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Partido Socialista pela Igualdade na Alemanha faz denúncia constitucional contra criminalização do marxismo

Publicado originalmente em 11 de julho de 2022

Em 2 de junho, o Partido Socialista pela Igualdade (SGP) na Alemanha apresentou uma denúncia constitucional oficial à suprema corte contra o seu monitoramento e difamação pelo serviço secreto alemão.

Christoph Vandreier e Ulrich Rippert no tribunal, representando o SGP contra o serviço secreto alemão (foto: WSWS)

O SGP está apelando à suprema corte após a decisão do tribunal administrativo de Berlim de que a vigilância do SGP pelo serviço secreto é apropriada porque, segundo o tribunal, a crítica de esquerda ao capitalismo seria inconstitucional na Alemanha.

A decisão do tribunal administrativo de Berlim citou explicitamente e se sustentou em uma linha de argumentação autoritária, que ecoa as leis antissocialistas de Bismarck e a criminalização nazista do pensamento.

O apelo do SGP possui enorme significado político porque o governo e os tribunais querem fazer do SGP um exemplo. Diante da guerra por procuração que o governo alemão está travando contra a Rússia, o mais extenso rearmamento desde Hitler, e ferozes ataques contra os trabalhadores através da inflação galopante, roubo de salários e demissões em massa, o objetivo é silenciar qualquer um que se pronuncie contra essa política de classe agressiva ou mesmo a chame pelo nome.

Se a suprema corte seguir o governo e a decisão da instância inferior, será um passo em direção à ditadura. Qualquer greve de trabalhadores, protesto contra o rearmamento ou manifestação contra a extrema direita poderia ser decidido anticonstitucional e banido. A decisão contra o SGP já foi utilizada em uma decisão judicial, repetindo quase palavra por palavra, contra o jornal de esquerda, Junge Welt.

Portanto, chamamos todos que querem defender os direitos democráticos e combater o perigo da direita para que apoiem a denúncia constitucional do SGP. Assine nossa petição em change.org, entre em contato com o World Socialist Web Site e compartilhe esta declaração com seus amigos e conhecidos.

As ações do SGP

O SGP foi incluído pela primeira vez como uma “organização extremista de esquerda” no relatório anual do Verfassungsschutz (serviço secreto) em junho de 2018. A rotulação de um partido dessa maneira é acompanhada pela sua vigilância pelas agências de inteligência e é um ataque fundamental aos seus direitos democráticos. Ela é a precursora de uma proibição.

Em nenhum momento o SGP foi acusado de cometer qualquer ato criminoso ou violento ou de chamar por tais atos. De fato, o governo e os tribunais confirmaram que o partido busca seu objetivo de convencer a maioria da população das idéias socialistas exclusivamente por meios legais, como pela participação em eleições e a realização de eventos públicos. As ações tomadas contra o SGP foram justificadas exclusivamente com base em suas idéias socialistas e a sua rejeição do militarismo e do nacionalismo.

Esse ataque fundamental contra os direitos democráticos do partido veio de redes extremistas de direita dentro do aparato de Estado. O então presidente do Verfassungsschutz, Hans-Georg Maassen, é abertamente um extremista de direita, que não apenas orquestrou o ataque contra o SGP, mas também discursou agressivamente sobre forças radicais de esquerda do Partido Social Democrata (SPD), foi conselheiro para o Alternativa para a Alemanha (AfD) de extrema direita e defendeu a perseguição dos refugiados.

Enquanto as autoridades de mais alto escalão encobrem as redes terroristas de extrema direita no aparato estatal, o AfD fascista é cortejado por todos os partidos do establishment, e o Verfassungsschutz toma medidas contra qualquer pessoa que se oponha às atividades da direita. O SGP se tornou alvo dessa conspiração de direita porque o partido está na vanguarda da luta contra o retorno do militarismo alemão e fornece uma perspectiva socialista à crescente oposição dos trabalhadores.

Em 2014, quando o governo anunciou o “fim da contenção militar alemã” e apoiou o golpe antirrusso na Ucrânia, o SGP se opôs a essa ressuscitação das políticas de grande potência alemãs e lançou uma vigorosa campanha contra a banalização dos crimes nazistas nas universidades, que encontrou uma resposta significativa muito além da Alemanha. Os principais meios de comunicação da Alemanha lançaram uma campanha de difamação sem precedentes contra os “trotskistas muito eficazes” (nas palavras do Frankfurter Allgemeine Zeitung). Essa campanha foi seguida pela inclusão do SGP no relatório anual do Verfassungsschutz em 2018.

