A cerimônia de posse do presidente eleito brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), marcada para 1º de janeiro, está sendo preparada sob a sombra de conspirações fascistoides no país.
As ameaças crescentes de violência de extrema-direita foram explicitadas na última semana com a revelação de um plano de ações terroristas por apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro, que não reconhece sua derrota eleitoral para Lula. O objetivo declarado das ações planejadas era impedir a transferência de poder ao governo eleito e abrir caminho a um golpe autoritário.
Na véspera do Natal, o fascista George Washington de Oliveira Sousa, de 54 anos, foi preso em Brasília após uma tentativa fracassada de atentado a bomba no aeroporto da capital brasileira.
Sousa confessou ter armado o explosivo, que ele disse ter sido plantado por outro homem, Alan Diego Rodrigues, em um caminhão-tanque que rumava ao Aeroporto Internacional de Brasília (BSB) carregado de querosene de aviação. A bomba foi removida nas imediações do aeroporto pelo motorista do caminhão, que identificou o objeto estranho e acionou a polícia. A perícia da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) concluiu que a bomba foi acionada, mas falhou por “um microdetalhe técnico no detonador”.
Em seu depoimento às autoridades, Sousa revelou ter planejado esta e outras ações similares, como a explosão de uma subestação de energia na capital, junto a outros apoiadores fascistas de Bolsonaro. Ele declarou que seu objetivo era “dar início ao caos” que “levaria à intervenção das forças armadas e a decretação de estado de sítio para impedir a instauração do comunismo no Brasil”.
O bolsonarista se identificou como gerente de postos de combustível e ex-paraquedista (supostamente do exército brasileiro). Ele foi preso num imóvel alugado em Brasília, há mais de mil quilômetros de sua residência.
Inspirado pelas “palavras do presidente Bolsonaro”, Sousa viajou à capital em 12 de novembro portando “duas escopetas calibre 12, dois revólveres calibre .357... um fuzil Springfield calibre .308, mais de mil munições de diversos calibres e cinco bananas de dinamite”, afirmou o relatório policial. Ele afirma ter investido 160 mil reais em seu arsenal, equivalente a cerca de três anos de sua renda declarada.
Sousa declarou que o propósito de sua ida Brasília era “participar dos protestos que ocorriam em frente ao [Quartel General] do Exército e aguardar o acionamento das Forças Armadas para pegar em armas e derrubar o comunismo”. Ele disse que planejava distribuir parte de suas armas e munições a outros participantes desta mobilização fascista.
Esse movimento armado de extrema-direita, apesar de buscar se apresentar como uma iniciativa individual e espontânea, tem vínculos diretamente a Bolsonaro e sua entourage, e ao alto escalão militar e da polícia.
Nos últimos dois meses, o acampamento fascista em Brasília do qual Sousa participava foi foco de uma série de ações coordenadas por aliados de Bolsonaro para desafiar o resultado das eleições brasileiras. A ideia de que indivíduos como Sousa são atores políticos independentes é imediatamente refutada pelos registros destas ações.
Em 30 de novembro, Sousa e Alan Diego Rodrigues, seu cúmplice atualmente foragido, participaram de uma audiência no Senado organizada por políticos ligados ao presidente fascistoide como uma plataforma para promover sua teoria golpista de fraude eleitoral e advogar abertamente um golpe militar.
Nas redes sociais, Rodrigues exibe fotos pessoais ao lado dos políticos que organizaram esta ação, como os deputados Zé Trovão, do Partido Liberal (PL) de Bolsonaro, e Daniel Silveira do reacionário Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), anistiado pelo presidente fascistoide após ser condenado por agitar um golpe de Estado.
Nas vésperas da audiência no Senado, em 24 de novembro, a deputada Carla Zambelli (PL), uma das aliadas principais de Bolsonaro, visitou o acampamento fascista nas portas do Quartel General junto de seu marido, o Coronel Aginaldo de Oliveira, chefe da Força Nacional de Segurança Pública até março deste ano.
Discursando aos participantes do acampamento, Zambelli, que também é acusada de violência política durante as eleições de outubro, afirmou estar organizando “uma ação no Senado que vai mexer com as estruturas do Senado”. Ela complementou: “Contem com a gente. Enquanto vocês estão aqui saibam que existem pessoas trabalhando às vezes no bastidor ... e eu não vou descansar um segundo enquanto a gente não conseguir nossa liberdade”.
Em 12 de dezembro, duas semanas antes da ação que levou à prisão de Sousa, os membros deste acampamento fascista encenaram protestos violentos em Brasília contra o evento de diplomação do presidente eleito do PT. Enfrentado mínima intervenção da polícia, o pequeno grupo de manifestantes de extrema-direita atacou edifícios e ateou fogo em mais de uma dúzia de carros e ônibus pela capital. Vídeos mostram Rodrigues presente em diferentes momentos do dia, ora caminhando em meio a agentes policiais, ora em barricadas ou ao lado de veículos em chamas.
