Português
Perspectivas

Espectro do socialismo assombra congresso dos EUA

Publicado originalmente em 3 de fevereiro de 2023

Um espectro está assombrando o congresso dos EUA: o espectro do socialismo.

Na semana passada, quando o congresso discutiu a aprovação de bilhões de dólares adicionais em armamentos para a guerra contra a Rússia e começou a negociar cortes em programas sociais antes do prazo de vencimento do teto da dívida, a sua Câmara dos Representantes discutiu durante três dias e adotou uma resolução denunciando o socialismo e se comprometendo a reverter todos os ganhos sociais obtidos pela classe trabalhadora em escala global desde a Revolução Russa de 1917.

A mídia apresenta a aprovação da resolução apenas como um plano de propaganda dos republicanos de extrema-direita, porém, ela é muito mais do que isso. Ao dedicar uma parte significativa da sua agenda legislativa a uma condenação do socialismo, o congresso dos EUA expressa o medo dentro da classe dominante de que um poderoso movimento socialista crie raízes na classe trabalhadora e oriente a onda emergente de greves e lutas sociais em uma direção revolucionária.

Presidente-eleito da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy da Califórnia, recebe martelo do líder de minoria da Câmara dos Representantes, Hakeem Jeffries de Nova York, no plenário do Capitólio dos EUA em Washington, 7 de janeiro de 2023. [AP Photo/Andrew Harnik]

A resolução de três páginas, intitulada “Denunciando os horrores do socialismo”, recita um século de mentiras sobre o socialismo propagadas por emigrados fascistas apoiadores do Exército Branco na Rússia, por Hitler e pela sociedade John Birch.

A votação foi esmagadora, com 328 votos a favor e 86 contra. Os republicanos votaram 219-0 a favor da resolução com uma maioria de democratas, 109 dos quais votaram a favor e 86 contra.

A resolução declara em seu início: “A ideologia socialista necessita de uma concentração de poder que decaiu todas as vezes em regimes comunistas, ordens totalitárias e ditaduras brutais”.

O documento afirma absurdamente que “dezenas de milhões morreram na Revolução Bolchevique”, omitindo o fato de que a Revolução Russa acabou com a carnificina imperialista da Primeira Guerra Mundial e que uma longa e sangrenta guerra civil foi desencadeada pelas 14 potências capitalistas que invadiram a Rússia para reverter a revolução.

A resolução diz que o socialismo é responsável pela “morte de mais de 100 milhões de pessoas no mundo inteiro”, um número inventado que, de forma reveladora, inclui as baixas alemãs durante a invasão nazista da União Soviética.

A realidade é que o responsável pelas mortes e pelo sofrimento social em massa é o sistema capitalista. Somente no século 20, duas guerras mundiais imperialistas resultaram na morte de 20 e 60 milhões de pessoas cada uma, e o Holocausto, em que 10 milhões foram exterminados. As guerras imperialistas na Coréia, Vietnã, Argélia, Angola, Iraque, Kosovo, Afeganistão, Líbia, Síria e outros lugares resultaram em outros milhões de mortos.

O sistema capitalista é responsável pela morte de 20 milhões de pessoas devido à pandemia de COVID-19, enquanto centenas de milhões enfrentam o risco real da fome todos os dias. Além disso, bilhões de vidas estão em risco devido à escalada da guerra contra a Rússia com armas nucleares liderada pelos EUA.

Em uma admissão defensiva do crescente interesse popular pelo socialismo, a resolução tenta manchar o socialismo associando ele ao Grande Terror stalinista de 1936-39 e aos Estados policiais stalinistas da Coréia do Norte e do Camboja, bem como aos alvos nacionalistas burgueses do imperialismo americano, tais como Cuba, Venezuela e Nicarágua.

A resolução conclui associando inequivocamente até mesmo as reformas sociais mais modestas ao socialismo: “Enquanto os Estados Unidos da América foram fundados sobre a crença na inviolabilidade do indivíduo, ao qual o sistema coletivista do socialismo em todas as suas formas é fundamentalmente e necessariamente oposto: Que seja adotada a resolução… de que o Congresso denuncia o socialismo em todas as suas formas e se opõe à implementação de políticas socialistas nos Estados Unidos da América”.

