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Ações afirmativas e o direito à educação: uma resposta socialista

Publicado originalmente em 3 de maio de 2001

Decisões conflitantes de dois juízes federais sobre ações judiciais contra as políticas de ação afirmativa da Universidade de Michigan (U-M) podem muito bem abrir o caminho para a Suprema Corte dos EUA julgar o assunto pela primeira vez em 23 anos.

O juiz Bernard Friedman decidiu em 27 de março que a política de ingresso na Faculdade de Direito da U-M a partir de ações afirmativas é inconstitucional. Ele declarou que a promoção da diversidade racial entre os estudantes não é um “interesse primordial do Estado”, e que os procedimentos de ingresso que dão preferência a determinados grupos raciais ou étnicos a fim de alcançar tal diversidade violam a 14ª Emenda à Constituição e a Lei dos Direitos Civis de 1964.

Três meses antes, o juiz Patrick Duggan defendeu a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa para ingresso de alunos mesma universidade. Duggan, assim como Friedman, foi nomeado para a Suprema Corte por Ronald Reagan, mas ele fez uma leitura diametralmente oposta da Constituição, defendendo que a diversidade é precisamente “um interesse primordial do Estado”.

O conflito nas decisões é ainda mais acentuado porque o programa de ações afirmativas para o ingresso na U-M vai muito além do que o programa na Faculdade de Direito. No entanto, o primeiro programa foi considerado aceitável, enquanto o segundo foi rejeitado por ser excessivamente baseado em raça. Ambas as decisões serão contestadas para um tribunal de apelação e, finalmente, para a Suprema Corte.

Os questionamentos legais à política de ações afirmativas levantam uma questão fundamental: em que base pode ser travada uma luta para defender o direito a uma educação universitária de qualidade e contra a discriminação racial? Como colocada pela mídia, por políticos democratas e republicanos e por muitas organizações universitárias, a questão se reduz à possibilidade de ser a favor ou contra as ações afirmativas. A continuidade da política existente ações afirmativas é geralmente retratada como a única maneira de se opor ao ataque ao acesso educacional para estudantes de grupos minoritários que está sendo feito por políticos de direita e organizações como o Centro pelos Direitos Individuais (CIR), que entrou com as duas ações judiciais contra a Universidade de Michigan.

Dessa forma, o debate é inteiramente restrito à questão de raça. Esta abordagem é consistente com o tratamento usual das questões sociais nos Estados Unidos, onde raça é apresentada como a principal divisão da sociedade, e o conflito mais fundamental entre as classes sociais e os níveis de desigualdade econômica que atingem todas as raças e etnias são ocultados.

O racismo e outras formas de discriminação certamente existem na sociedade americana, e desempenham um papel extremamente retrógrado. A luta contra o racismo requer, no entanto, um programa para eliminar as causas profundas da desigualdade social, que estão na estrutura social do capitalismo americano, e não em preconceitos supostamente existentes desde tempos imemoriais na mente dos homens.

O ataque ao direito a uma educação de qualidade é dirigido não simplesmente aos estudantes de grupos minoritários, mas aos jovens da classe trabalhadora como um todo. Grupos de direita como o CIR têm o objetivo de voltar o sistema educacional ao modelo existente antes da Segunda Guerra Mundial, quando os campi universitários eram reservados para os filhos e filhas dos ricos, quando a classe trabalhadora e a juventude de grupos minoritários praticamente não tinham acesso ao ensino superior. Um movimento que visa se opor a este ataque e afirmar o direito de todos a uma boa educação deve tomar como ponto de partida as divisões básicas de classe na sociedade e fazer uma avaliação crítica das políticas baseadas em raça associadas às ações afirmativas.

O ataque ao direito à educação

Durante as últimas décadas, as barreiras que impedem o acesso das grandes massas às melhores instituições educacionais têm aumentado de forma constante. O aumento do custo para cursar universidades públicas e privadas nas últimas duas décadas é duas vezes maior do que a taxa de inflação. Nos últimos 10 anos, o custo para cursar uma universidade pública aumentou 79%, enquanto no mesmo período a renda familiar média aumentou apenas 38%.

A mensalidade média (não incluindo despesas de moradia e outras) para uma universidade pública é de US$ 3.500. Para uma escola privada, é mais de US$15.000. As despesas das escolas de elite podem ser muito maiores. A Universidade de Michigan é uma das universidades públicas mais caras do país, com mensalidades para moradores do estado sendo o dobro da média nacional. Para estudantes fora do estado, a mensalidade é superior a US$ 20.000 por ano, comparável à das escolas privadas de elite. Para tais escolas, o custo total de cursar uma faculdade pode atingir até US$30.000 ou US$40.000 anualmente.

A grande maioria das famílias da classe trabalhadora não consegue bancar esses custos, mesmo com ajuda financeira. Aqueles que frequentam faculdades caras geralmente possuem enormes dívidas quando se formam. Embora os custos tenham disparado, a porcentagem de assistência disponível na forma de bolsas de estudo para estudantes de baixa renda tem diminuído de forma constante. No ano passado, a ajuda total disponível de todas as fontes aumentou em 6%, mas a maior parte disso veio através de empréstimos federais, estatais ou privados.

