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Governo pseudoesquerdista chileno manda polícia para reprimir greve de petroleiros

Publicado originalmente em 13 de maio de 2022

Em 9 de maio, ao menos 180 trabalhadores terceirizados, operando em cinco entradas da refinaria de petróleo de Hualpén e no terminal marítimo de San Vicente na região de Bío-Bío, 500 km ao sul de Santiago, foram reprimidos por dezenas de policiais da tropa de choque com escudos, canhões de água, sprays de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo. Onze trabalhadores foram presos. O governo recém-eleito pseudoesquerdista do Chile, presidido pelo ex-estudante radical, Gabriel Boric, ordenou que as Forças Especiais dos Carabineiros rompessem o piquete de greve em uma das principais refinarias de petróleo do Chile.

Carabineiros atacam os trabalhadores terceirizados da refinaria ENAP em 9 de maio (Crédito: Cristofer Espinoza, Cooperativa)

O governo preparou a repressão à greve no final de semana após a estatal Empresa Nacional de Petróleo (ENAP) ter falsamente alegado, em 6 de maio, que as regiões do Sul do Chile, de Bío-Bío a Araucania, sofreriam desabastecimento de gasolina, diesel e querosene em menos de uma semana se a greve continuasse.

Em um comunicado, a ENAP disse que seria obrigada a parar “100%” das operações logísticas e de distribuição de combustível na parte sul do país e alegou que tinha sido empurrada para “a situação extrema” pela “relutância da [central sindical] FENATRASUB em dialogar...”.

Apenas semanas antes, porém, Julio Aranis, o gerente geral recém-nomeado, havia informado à mídia sobre uma manutenção programada para as mais de 20 unidades da refinaria de Hualpén em Biobio. Em outras palavras, as interrupções planejadas obrigaram a refinaria a estocar vários meses de combustível.

“Esta é a maior e principal manutenção que a ENAP realizou em seus mais de 70 anos de existência”, explicou Aranis, acrescentando que a operação de dois meses com custo de US$87 milhões “gerará, em seu auge, uma oportunidade de trabalho para cerca de 2.000 trabalhadores externos”.

O alarmismo provocou compras de emergência e filas de vários quarteirões nos postos de combustível no sul do Chile durante o fim de semana.

Mesmo sabendo que não havia a mais remota possibilidade de escassez, a ministra do Interior e Segurança Pública, Izkia Siches, assumiu os argumentos da refinaria. Ela declarou o transporte de combustível uma área “estratégica” para o país, prometendo tomar as medidas necessárias para “manter o abastecimento e manter as estradas desobstruídas para a ENAP, que é uma indústria estratégica”.

“Nosso delegado esteve em conversações com as diferentes equipes de trabalhadores contratados (e) esperamos que isso tenha uma solução rápida”, continuou ela, “mas sem dúvida nosso governo tem o dever de garantir o livre trânsito e obviamente o abastecimento para todo o país”.

Na mídia, isso foi reportado como um sinal de que o governo pseudoesquerdista/stalinista aplicaria a Lei de Segurança do Estado, um instrumento policial estatal diretamente identificado com a ditadura militar para criminalizar todo tipo de oposição social ao governo.

A resposta de Boric mostrou que isso era precisamente o que estava ameaçando: “Estamos trabalhando primeiro na via que é o espírito do nosso governo, que é precisamente o diálogo”, disse ele.

“Mas, é claro, que como Estado temos o dever de garantir o abastecimento de combustível a todas as áreas do país. Espero que através do diálogo cheguemos a um acordo, caso contrário, o governo, evidentemente, terá que agir de acordo”.

Em seus dois meses de mandato, ficou claro para as massas populares que os intermináveis apelos de Boric pelo “diálogo” são um eufemismo para a supressão da luta de classes. A classe trabalhadora, a juventude, as comunidades camponesas indígenas e os setores populares, erroneamente acreditaram que a eleição de uma frente de supostos partidos de esquerda – a Frente Ampla, o Partido Comunista e outros que compõem o Apruebo Dignidad – acolheria e até incentivaria uma luta ativa pela melhora de suas condições sociais.

