Os 40 anos da guerra das Malvinas, que teve início no dia 2 de abril de 1982, estão acontecendo em meio à guerra por procuração da OTAN na Ucrânia contra a Rússia. A direita do Partido Conservador, liderada pelo primeiro-ministro britânico Boris Johnson, está aproveitando a oportunidade para rufar os tambores patrióticos e usar uma aventura militar para desviar e suprimir a oposição popular contra um governo odiado pelo tratamento criminoso da pandemia e a crise do custo de vida.
O mesmo aconteceu em 1982, tanto em relação ao governo da junta militar argentina quanto ao da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. O início da década de 1980 foi marcado por uma recessão capitalista mundial e um enorme movimento da classe trabalhadora internacional.
Diante de crescentes greves de massas e violentos confrontos entre trabalhadores e as forças de segurança, a junta militar procurou usar a reivindicação legítima da Argentina às Ilhas Malvinas para desviar a oposição social e política em nome da “unidade nacional”. A resposta do governo Thatcher também levou em consideração uma situação doméstica explosiva, com um alto índice de desemprego e uma onda de greves.
Particularmente criminoso foi o papel do Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), liderado pelo revisionista Nahuel Moreno. O PST opôs-se à luta pela mobilização política independente da classe trabalhadora durante a guerra das Malvinas, atuando para subordinar os trabalhadores à burguesia e à própria junta militar argentina.
A guerra das Malvinas também expôs o britânico Workers Revolutionary Party (WRP), então liderado por Gerry Healy, Cliff Slaughter e Mike Banda. Na época da guerra, o WRP já se encontrava em um estágio avançado de decadência política, sendo incapaz de travar uma luta contra o imperialismo britânico e oferecer uma perspectiva revolucionária para a classe trabalhadora britânica e argentina. Em contraste, a crítica do Comitê Internacional da Quarta Internacional, que romperia com o WRP em 1986, articulou poderosamente os princípios do internacionalismo socialista e da revolução permanente.
A seguir, estamos republicando um artigo de 21 de junho 2007 escrito por Paul Bond e Chris Marsden, membros do Partido Socialista pela Igualdade (Reino Unido), sobre os vinte e cinco anos da guerra das Malvinas.
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Com enorme pompa militar, a classe dominante britânica tem celebrado os 25 anos da vitória nas Ilhas Malvinas (Falklands). Com cerimônias religiosas nas ilhas e em todo o Reino Unido, desfiles e exibições aéreas, há uma atmosfera de triunfo do imperialismo em relação à guerra. Aproximadamente 900 pessoas morreram durante o conflito que durou 74 dias – 255 soldados britânicos, 649 argentinos e 3 nativos das ilhas (mortos durante o bombardeio naval em Port Stanley, capital das Malvinas).
O estado de ânimo pôde ser observado na mensagem transmitida pela ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, responsável pelo envio das tropas britânicas às Malvinas em abril de 1982. Na mensagem, transmitida via rádio para as forças armadas britânicas e das ilhas, ela descreveu a “libertação das nossas ilhas” como “uma grande vitória por uma nobre causa”. Descrevendo a guerra como “justa,” disse que os britânicos “alegraram-se com o sucesso; e nós ainda devemos nos alegrar”.
O primeiro-ministro Tony Blair concordou, afirmando que naquele momento havia um “princípio em jogo”. A decisão de ir à guerra, disse ele em entrevista para o site Downing Street no mês passado, exigiu “coragem política,” mas foi “a coisa certa a se fazer”.
Mas, afinal, o que de fato aconteceu há 25 anos?
As Ilhas Malvinas, aparentemente inabitadas na época da chegada dos europeus no novo mundo, constituíam um pequeno fragmento do império colonial da Espanha na América Latina, mas passaram a ser exploradas e reivindicadas pelos britânicos e pelos franceses no final do século XVIII. Com a independência da Argentina declarada em 1816, os argentinos concordaram em deixar o controle das ilhas à Espanha.