As ações violentas cometidas por esses soldados-rasos fascistas, tanto em 12 e 24 de dezembro, podem ser diretamente associadas às orientações políticas dadas por Bolsonaro nos dias anteriores.
Em seu primeiro discurso político extenso desde a derrota eleitoral em 30 de outubro, Bolsonaro se dirigiu a apoiadores em Brasília (provavelmente Rodrigues e Sousa entre eles) apenas três dias antes da diplomação de Lula. Sua fala instigou e deu legitimidade à violência fascista realizada nos dias posteriores. Bolsonaro declarou:
“Tenho certeza, entre as minhas funções garantidas na Constituição, é ser o chefe supremo das Forças Armadas. ... Sempre disse, ao longo desses quatro anos, que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo. As Forças Armadas, tenham certeza, estão unidas”.
Ele complementou: “Hoje estamos vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro e para onde eu vou são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara, o Senado, são vocês também.”
O silêncio de Bolsonaro após os atos de violência cometidos por seus apoiadores, como em ocasiões anteriores, é um sinal indiscutível de aprovação.
As Forças Armadas, às quais apelam tanto o presidente como seus apoiadores fascistas, também não se pronunciaram sobre os eventos. Esse silêncio é ainda mais alarmante diante da extraordinária manifestação do Comando das Forças Armadas sobre as mobilizações fascistas exigindo um golpe militar. Em 11 de novembro, os comandantes lançaram uma nota oficial caracterizando esse movimento como “manifestações populares” e afirmando o “compromisso irrestrito e inabalável” dos militares “com o Povo Brasileiro” e seu papel histórico como “forças moderadoras”.
A exacerbação das tensões políticas nos últimos dias levou a equipe de Lula a fazer preparativos e acordos inéditos para a cerimônia de domingo.
A equipe exigiu o fechamento da Esplanada dos Ministérios a partir de sexta-feira para o rastreamento de bombas, o emprego da Força Nacional de Segurança Pública e a mobilização de 8.000 agentes de segurança para o dia da posse. Está ainda em discussão se Lula desfilará num carro conversível, como é de costume no Brasil, ou num veículo blindado.
As mudanças de protocolo foram motivadas não apenas pelo temor de ações individuais de terrorismo, mas da participação direta dos órgãos de Estado e dos militares num possível golpe em Brasília.
A equipe de Lula decidiu retirar sua segurança pessoal das mãos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e reduzir drasticamente a tradicional participação do órgão na cerimônia de posse. O GSI é hoje comandado pelo General Augusto Heleno, que recentemente lamentou em público o fato de o presidente eleito, Lula, “não estar doente... infelizmente”.
Em outra decisão extraordinária, o ministro da Defesa escolhido por Lula, José Múcio Monteiro, negociou a antecipação da troca do comando da Marinha e do Exército, tradicionalmente realizada após a posse presidencial. A ação foi uma manobra preventiva em resposta a crescentes ameaças de insubordinação dos chefes militares ao novo governo.
A possibilidade de antecipar a troca de comando surgiu inicialmente como uma ameaça dos próprios chefes militares ao governo eleito. A escolha do favorito dos generais, Múcio, para a Defesa, elogiada na imprensa como um gesto de subordinação do governo do PT aos militares, teria supostamente feito a proposta recuar.
Contudo, a decisão, tomada às pressas na segunda-feira em meio a notícias de que o comandante da Marinha Almir Garnier estava inclinado a renunciar ao cargo, deixou claro que a crise do governo petista com os militares está longe de ser resolvida.
A atitude que Bolsonaro tomará no dia da posse permanece obscura. Os jornais anunciaram que, de acordo com seus aliados, ele não participará da cerimônia, rompendo os protocolos básicos da democracia brasileira e manifestando sua persistente contestação ao resultado das eleições.
Ao invés de participar do evento, há notícias de que o presidente brasileiro viajará ainda esta semana à Florida, onde passaria os próximos dias no complexo Mar-a-Lago de Donald Trump. As conexões entre a conspiração golpista de Bolsonaro no Brasil e os aliados de Trump, que promoveram a tentativa de golpe no Capitólio de Washington em 6 de janeiro de 2021, já foram bem estabelecidas.
Bolsonaro limitou-se a declarar, numa entrevista à CNN, que tanto a notícia de que realizaria uma reunião de despedida em Brasília na terça-feira, como que embarcaria para a Florida no dia seguinte eram “fake news”.