos os pacientes de COVID-19 na China. Os testes em massa foram realizados nos bairros vizinhos e, à meia-noite de sábado, todas as 92.185 amostras coletadas foram testadas negativas. Todos aqueles que tiveram contato próximo com Xu também foram colocados sob observação médica em locais seguros.
A resposta da China, da Nova Zelândia e de outros governos capitalistas mostra que a pandemia pode ser combatida. As medidas de saúde pública necessárias que eles implementaram não são de forma alguma 'autoritárias', como declara praticamente todo o establishment político e da mídia nos EUA. Ao contrário, elas demonstram o potencial que existe para mobilizar os recursos da sociedade para eliminar a COVID-19. Se realizada de forma globalmente coordenada em todos os países, a pandemia poderia ser erradicada rapidamente.
A estratégia de erradicação se cruza com o movimento crescente da classe trabalhadora contra a subordinação da saúde pública ao lucro privado. No último ano, a hostilidade dos professores e pais à reabertura das escolas foi deliberadamente suprimida pelos sindicatos e pelo Partido Democrata, mas está começando a se desenvolver através de manifestações, faltas coletivas e greves de pais, estudantes e trabalhadores da educação no Alabama, Tennessee, Havaí, Geórgia e um número crescente de outros estados. Essa oposição deve ser focada na implementação da estratégia de erradicação.
Durante décadas, a classe dominante americana tem cortado gastos na educação pública e cultivado o atraso e o individualismo, criando as condições atuais, em que milhões de pessoas são céticas em relação às vacinas. Todo os esforços deve ser realizados para educar a população sobre a ciência da pandemia, a necessidade de erradicar a COVID-19 e como isso pode ser alcançado.
O sacrifício de dezenas de milhões de vidas pelo lucro empresarial está entre os crimes mais terríveis da história moderna. A 'imunidade de rebanho' e as políticas de mitigação das elites dominantes não serão revertidas sem a construção de um movimento massivo da classe trabalhadora. Em todo o país e no mundo, protestos e greves em massa para fechar escolas e locais de trabalho não essenciais devem ser preparados.
Comitês de base, independentes dos sindicatos de professores e dos dois grandes partidos empresariais, foram formados em todo os EUA e em todo o mundo para priorizar a vida dos trabalhadores em detrimento dos lucros. Essa rede deve ser construída em cada distrito escolar e bairro para lutar pelo fechamento imediato das escolas e locais de trabalho não essenciais, combinado com o fornecimento de amplos recursos a todos os trabalhadores afetados e proporcionando ensino remoto de alta qualidade. Tal movimento se espalhará rapidamente pelas indústrias e países, conforme os comitês de base provarem ser a única forma com que as medidas necessárias serão implementadas para eliminar e, por fim, erradicar a COVID-19 em escala mundial.