Entre os anos de 1806 e 1807, os britânicos tentaram invadir a Argentina por duas vezes, não tendo êxito. O Reino Unido aproveitou as guerras de independência da Argentina (1816-1853) para ocupar as ilhas em 1833. Dando-lhes o nome de Falklands, os britânicos começaram a habitá-las com seus cidadãos e passaram a reivindicar o controle do petróleo e dos recursos minerais nas águas polares do sul. Desde então, o governo argentino passou a reivindicar a sua soberania sobre as ilhas.
Em 1982, a junta militar do general Leopoldo Galtieri utilizou essa legítima reivindicação das ilhas para desviar a oposição em relação a suas sanguinárias políticas internas. Em março do mesmo ano, uma brigada mercante argentina desembarcou na Geórgia do Sul, uma ilha britânica próxima às Malvinas. Em 2 de abril, Galtieri mandou tropas da Geórgia do Sul para as Malvinas.
Margaret Thatcher decidiu defender militarmente os interesses do imperialismo britânico no Atlântico Sul. Uma força tarefa foi enviada a uma distância de 8.000 milhas a fim de reconquistar as ilhas. Após 5 dias da chegada dos argentinos, o governo britânico já havia enviado navios para o Atlântico Sul e determinado uma zona de exclusão de 200 milhas ao redor das ilhas.
Galtieri não esperava uma reação militar do governo britânico. A junta militar argentina não recebera resposta alguma das Nações Unidas em relação a sua intenção de invadir as ilhas. O Reino Unido estava reduzindo sua presença militar nas ilhas. Durante muitos anos, o governo britânico procurou negociar um acordo em relação às ilhas.
Sir Lawrence Freedman, professor de estudos da guerra no King’s College, na Universidade de Londres, e autor da história oficial das Falklands, revelou que o governo Thatcher havia aceitado abrir mão do controle das ilhas e reconhecer a soberania argentina dois anos antes do conflito.
Em junho de 1980, o ministério do Exterior elaborou uma proposta para entregar oficialmente a soberania das ilhas para Buenos Aires. A partir de então, o Reino Unido arrendaria as ilhas por 99 anos. O ministro do Exterior, Nicholas Ridley, se reuniu secretamente com Comodoro Cavandoli da Argentina, na Suíça e em Nova York, mas o plano foi descoberto pela oposição e pelos habitantes das ilhas, durante uma visita oficial de Ridley e numa discussão levantada pelo Partido Trabalhista no parlamento.
A junta militar argentina esperava que o governo americano não interviesse, em resposta aos serviços prestados. Galtieri esperava o apoio dos EUA devido ao recorde de torturas e assassinatos de trabalhadores e estudantes de esquerda alcançado pela junta, bem como pela ajuda à CIA no treinamento e armamento dos Contras na Nicarágua.
Galtieri ficou desapontado. Os EUA permaneceram oficialmente neutros durante o conflito, mas, na verdade, forneceram suporte tático e de inteligência às forças britânicas.
O governo americano tinha fortes razões para apoiar os ingleses. Em primeiro lugar, Reagan e Thatcher eram aliados na política econômica monetarista de contrarreformas e ataques aos salários, aos empregos e aos direitos dos sindicatos e aos benefícios sociais. Além disso, a guerra abriria um perigoso precedente para ambos os países, mesmo para o governo argentino, que havia demonstrado ser um importante aliado dos EUA para tomar um território de uma potência imperialista.
Todavia, para Thatcher era fundamental assegurar o apoio dos EUA, tendo em vista os interesses estratégicos na América do Sul. De acordo com o Guardian, Freedman também ressaltou como “Washington fez forte pressão para que Thatcher concordasse em fazer um acordo de cessar fogo antes mesmo das ilhas serem reconquistadas”.
Num determinado momento do conflito, o Secretário de Estado dos EUA, Alexander Haig, propôs um cessar fogo intermediado por uma força de paz internacional, incluindo tropas americanas. No final de maio de 1982, Thatcher telefonou para Reagan para comunicar que aceitava um cessar fogo, desde que os argentinos fossem retirados das ilhas.
