Português

Evidências sobre “Abin paralela” cultivada por Bolsonaro mostram o apodrecimento da democracia brasileira

Nos dias 25 e 30 de janeiro, a Polícia Federal (PF) realizou buscas em residências e escritórios ligados ao esquema criminoso chamado de “Abin paralela”. O esquema é descrito como uma estrutura não oficial e secreta dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que opera pelo menos desde 2020, segundo ano do governo do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro. Pela primeira vez, agentes da PF fizeram buscas na casa de praia de Bolsonaro em Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro, à procura de documentos e aparelhos eletrônicos de seu filho Carlos, vereador na cidade do Rio de Janeiro e visto pelos investigadores como o chefe da “Abin paralela”.

Ex-presidente Jair Bolsonaro fala com a imprensa em frente à sede da Polícia Federal em Brasília em 18 de outubro de 2023 [Photo: Valter Campanato/Agência Brasil]

O esquema consistia na vigilância ilegal de pelo menos 1.500 pessoas, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), lideranças do Congresso e governadores de estado, entre eles tanto aqueles que se opunham ao ex-presidente Bolsonaro quanto, em alguns casos, aliados a ele. Embora a principal forma de vigilância tenha sido o uso ilegal do software First Mile, de fabricação israelense, para rastrear remotamente a localização dos indivíduos espionados, campanas também foram destacados para seguir e monitorar um número desconhecido de alvos.

Desde 20 de outubro de 2023, quando o esquema veio à tona, as operações tiveram como alvo principal os agentes da Abin envolvidos no uso do First Mile, um software capaz de seguir os movimentos de um indivíduo através da invasão das redes telefônicas e de Internet do país. O software não é capaz de interceptar comunicações, e a própria Abin é ostensivamente proibida de fazê-lo por lei. Mas o rastreamento de movimentos ainda exigiria uma autorização judicial, e os 1.500 indivíduos alvejados foram espionados sem nenhum procedimento formal dentro da agência, muito menos comunicação formal a outros órgãos encarregados de supervisionar a Abin, entre eles o judiciário.

Na época, a PF não havia apontado nenhuma ligação formal do esquema com funcionários nomeados por Bolsonaro. No entanto, o abuso de poder, por parte de Bolsonaro, para atingir opositores e livrar-se de acusações criminais por meio da Abin já era dado como certo desde pelo menos 22 de abril de 2020, quando o ex-presidente gabou-se de ter “sua inteligência particular” em uma reunião ministerial gravada.

As operações de janeiro confirmaram tais suspeitas de forma definitiva. O alvo principal da primeira, em 25 de janeiro, foi o deputado federal pelo Rio de Janeiro Alexandre Ramagem, do Partido Liberal (PL) de Bolsonaro. Ramagem é um agente de carreira da PF, nomeado por Bolsonaro para chefiar a Abin em 2020. Ele conquistou sua cadeira na Câmara nas eleições gerais de 2022 após uma campanha baseada na lealdade política ao ex-presidente. A PF encontrou em sua posse dispositivos da Abin oficialmente registrados como estando sob a custódia da agência.

A segunda operação, no dia 30, teve como alvo vários endereços ligados a Carlos Bolsonaro, incluindo seu escritório no prédio da Câmara Municipal do Rio e a casa de Angra dos Reis, onde toda a família Bolsonaro, incluindo o ex-presidente, estava passando férias. Os Bolsonaros deixaram a propriedade em três jet-skis pouco antes da batida, e a PF suspeita de um vazamento para beneficiá-los. Vários celulares e laptops foram apreendidos.

A investigação da PF descobriu que entre os objetivos da “Abin paralela” estava a produção de evidências para apoiar as falsas acusações de Bolsonaro de fraude nas urnas eletrônicas. Essas alegações estavam no centro de sua tentativa de permanecer no poder após a derrota nas eleições presidenciais de 31 de outubro de 2022, que levou ao ataque de seus apoiadores fascistas a Brasília em 8 de janeiro de 2023. A espionagem ilegal também reuniu “contrainteligência” sobre autoridades que lideram investigações de corrupção contra a família Bolsonaro, possivelmente para ser usada para chantageá-las.

Em um dos casos mais proeminentes, o esquema espionou os promotores do caso ainda não resolvido do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2017. O assassinato foi cometido por membros das “milícias” cariocas, gangues compostas por policias aposentados ou de folga, mas até o momento nenhum mandante foi encontrado. Bolsonaro tem amplos vínculos com o submundo do crime do Rio e com os policiais de extrema-direita que lideram as milícias, as quais originaram-se em esquadrões da morte de caráter político organizados durante a ditadura militar apoiada pelos EUA de 1964-1985.