Essa é uma declaração política de guerra à classe trabalhadora e aos programas sociais conquistados ao longo de um século de luta social.

Segundo o Hill, antes que a resolução fosse votada na quinta-feira, o Comitê de Regras da câmara rejeitou uma proposta de emenda, introduzida pelos democratas, que teria esclarecido “que a oposição à implementação de políticas socialistas nos EUA não inclui programas federais como o Medicare e o Seguro Social”.

Isso não impediu que os democratas se juntassem aos seus “colegas” republicanos de extrema-direita votando a favor da resolução. Ao fazer isso, os democratas concordaram com a premissa que baseia a próxima campanha republicana de cortar programas sociais em nome da redução da “dívida”, assim como fizeram repetidamente por 50 anos.

Não é surpreendente que os principais democratas tenham desempenhado um papel ativo em forçar a aprovação da medida, incluindo o líder de minoria da câmara, Hakeem Jeffries, e a ex-presidente da câmara, Nancy Pelosi. Ambos declararam anteriormente que nunca fariam qualquer concessão aos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), que constitui uma fração do Partido Democrata e conta atualmente com cinco membros no congresso.

A aprovação da resolução explode a afirmação dos DSA de que o Partido Democrata pode ser transformado em um instrumento de reforma social. A resolução, apoiada por toda a liderança democrata na câmara e pela maioria dos representantes democratas da câmara, é um compromisso do partido de se opor a qualquer política que distribua riqueza para baixo ou interfira de qualquer forma na riqueza dos ricos.

Durante as primeiras semanas do 118º congresso, os DSA endossaram e legitimaram os líderes democratas que aprovaram a resolução contra o socialismo.

No mês passado, toda a plataforma dos DSA no congresso votou com os 15 membros para apoiar Hakeem Jeffries nas eleições à presidência da câmara. A congressista dos DSA, Alexandria Ocasio-Cortez, explicou que apoiou Jeffries e esperava que seu voto mostrasse que “os democratas estão unificados”. Isso foi apresentado como necessário no enfrentamento com os republicanos, mas o resultado é que os democratas e os republicanos se uniram contra o socialismo.

Alguns políticos endossados pelos DSA até mesmo votaram a favor da resolução, incluindo Ro Khanna, um co-representante nacional da campanha à presidência de Bernie Sanders em 2020. Os DSA descreveram Khanna em um guia de votação recente como “um aliado confiável na luta global contra o fascismo”, e um oponente do “financiamento corporativo”, concluindo: “Recomendamos que os eleitores o reelejam”. Toda a delegação democrata do estado de Nevada, onde os membros dos DSA atualmente lideram o partido a nível estadual, também votou a favor da resolução.

Conforme a liderança do Partido Democrata orquestrou a aprovação da resolução contra o socialismo, também promoveu os membros dos DSA no congresso a posições de liderança no alto escalão.

Na segunda-feira, Ocasio-Cortez anunciou que estava “entusiasmada” e “empolgada” por ter sido selecionada pela liderança democrata para o segundo cargo mais alto no Comitê de Supervisão da câmara. O próprio Jeffries disse na quinta-feira que estava nomeando Ilhan Omar, endossada pelos DSA, a uma posição de liderança no Comitê de Orçamento da câmara após os republicanos terem conduzido uma caça às bruxas para retirá-la do Comitê de Relações Exteriores.

A decisão do establishment político de elevar a importância dos DSA ao mesmo tempo em que denuncia o socialismo não é inconsistente. A ameaça do socialismo não vem dos DSA pró-capitalista e de seu abastado eleitorado de classe média. Ao contrário, a classe dominante conta com os críticos serviços, prestados pelos DSA, de capturar a oposição social e emprestar às suas políticas de direita um falso verniz de “esquerda”.

O que a classe dominante teme é que o movimento emergente da classe trabalhadora, expresso em uma série de poderosas greves nos EUA e o crescimento das greves e protestos sociais em escala mundial, quebre o domínio das burocracias sindicais, adquira um caráter autoconsciente e socialista, e interrompa os planos de escalada da guerra contra a Rússia e de financiar a guerra com cortes nas condições de vida.

Isso não irá acontecer automaticamente, e requer a intervenção consciente do movimento socialista mundial, representado hoje apenas pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional e pelos Partidos Socialistas pela Igualdade em todo o mundo.

Loading