Ela perguntou a Reagan: “como os americanos reagiriam se o Alaska fosse invadido e, enquanto os invasores estivessem sendo expulsos, nós propuséssemos a retirada dos americanos?”
Thatcher insistiu várias vezes que a soberania britânica sobre as Falklands era uma questão de princípios. Mas havia razões internas que estimularam o início da guerra. Em 1982, o governo Thatcher tinha sido profundamente abalado. O desemprego oficial atingiu a casa dos 3,6 milhões de pessoas, embora, na realidade, o número de desempregados fosse muito maior. Sua política enfrentava uma forte oposição, com greves em grande parte das indústrias e na saúde. Em 1981, os planos do governo de fechar 23 minas de carvão tiveram que ser adiados por causa da ameaça de greve.
O governo Thatcher estava na corda bamba. O apoio do Partido Trabalhista à guerra das Malvinas foi de fundamental importância para recuperar seu apoio.
Dois anos antes, um dos líderes da oposição trabalhista, Peter Shore, criticara a proposta do Partido Conservador de fechar um acordo com a Argentina, utilizando uma linguagem que se tornaria comum durante a guerra. No parlamento, Shore observou que os britânicos deveriam dar a “máxima importância” para os interesses dos moradores das ilhas. Com a decisão de mandar a força-tarefa, o Partido Trabalhista conciliou com o patriotismo e com o imperialismo militarista. Apenas 33 representantes do Partido Trabalhista no parlamento se opuseram à guerra. O líder trabalhista, Michael Foot, defendeu que o caráter direitista da junta militar argentina justificava o apoio do partido ao imperialismo. Ao mesmo tempo, em um discurso ao parlamento que superou Thatcher em sua demagogia, ele insistiu que a “agressão violenta e brutal” – por parte da Argentina – não deveria ser permitida.
Sem o apoio dos trabalhistas, a guerra e as atrocidades dela decorrentes não teriam sido possíveis. Junto com a mídia, o estímulo à guerra dado pelos trabalhistas acabou proporcionando um patriotismo frenético em torno da “guerra justa” contra uma junta fascista e em nome dos moradores da ilha, que desorientou e confundiu amplas camadas dos trabalhadores.
Em 25 de abril, enquanto as negociações de paz de Haig e de Belaunde Terry ainda estavam em andamento, marinheiros britânicos venceram com muita facilidade as tropas argentinas na Geórgia do Sul. Thatcher, aumentando sua propaganda militarista, repreendeu os jornalistas, afirmando que “essa notícia só podia nos alegrar”.
Em 2 de maio, o cruzador argentino General Belgrano navegava fora da zona de exclusão e afastando-se das ilhas quando foi atingido por torpedos do submarino nuclear HMS Conqueror e afundou, causando a morte de 323 militares argentinos. O jornal The Sun, de propriedade de Rupert Murdoch, estampou na capa “Gotcha!” (“Te Peguei!”), mas foi forçado, mais tarde, a removê-lo devido à oposição generalizada. No dia seguinte, o HMS Sheffield foi atingido por aviões argentinos, afundando e matando 20 membros de sua tripulação. Outros cinco navios britânicos foram abatidos durante o conflito.
Com o início das batalhas em terra, a disparidade entre o profissionalismo do exército britânico e os mal equipados e mal treinados soldados argentinos, muitos deles jovens, ficou evidente. Em Goose Green, no primeiro dia da batalha em terra, o enorme contingente de soldados britânicos perdeu apenas 17 homens, enquanto o exército argentino teve 250 baixas. Mais de 1.000 soldados argentinos tornaram-se prisioneiros de guerra. As tropas argentinas foram forçadas a se defender do exército britânico, que avançavam sobre as ilhas em direção a Port Stanley. Os argentinos se renderam no dia 14 de junho, sendo decretado o fim da guerra em 20 de junho.
Dois dias depois, o General Galtieri renunciou. Cerca de um ano depois, a revolta popular a respeito do evento sanguinário das Malvinas levou a junta militar argentina ao colapso.