Como consequência, somente uma elite relativamente privilegiada e setores da classe média geralmente frequentam as universidades de maior prestígio. Um estudo publicado pelo Departamento de Educação constatou que os estudantes pobres tinham menos chances de frequentar a faculdade do que os estudantes ricos, mesmo que tivessem altas notas nas provas de vestibular. Entre os estudantes de alta pontuação e de baixa renda que decidiram não frequentar a faculdade, 57% disseram que isso acontecia porque não tinham dinheiro. Em geral, os jovens de famílias de alta renda são muito mais propensos a prosseguir seus estudos além do ensino médio.

Os altos custos não são o único meio de garantir que o ensino superior seja reservado principalmente para a elite. O ensino fundamental em áreas urbanas e rurais pobres tem sofrido uma deterioração prolongada, tornando extremamente difícil para a maioria da trabalhadora até mesmo conseguir ingressar em escolas de ensino médio mais bem classificadas. Os cursos avançados geralmente não estão disponíveis, e a qualidade do ensino é baixa, dado que bons professores são difíceis de encontrar e os salários são muito baixos.

A decadência geral do interior das cidades, onde a maioria dessas escolas está localizada, é outro fator, assim como os problemas econômicos que os jovens das famílias da classe trabalhadora geralmente enfrentam. Tanto os republicanos quanto os democratas têm contribuído para este declínio. Em vez de apoiar a renovação do sistema escolar do país, eles falam da necessidade de aumentar as políticas de responsabilização através de mais avaliações externas e ameaças de fechamento de escolas, ou propõem políticas tais como vouchers escolares ou privatização de escolas que só têm exacerbado a crise.

O ensino superior como existe hoje na sociedade americana é um meio principal de manter a estratificação social, ou seja, de perpetuar as divisões de classe de geração em geração. Enquanto à maioria é negado o acesso ao ensino superior, tal educação é um fator crucial para determinar o emprego futuro. As universidades de elite são em parte um campo de treinamento para a classe alta e as seções mais privilegiadas da classe média, um fato que se reflete nas disparidades de renda. Em 1998, os adultos com diplomas universitários ganhavam em média US$ 43.750 por ano, em comparação com US$ 23.600 para aqueles com apenas diplomas do ensino médio. Aqueles com pós-graduação (por exemplo, direito ou medicina) ganharam uma média de US$63.000.

Uma verdadeira melhoria na educação nos Estados Unidos exige um investimento público maciço no ensino fundamental, médio e superior. As escolas de ensino fundamental devem receber os recursos necessários para proporcionar uma educação de qualidade para todos. Os professores devem ser mais bem remunerados, o tamanho das turmas deve ser reduzido, os edifícios escolares devem ser melhorados e seus bairros vizinhos devem ser renovados. Aulas de reforço nas faculdades devem ser oferecidas a todos aqueles que sofreram com a decadência do ensino fundamental. Uma educação de qualidade em todos os níveis deve ser oferecida, sem custos e como um direito democrático básico, a qualquer pessoa que a deseje, independentemente de raça ou sexo. Em relação ao ensino superior, isso implica o fim do vestibular e o ingresso na universidade assegurado ao estudante.

Ações afirmativas e os direitos civis

Aqueles que defendem ações afirmativas e cotas raciais, por mais sinceros que sejam seus desejos de defender os direitos dos trabalhadores e da juventude de grupos minoritários, aceitam a estrutura da sociedade capitalista e o domínio da grande maioria dos trabalhadores por uma minúscula elite privilegiada. Eles inevitavelmente se adaptam à política produzida por esse sistema, que se baseia na divisão dos trabalhadores segundo raças, etnias, religiões e outros critérios para encobrir a divisão de classe fundamental da sociedade.

Uma das principais reivindicações de Jesse Jackson e dos vários grupos radicais que se uniram a ele é que as ações afirmativas foram uma conquista do movimento dos direitos civis dos anos 1960. De fato, as cotas raciais - por exemplo, desconsiderando os contratos federais para empresas de grupos minoritários - foram implementadas pela primeira vez pelo governo Nixon em 1969. Elas representaram uma tentativa consciente, em resposta aos tumultos urbanos e convulsões sociais dos anos 1960, de cultivar uma parte da população negra que apoiaria o status quo e ajudaria a reprimir os distúrbios sociais.

Enquanto a demanda básica do movimento de direitos civis era por maior igualdade social, implicitamente colocando questões que iam além da raça e exigindo ações também contra a desigualdade econômica, as políticas de ação afirmativa pretendiam ter um caráter puramente racial. O governo Nixon até avançou com o slogan “capitalismo negro” para enunciar seu objetivo de promover uma camada superior conservadora na população negra.

Desde aquela época, as medidas de ação afirmativa têm beneficiado principalmente uma pequena parcela dos grupos minoritários de classe média e alta. Durante as duas últimas décadas, os salários reais do trabalhador médio diminuíram mais de 10%, enquanto a posição social das minorias que vivem em regiões degradadas das cidades continuou a deteriorar-se. Em contraste, a renda dos funcionários, gerentes e executivos negros aumentou mais de 50%. Estes números apontam para divisões significativas dentro do grupo de minorias, entre uma seção privilegiada que constitui os mais ardentes defensores da ação afirmativa, e a grande maioria que sofre com a exploração e a decadência social.