A linha de investigação da PF é que Ramagem e Carlos Bolsonaro eram chefes de diferentes “núcleos” do esquema de espionagem ilegal. Um desses “núcleos” estava encarregado de monitorar ministros do STF para tentar vinculá-los à maior gangue de tráfico de drogas do Brasil, o PCC, registrando suas reuniões com advogados de direitos humanos acusados pela extrema-direita de serem laranjas do PCC.

Entre as pessoas seguidas por campanas está o atual ministro da Educação, Camilo Santana, um aliado próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). Espiões da Abin foram posicionados do lado de fora de sua casa particular em Fortaleza enquanto Santana era governador do estado do Ceará. Lá foi organizada uma série de reuniões que precedeu o lançamento da candidatura presidencial de Lula em 2022. Senadores que lideraram a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a política de “imunidade de rebanho” de Bolsonaro durante a pandemia de COVID-19 em 2021 também foram espionados.

Entre os aliados de Bolsonaro, seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, foi um dos alvos. Mais tarde, Torres foi nomeado secretário de Segurança Pública de Brasília, cargo que ocupava durante o ataque fascista à capital em 8 de janeiro de 2023. Ele foi preso pouco tempo depois por cumplicidade na retirada de tropas policiais que permitiu que a turba fascista invadisse os principais prédios do governo.

Bolsonaro ainda não foi citado nas investigações, mas em 2 de fevereiro o site de notícias UOL revelou que a PF tem evidências de que Bolsonaro recebeu informações coletadas pela “Abin paralela”.

Apesar de todos os esforços do establishment político e, acima de tudo, do governo do PT, para atribuir toda a culpa das revelações a Bolsonaro, as investigações da PF estão apenas tocando a superfície de uma vasta e profunda conspiração do Estado burguês brasileiro contra os direitos democráticos.

As batidas de 20 de outubro trouxeram à tona grandes divisões dentro do aparato estatal, com funcionários da Abin reclamando extraoficialmente que a PF abusou de suas competências ao realizar uma operação dentro da sede da agência. Agora, a PF afirma que uma reunião de emergência da diretoria da Abin no mesmo dia das batidas contra Ramagem poderia ser considerada obstrução de justiça, implicando toda a agência e não apenas os membros do esquema secreto de espionagem. Ao mesmo tempo, a associação que representa os espiões da Abin pediu publicamente que as autoridades contivessem o vazamento de informações da investigação, afirmando que a divulgação pública de quem era alvo da agência poderia afetar sua reputação entre as organizações internacionais de espionagem com as quais coopera. A crise pode se aprofundar se, como se suspeita, diplomatas estrangeiros também forem citados entre os alvos da espionagem ilegal.

Enquanto os vários setores do Estado brasileiro, do Exército à polícia e à Abin, tentam culpar uns aos outros pela espionagem ilegal, o que está sendo revelado é a podridão que permeia toda a estrutura democrático-burguesa produzida pela chamada “Constituição Cidadã” de 1988.

A crise da Abin também está expondo a colaboração crucial das grande empresas capitalistas na montagem do aparato repressivo do Estado, cujo alvo fundamental é a classe trabalhadora brasileira. Em 31 de janeiro, a Folha de S. Paulo revelou que os três maiores provedores de telefonia e internet do país, Tim, Vivo e Claro, estavam cientes de que seus dados haviam sido hackeados pelo software First Mile, mas decidiram não relatar o fato ao órgão regulador das comunicações no país, a Anatel.

O esforço de Bolsonaro para espionar e chantagear oponentes, bem como para resguardar os inúmeros laços de sua família com o crime organizado, só poderia prosperar no ambiente de profunda hostilidade aos direitos democráticos que prevalece entre a elite capitalista brasileira e dentro de seu aparato estatal.

À medida que a crise capitalista internacional se aprofunda e a classe dominante brasileira prepara-se para confrontos decisivos com a classe trabalhadora, a máscara democrática de um Estado construído para a proteção dos interesses de uma pequena oligarquia capitalista está caindo. Nesse contexto, o PT e as frações alinhadas ao partido dentro do establishment político e do sistema judiciário estão, acima de tudo, empenhados em evitar que as disputas internas do Estado sejam expostas, comprometendo o próprio domínio burguês no país.

A tentativa de resolver a crise por meio de disputas secretas dentro do Estado é sintetizada pelo abrangente inquérito sigiloso sobre as atividades da extrema-direita conduzido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que autorizou as últimas operações da PF. Enquanto isso, os criadouros fascistas em que Bolsonaro surgiu e prosperou, o Exército e as Polícias Militares, são promovidos pelo governo do PT como os principais guardiões da democracia.

Os trabalhadores brasileiros devem rejeitar completamente tal perspectiva. As últimas revelações mostram cada vez mais claramente que a luta por direitos democráticos e igualdade social é uma luta contra o próprio Estado capitalista.

Loading