No entanto, apesar da rápida vitória e da evidente superioridade militar britânica, o número de soldados britânicos mortos foi bem maior do que o número de mortes nas guerras do Iraque e do Afeganistão juntas. A intensidade do combate corpo a corpo traumatizou profundamente os veteranos de guerra, tanto britânicos como argentinos. O número de soldados britânicos que cometeram suicídio após o fim da guerra foi maior do que o número de soldados mortos nela. De acordo com a organização dos veteranos da Associação das Condecorações do Atlântico Sul, 264 veteranos britânicos cometeram suicídio até 2002. Durante a guerra morreram 255 soldados britânicos. De acordo com um filme de 2006, o número atual de argentinos que cometeram suicídio é de 454.
O Partido Trabalhista também foi responsável pelo reforço da rígida política de Thatcher implementada após a vitória nas Malvinas.
Foot, um veterano pacifista e membro da Campanha pelo Desarmamento Nuclear, foi eleito líder do partido em 1980. Isso aconteceu por causa da revolta interna do partido a respeito da desastrosa política do governo trabalhista de James Callaghan, que atacou duramente a classe trabalhadora, preparando, dessa maneira, o caminho para a chegada de Thatcher ao poder. Ele traiu as expectativas dos trabalhadores, facilitando que Thatcher vencesse no segundo turno. Nas eleições gerais de junho de 1983, o Partido Conservador conquistou mais de 40% dos votos, o que significou uma pequena queda. Os trabalhistas receberam apenas 27,6%, caindo mais de 9% – perdendo a maioria dos votos para a Aliança formada entre os Liberais e os Socialdemocratas, a ala de direita que rompeu com os trabalhistas em 1981.
Com a ajuda dos trabalhistas, a vitória de Thatcher em 1983 abriu as portas para um profundo ataque às condições de vida dos trabalhadores, atingindo seu ápice na derrota da greve dos mineiros, que durou um ano, e na ampla privatização dos serviços essenciais.
Esses são os termos nos quais Thatcher mede o sucesso da guerra das Malvinas. Desde o primeiro desfile militar, no qual os veteranos que ficaram aleijados na guerra foram proibidos de participar, ficou evidente o desprezo de Thatcher por todos aqueles que lutaram para dar a ela essa vitória.
Hoje, mais uma vez, os trabalhistas fizeram coro ao Partido Conservador nos elogios à guerra das Malvinas – desta vez, porém, como parte do governo, tendo Thatcher como convidada. Os objetivos de todos eles não é somente o de tentar justificar os crimes do passado, mas defender os crimes atuais e futuros.
Em seu discurso na festa de aniversário da guerra, Thatcher relembrou sua atitude colonialista bárbara como sendo “um grande esforço nacional”. Ela observou que não há “vitórias finais, pois a luta contra o mal no mundo nunca acabará. A tirania e a violência vestem muitas máscaras. Ainda hoje, desde a vitória nas Malvinas, todos nós devemos ter esperança e determinação”.
Por sua vez, o primeiro-ministro Tony Blair comemorou o aniversário da guerra das Malvinas, comparando-a às guerras no Iraque e no Afeganistão, todas representando uma frente de luta contra a “tirania”. Antes de comparecer às comemorações oficiais, Blair concedeu uma entrevista ao historiador Simon Schama, do site Number 10. Blair concordou com a afirmação de Schama de que a decisão de ir à guerra teria sido uma “aposta assustadora” por parte de Thatcher, e concluiu que aquela atitude exigiu “muita coragem política”. Disse também que teria feito o mesmo que Thatcher, que é, aliás, seu ídolo político, pois “esta foi a coisa certa a se fazer... não apenas por motivos relacionados à soberania britânica, mas também porque eu penso que havia um princípio em jogo”.
Quando Blair fala em fazer a “coisa certa” e cita Thatcher como seu maior modelo, isso deve servir para tratar com o devido desprezo toda esta nociva trama de propaganda e nostalgia em torno da guerra das Malvinas.
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