Essa ilusão foi vendida a eles pela FENATRASUB (Federação Nacional dos Trabalhadores Terceirizados), que, em setembro passado, convidou o então candidato à presidência Boric para falar aos trabalhadores e pediu o compromisso do candidato de interceder a seu favor em troca de seu voto.

“É assim que o governo nos paga”, disse Victor Sepulveda, presidente do sindicato. “O mesmo governo pelo qual você votou, hoje está nos pagando com isso, repressão. Todos aqueles que votaram em Boric hoje estão recebendo em troca isso que ficará na memória dos trabalhadores do Chile. Assim que esse governo paga. Um governo de trabalhadores com um discurso falso, em vez de nos apoiar, nos reprime”.

Mas, ao mesmo tempo, o sindicato continua a fazer apelos ao governo para participar de negociações tripartites.

Apesar da repressão, os trabalhadores se recusaram a recuar e permanecem em greve.

Trabalhadores na linha de piquete antes da repressão policial (crédito: FENATRASUB)

O objetivo dessa luta é eliminar a diferença entre os trabalhadores terceirizados e contratados da fábrica através da renegociação de um acordo que estipula os benefícios que devem ser pagos aos trabalhadores pelas empresas contratadas para que participem do processo de licitação. Em 2021, a refinaria impôs um acordo que congelava as condições existentes indefinidamente.

Como tantas outras políticas de livre mercado que arrancaram os direitos e condições de vida da classe trabalhadora, a ditadura militar abriu as portas para a terceirização em 1975. Mas foi sob os governos de centro-esquerda da Concertación que essa forma de emprego se tornou onipresente em todas as áreas da economia, incluindo mineração, agricultura, pesca, construção e varejo.

Alguns funcionários terceirizados estão na empresa desde os anos 1980, e os rendimentos, benefícios e condições não melhoraram em 15 anos. Falta até mesmo uma cobertura abrangente de saúde, subsídios para educação, bônus de Natal e férias adequados.

Essa situação foi agravada durante a pandemia, quando a ENAP, citando dificuldades financeiras, suspendeu os contratos dos terceirizados por três meses, forçando os trabalhadores a viverem de suas próprias economias. Além disso, foi negado a toda a força de trabalho o bônus de Natal, um pagamento indispensável para se manterem durante o período de férias.

Os sindicatos, entretanto, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para manter a greve isolada.

A Federação Nacional de Trabalhadores Terceirizados é um guarda-chuva de vários sindicatos que representam centenas de trabalhadores terceirizados na ENAP que, além de Hualpén, possui refinarias nas regiões de Magallanes e Valparaíso. No entanto, esses trabalhadores não foram mobilizados.

Os sindicatos que representam os funcionários permanentes da ENAP também não apoiaram a greve. Após permanecer em silêncio durante os primeiros dias da greve, convocada em 2 de maio, Nolberto Díaz, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores do Petróleo (FENATRAPECH), praticamente condenou o piquete por “colocar em risco a entrega dos combustíveis que a população necessita...”. Foi impossível encontrar um argumento mais de direita.

Desde a repressão policial, em um ato de cinismo, a própria coalizão do governo, Apruebo Dignidad, composta pela Frente Ampla pseudoesquerdista e pelo Partido Comunista stalinista, emitiu várias declarações condenando a ação. As burocracias sindicais também fizeram declarações de apoio aos trabalhadores, sabendo que permanecer em silêncio significaria consentimento com a repressão policial realizada por um governo que eles promoveram.

No entanto, nem a Central Unitaria Trabajadora (CUT) oficial, nem a burocracia sindical anarco-sindicalista de oposição, a Central Clasista de los Trabajadores y Trabajadoras (CCTT), convocou seus membros para defender seus companheiros de classe. Para fazerem isso, só nascendo de novo.

Levou dois meses para que o governo Boric praticamente desfizesse não apenas suas promessas, mas sua credibilidade política entre amplos e crescentes setores da classe trabalhadora.

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