Publicado originalmente em 3 de fevereiro de 2023
Um espectro está assombrando o congresso dos EUA: o espectro do socialismo.
Na semana passada, quando o congresso discutiu a aprovação de bilhões de dólares adicionais em armamentos para a guerra contra a Rússia e começou a negociar cortes em programas sociais antes do prazo de vencimento do teto da dívida, a sua Câmara dos Representantes discutiu durante três dias e adotou uma resolução denunciando o socialismo e se comprometendo a reverter todos os ganhos sociais obtidos pela classe trabalhadora em escala global desde a Revolução Russa de 1917.
A mídia apresenta a aprovação da resolução apenas como um plano de propaganda dos republicanos de extrema-direita, porém, ela é muito mais do que isso. Ao dedicar uma parte significativa da sua agenda legislativa a uma condenação do socialismo, o congresso dos EUA expressa o medo dentro da classe dominante de que um poderoso movimento socialista crie raízes na classe trabalhadora e oriente a onda emergente de greves e lutas sociais em uma direção revolucionária.
A resolução de três páginas, intitulada “Denunciando os horrores do socialismo”, recita um século de mentiras sobre o socialismo propagadas por emigrados fascistas apoiadores do Exército Branco na Rússia, por Hitler e pela sociedade John Birch.
A votação foi esmagadora, com 328 votos a favor e 86 contra. Os republicanos votaram 219-0 a favor da resolução com uma maioria de democratas, 109 dos quais votaram a favor e 86 contra.
A resolução declara em seu início: “A ideologia socialista necessita de uma concentração de poder que decaiu todas as vezes em regimes comunistas, ordens totalitárias e ditaduras brutais”.
O documento afirma absurdamente que “dezenas de milhões morreram na Revolução Bolchevique”, omitindo o fato de que a Revolução Russa acabou com a carnificina imperialista da Primeira Guerra Mundial e que uma longa e sangrenta guerra civil foi desencadeada pelas 14 potências capitalistas que invadiram a Rússia para reverter a revolução.
A resolução diz que o socialismo é responsável pela “morte de mais de 100 milhões de pessoas no mundo inteiro”, um número inventado que, de forma reveladora, inclui as baixas alemãs durante a invasão nazista da União Soviética.
A realidade é que o responsável pelas mortes e pelo sofrimento social em massa é o sistema capitalista. Somente no século 20, duas guerras mundiais imperialistas resultaram na morte de 20 e 60 milhões de pessoas cada uma, e o Holocausto, em que 10 milhões foram exterminados. As guerras imperialistas na Coréia, Vietnã, Argélia, Angola, Iraque, Kosovo, Afeganistão, Líbia, Síria e outros lugares resultaram em outros milhões de mortos.
O sistema capitalista é responsável pela morte de 20 milhões de pessoas devido à pandemia de COVID-19, enquanto centenas de milhões enfrentam o risco real da fome todos os dias. Além disso, bilhões de vidas estão em risco devido à escalada da guerra contra a Rússia com armas nucleares liderada pelos EUA.
Em uma admissão defensiva do crescente interesse popular pelo socialismo, a resolução tenta manchar o socialismo associando ele ao Grande Terror stalinista de 1936-39 e aos Estados policiais stalinistas da Coréia do Norte e do Camboja, bem como aos alvos nacionalistas burgueses do imperialismo americano, tais como Cuba, Venezuela e Nicarágua.
A resolução conclui associando inequivocamente até mesmo as reformas sociais mais modestas ao socialismo: “Enquanto os Estados Unidos da América foram fundados sobre a crença na inviolabilidade do indivíduo, ao qual o sistema coletivista do socialismo em todas as suas formas é fundamentalmente e necessariamente oposto: Que seja adotada a resolução… de que o Congresso denuncia o socialismo em todas as suas formas e se opõe à implementação de políticas socialistas nos Estados Unidos da América”.
Essa é uma declaração política de guerra à classe trabalhadora e aos programas sociais conquistados ao longo de um século de luta social.