A promoção das ações afirmativas pelo Partido Democrata prosseguiu no ritmo do abandono das políticas liberais reformistas que estavam associadas ao New Deal dos anos 1930 e à Grande Sociedade dos anos 1960. Durante os anos Clinton, os democratas se uniram aos republicanos para eliminar o bem-estar, demolir moradias públicas, reforçar os poderes da polícia e executar outras políticas prejudiciais às minorias e aos pobres. Estas políticas foram acompanhadas pelo cultivo de uma camada de empresários, acadêmicos e autoridades negros para supervisionar as condições cada vez mais desfavoráveis nos bairros de grupos minoritários dos Estados Unidos.

Quando a ação judicial contra a Faculdade de Direito da U-M foi apresentada pela primeira vez, um defensor das ações afirmativas, o Professor Bunyan Bryant, declarou explicitamente que não apoiava a igualdade social, mas procurava assegurar que as minorias obtivessem uma parte igual dos privilégios desfrutados pela elite econômica. Tais defensores das políticas raciais querem melhorar a posição das empresas, profissionais e acadêmicos de grupos minoritários, não da grande massa da população.

A mesma ideia básica foi expressa por uma das testemunhas de acusação, o professor Gary Orfield da Universidade de Harvard, que apontou que as universidades de elite “treinam os líderes de nossa sociedade e nossas profissões”. O que isso significa? Simplesmente que instituições como a Universidade de Michigan servem como campo de treinamento para gerentes, líderes corporativos e profissionais de elite, e que uma parte dos grupos minoritários deve fazer parte deste grupo.

A luta pela igualdade social

Tais comentários ressaltam o abismo entre a resposta dos liberais e dos socialistas à desigualdade social. Os liberais afirmam defender a “igualdade de oportunidades” - uma oportunidade para que minorias e jovens da classe trabalhadora se elevem dentro da hierarquia da sociedade capitalista (gestão empresarial, estrutura política, militares, etc.).

Os socialistas buscam uma verdadeira igualdade de condições de vida. Nosso objetivo não é criar “diversidade” dentro das hierarquias da sociedade capitalista, mas, em última instância, acabar com elas e criar uma sociedade livre de dominação de classe. Não se trata de integrar a classe dominante, mas de aboli-la.

De um ponto de vista socialista, a educação tem um significado democrático fundamental. Ela não é apenas um meio de acesso à riqueza e ao status, mas um objetivo em si, uma parte necessária do desenvolvimento de uma personalidade plenamente humana. Todo ser humano deve ser educado ao nível necessário para a vida em uma sociedade moderna e tecnologicamente avançada, o que significa nível universitário ou treinamento técnico avançado para praticamente todos.

Por isso, rejeitamos ações afirmativas, que se baseiam na premissa de que a alguns setores da população deve ser negado o acesso ao ensino superior, e simplesmente argumenta que esta privação deve ser racionada de forma diferente do que acontece atualmente. A exclusão de alguns jovens brancos de uma faculdade, a fim de incluir mais jovens de grupos minoritários, não tem nada a ver com “justiça”. Poder-se-ia também argumentar a favor de uma lei eleitoral privando uma certa porcentagem de brancos do direito de voto para compensar a menor taxa de participação entre de grupos minoritários na política, seja por causa da pobreza, analfabetismo, incapacidade de conseguir tempo fora do trabalho, falta de transporte ou discriminação direta.

As ações afirmativas não só não conseguem resolver o problema do racismo, como seu caráter discriminatório inevitavelmente exacerba as divisões raciais e coloca os trabalhadores e os jovens brancos e de grupos minoritários uns contra os outros lutando por um número insuficiente de oportunidades de trabalho ou educacionais.

Isto só pode ser manipulado pela direita, que procura evitar um movimento de baixo para cima, fomentando o racismo e promovendo uma agenda reacionária e antidemocrática entre camadas confusas de trabalhadores brancos e pessoas de classe média. A demagogia de direita sobre os “privilégios especiais” supostamente concedidos às minorias tem desempenhado um papel importante ao longo do último quarto de século, mascarando o crescimento espantoso da desigualdade econômica e desarmando a oposição popular aos enormes privilégios desfrutados por uma elite minúscula e inacreditavelmente rica.

As ações afirmativas são uma política de um setor da classe dominante americana, que considera a integração simbólica de suas principais instituições como um fator estabilizador, dando a essas instituições mais credibilidade contra qualquer contestação de baixo. Ela não expressa de forma alguma os interesses dos trabalhadores.

A juventude, se quer construir um movimento que possa criar mudanças genuínas e uma igualdade para todos, se procura defender e fazer avançar o direito democrático básico de que todos devem ter acesso a uma educação de qualidade, deve romper com as políticas de ação afirmativa. Ela deve avançar uma alternativa baseada nos interesses comuns de classe de todos os trabalhadores na luta pelo socialismo e pela igualdade genuína.

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