Acontecimentos recentes confirmam o significado da luta do SGP e mostram do que realmente se trata o caso. Os tanques alemães estão novamente se movimentando contra a Rússia, as forças armadas alemãs (Bundeswehr) estão sendo equipadas com o terceiro maior orçamento militar do planeta, o custo da guerra deverá ser transferido para a classe trabalhadora e qualquer um que se oponha a isso deverá ser silenciado. O retorno do militarismo é incompatível com os direitos democráticos para a população em geral.

É por isso que o governo tem apoiado completamente o Verfassungsschutz. Quando o SGP apresentou uma denúncia contra a sua inclusão no relatório anual do Verfassungsschutz, o ministério do Interior reagiu com um documento de 56 páginas, que estava mais próximo de um furioso discurso contra as idéias socialistas do que de um documento legal, e poderia ter sido escrito na sede do AfD. Nele, o governo declara anticonstitucionais todas as políticas que se referem a antagonismos de classe objetivos, criticam o exército e os serviços secretos como antidemocráticos, ou se referem positivamente a Marx, Engels, Lenin ou Trotsky.

Em 13 de dezembro de 2021, o tribunal administrativo de Berlim apoiou completamente essa argumentação autoritária e foi até mesmo além dela. Em 9 de maio de 2022, o tribunal administrativo superior também rejeitou o recurso do SGP contra essa decisão e manteve os ataques autoritários e ditatoriais contra os direitos democráticos básicos. A sentença e sua confirmação carecem de qualquer base legal e são puramente de motivação política.

O que o governo e os tribunais querem banir

O governo e os tribunais estão reagindo com extremo nervosismo à crescente oposição ao seu curso pró-guerra, às suas políticas de “lucro antes da vida” na pandemia, à inflação desenfreada, às demissões em massa e às condições insustentáveis nos hospitais e escolas. Eles sabem que a maioria rejeita essas políticas, e temem uma explosão social. Por isso recorrem às tradições mais diretas do Estado autoritário e à sua crença de que podem simplesmente proibir essa oposição. A justificativa pseudojurídica para isso remete às piores tradições da história alemã.

O governo e os tribunais declaram as seguintes posições como anticonstitucionais:

  • De acordo com os tribunais, não pode haver nenhum partido na Alemanha que se refira positivamente a Karl Marx ou Friedrich Engels. Segundo a decisão do tribunal administrativo, porque o SGP “não emprega a reflexão histórica, mas persegue uma agenda política baseada nos escritos de Marx, Engels, Trotsky e Lenin”, ele é dirigido contra a ordem básica democrática livre.
  • Em particular, “o pensamento de classe marxista e a propagação da luta de classes” são declarados incompatíveis com a constituição. Enquanto trabalhadores em todo o mundo se rebelam contra a desesperadora desigualdade social, cortes salariais, inflação e demissões em massa, qualquer um que saúde e apoie tais protestos será criminalizado. Nessa linha, somente os partidos que apunhalam as lutas dos trabalhadores pelas costas e as suprimem em nome da “parceria social” seriam legais.
  • Além disso, qualquer “agitação contra o suposto 'imperialismo' e 'militarismo'” e qualquer “rejeição dos Estados nacionais e da União Européia” devem ser colocados na lista das organizações proibidas. O tribunal administrativo declarou inconstitucional até mesmo “denegrir” a Bundeswehr e o serviço secreto, chamando-o de “antidemocrático e direcionado contra a população”.
  • Finalmente, qualquer dúvida sobre a legitimidade democrática dos órgãos do Estado deve ser criminalizada. De acordo com o tribunal administrativo superior, quando o SGP declarou que não pode existir democracia sem socialismo e socialismo sem democracia, isso evidenciou uma “compreensão da democracia que se desvia da ordem básica democrática livre”. Dessa forma, os tribunais e o governo rotulam como inimigo da constituição qualquer um que levante a questão do poder dos bancos e das corporações sobre a política ou que exija a democratização da economia.

Essas proibições não afetariam apenas o SGP, mas inúmeras organizações e partidos. Até 1989, até mesmo o programa do SPD (Partido Social Democrata) ainda declarava: “O socialismo só é realizado através da democracia, a democracia cumprida através do socialismo”. Além disso, livrarias que distribuem literatura marxista, trabalhadores em greve por salários mais altos ou ativistas pela paz poderiam ser criminalizados com uma assinatura.