Segundo o Hill, antes que a resolução fosse votada na quinta-feira, o Comitê de Regras da câmara rejeitou uma proposta de emenda, introduzida pelos democratas, que teria esclarecido “que a oposição à implementação de políticas socialistas nos EUA não inclui programas federais como o Medicare e o Seguro Social”.
Isso não impediu que os democratas se juntassem aos seus “colegas” republicanos de extrema-direita votando a favor da resolução. Ao fazer isso, os democratas concordaram com a premissa que baseia a próxima campanha republicana de cortar programas sociais em nome da redução da “dívida”, assim como fizeram repetidamente por 50 anos.
Não é surpreendente que os principais democratas tenham desempenhado um papel ativo em forçar a aprovação da medida, incluindo o líder de minoria da câmara, Hakeem Jeffries, e a ex-presidente da câmara, Nancy Pelosi. Ambos declararam anteriormente que nunca fariam qualquer concessão aos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), que constitui uma fração do Partido Democrata e conta atualmente com cinco membros no congresso.
A aprovação da resolução explode a afirmação dos DSA de que o Partido Democrata pode ser transformado em um instrumento de reforma social. A resolução, apoiada por toda a liderança democrata na câmara e pela maioria dos representantes democratas da câmara, é um compromisso do partido de se opor a qualquer política que distribua riqueza para baixo ou interfira de qualquer forma na riqueza dos ricos.
Durante as primeiras semanas do 118º congresso, os DSA endossaram e legitimaram os líderes democratas que aprovaram a resolução contra o socialismo.
No mês passado, toda a plataforma dos DSA no congresso votou com os 15 membros para apoiar Hakeem Jeffries nas eleições à presidência da câmara. A congressista dos DSA, Alexandria Ocasio-Cortez, explicou que apoiou Jeffries e esperava que seu voto mostrasse que “os democratas estão unificados”. Isso foi apresentado como necessário no enfrentamento com os republicanos, mas o resultado é que os democratas e os republicanos se uniram contra o socialismo.
Alguns políticos endossados pelos DSA até mesmo votaram a favor da resolução, incluindo Ro Khanna, um co-representante nacional da campanha à presidência de Bernie Sanders em 2020. Os DSA descreveram Khanna em um guia de votação recente como “um aliado confiável na luta global contra o fascismo”, e um oponente do “financiamento corporativo”, concluindo: “Recomendamos que os eleitores o reelejam”. Toda a delegação democrata do estado de Nevada, onde os membros dos DSA atualmente lideram o partido a nível estadual, também votou a favor da resolução.
Conforme a liderança do Partido Democrata orquestrou a aprovação da resolução contra o socialismo, também promoveu os membros dos DSA no congresso a posições de liderança no alto escalão.
Na segunda-feira, Ocasio-Cortez anunciou que estava “entusiasmada” e “empolgada” por ter sido selecionada pela liderança democrata para o segundo cargo mais alto no Comitê de Supervisão da câmara. O próprio Jeffries disse na quinta-feira que estava nomeando Ilhan Omar, endossada pelos DSA, a uma posição de liderança no Comitê de Orçamento da câmara após os republicanos terem conduzido uma caça às bruxas para retirá-la do Comitê de Relações Exteriores.
A decisão do establishment político de elevar a importância dos DSA ao mesmo tempo em que denuncia o socialismo não é inconsistente. A ameaça do socialismo não vem dos DSA pró-capitalista e de seu abastado eleitorado de classe média. Ao contrário, a classe dominante conta com os críticos serviços, prestados pelos DSA, de capturar a oposição social e emprestar às suas políticas de direita um falso verniz de “esquerda”.
O que a classe dominante teme é que o movimento emergente da classe trabalhadora, expresso em uma série de poderosas greves nos EUA e o crescimento das greves e protestos sociais em escala mundial, quebre o domínio das burocracias sindicais, adquira um caráter autoconsciente e socialista, e interrompa os planos de escalada da guerra contra a Rússia e de financiar a guerra com cortes nas condições de vida.
Isso não irá acontecer automaticamente, e requer a intervenção consciente do movimento socialista mundial, representado hoje apenas pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional e pelos Partidos Socialistas pela Igualdade em todo o mundo.