O odor do fascismo

Ao proibir o marxismo e a luta de classes, o governo e os tribunais estão seguindo o mesmo raciocínio que Bismarck uma vez usou para justificar suas leis antissocialistas contra o SPD. Essas leis eram dirigidas contra qualquer organização na qual “as aspirações socialdemocratas, socialistas ou comunistas que visam a derrubada do Estado ou da ordem social existente se manifestam de forma a colocar em perigo a paz pública, especialmente a harmonia de classes da população”.

Essa harmonia de classes imposta pelo Estado também estava no coração da Volksgemeinschaft nazista, a “comunidade do povo” racialmente pura. Durante a queima de livros em maio de 1933, enquanto o fogo se instalava, foi gritado: “Contra a luta de classes e o materialismo, pela Volksgemeinschaft e uma atitude idealista em relação à vida! Entrego às chamas os escritos de Marx e Kautsky”.

Assim como seus antepassados históricos, o governo e os tribunais se opõem hoje não apenas às idéias socialistas, mas aos princípios básicos de uma sociedade democrática, que são incompatíveis com as suas políticas pró-guerra e com o saque da classe trabalhadora. Assim, eles declaram que mesmo a maioria da população pode não alterar fundamentalmente os órgãos do Estado, pois eles representam a “vontade de todo o povo”. Portanto, a demanda do SGP de criar órgãos novos e verdadeiramente democráticos é considerada inconstitucional.

Essa lógica absurda, ao contrário da constituição, “coloca o Estado no centro, e não a dignidade humana”, como afirmou o SGP na fundamentação da sua denúncia constitucional. Ela segue a lógica do fascismo, que coloca a autoridade incondicional do Estado acima dos direitos democráticos dos cidadãos.

Defender o SGP!

O retorno a essas tradições fascistas está diretamente ligado à política militarista de grande potência do governo. Ela deve ser vista no contexto da guinada internacional às formas ditatoriais de governo. Em cada país, as elites governantes estão impondo seu programa impopular de guerra e ataques sociais e empregando cada vez mais abertamente medidas autoritárias. A tentativa de golpe de Estado de Donald Trump e a recusa dos democratas em agir contra ele mostram até que ponto esse processo já avançou nos EUA.

Na Alemanha, o governo está colocando em prática o programa do AfD fascista com suas severas políticas contra os refugiados, o princípio do “lucro antes da vida” na pandemia e os enormes níveis de gastos com rearmamento. Com a iniciativa “ação concertada”, reunindo o governo, corporações e sindicatos, está sendo criada uma nova versão da Frente Alemã para o Trabalho de Hitler, que irá impor o roubo massivo dos salários e abrangentes demissões em massa contra a classe trabalhadora.

O ataque contra o SGP é parte dessa ofensiva. O objetivo é impedir que os trabalhadores se voltem para uma perspectiva socialista em suas lutas. A defesa do SGP é, portanto, um componente central da luta contra cortes reais nos salários, contra a política de imunidade de rebanho de deliberada infecção em massa e, acima de tudo, contra a guerra e o retorno ao militarismo alemão.

Os direitos democráticos básicos sempre tiveram que ser defendidos na Alemanha contra o Estado autoritário ‒ e pelo próprio movimento dos trabalhadores marxista que deve ser criminalizado mais uma vez. Mesmo a limitada ordem parlamentar da República de Weimar só pôde ser estabelecida em 1919 após os conselhos de trabalhadores e de soldados terem derrubado o Kaiser. No final, apenas os partidos dos operários que votaram contra a nomeação de Hitler como Chanceler da Alemanha. Na época, os trotskistas defenderam uma perspectiva de frente unida, mobilizando trabalhadores leais ao SPD e ao KPD (Partido Comunista), que teria sido capaz de deter os nazistas.

Hoje, a defesa dos direitos democráticos básicos também depende de uma ampla mobilização. Portanto, chamamos novamente todos aqueles que querem defender os direitos democráticos e enfrentar o perigo da direita para que apoiem a denúncia constitucional do SPD. Assine nossa petição em change.org, entre em contato com o World Socialist Web Site e compartilhe esta declaração entre seus amigos e conhecidos.

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