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Apresentação para o encontro de Londres sobre o centenário do trotskismo

Genocídio em Gaza: o imperialismo desce ao abismo

As considerações a seguir foram feitas por David North, presidente do Conselho Editorial Internacional do World Socialist Web Site, em um encontro na Universidade Birkbeck, em Londres, em 18 de novembro de 2023, como parte de uma série internacional de palestras sobre Leon Trotsky e a luta pelo socialismo no século XXI. Esta palestra relaciona os princípios fundamentais do Comitê Internacional da Quarta Internacional à atual luta contra o genocídio sionista-imperialista em Gaza.

A Carta Aberta e as origens do Comitê Internacional

Setenta anos atrás, em 16 de novembro de 1953, uma “Carta aos trotskistas do mundo inteiro” foi publicada no The Militant, jornal do Socialist Workers Party (SWP - Partido Socialista dos Trabalhadores), que na época era a organização trotskista dos Estados Unidos. Publicada em nome do Comitê Nacional do partido, seu autor foi James P. Cannon, de 63 anos, o presidente nacional do SWP.

O Socialist Workers Party não era formalmente filiado à Quarta Internacional devido às leis anticomunistas dos Estados Unidos. Apesar dessa restrição técnica, a autoridade política de Cannon se sustentava sobre seu papel fundamental na fundação da Oposição de Esquerda Internacional em 1928, sua subsequente e estreita colaboração com Trotsky na luta pela Quarta Internacional e na preparação de seu congresso de fundação em setembro de 1938, seu papel central na luta dirigida por Trotsky contra a tendência revisionista pequeno-burguesa de Max Shachtman, James Burnham e Martin Abern em 1939-40 e, após o assassinato de Trotsky em agosto de 1940, no ambiente reacionário da Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos da Guerra Fria, sua defesa inabalável da herança programática da Quarta Internacional.

James P. Cannon

Mas, em 1953, Cannon enfrentou uma forte tendência revisionista no Secretariado Internacional da Quarta Internacional, representada por Michel Pablo e Ernest Mandel, que propunha o repúdio aos fundamentos programáticos essenciais do movimento trotskista. Como elementos centrais de seu revisionismo, Pablo rejeitava a posição de Trotsky sobre a natureza contrarrevolucionária do stalinismo e a perspectiva de construção da Quarta Internacional como o Partido Mundial da Revolução Socialista. Pablo e seu acólito, Mandel, defendiam a liquidação das seções da Quarta Internacional nos partidos stalinistas de massa ou, conforme a correlação de forças em um determinado país, nos movimentos radicais socialdemocratas, nacionalistas burgueses e pequeno-burgueses.

Nos Estados Unidos, os seguidores de Pablo promoveram esse programa liquidacionista sob a bandeira “Para o lixo o velho trotskismo”. Eles ridicularizaram Cannon e a direção veterana do SWP como “peças de museu” cuja defesa do “trotskismo ortodoxo” era politicamente irrelevante. Pablo não estava envolvido apenas em uma disputa de palavras. Ele utilizou sua posição no Secretariado Internacional para organizar frações antitrotskistas na Quarta Internacional e para expulsar indivíduos e até mesmo seções inteiras que se opunham à iniciativa dele de liquidar a Quarta Internacional como movimento revolucionário independente.

A concepção política que sustentava a luta de Pablo contra a Quarta Internacional era a sua concepção, contrária à análise de Trotsky, de que o stalinismo continuava sendo uma poderosa força revolucionária. Reagindo à pressão das massas e sob condições de uma guerra nuclear global, os stalinistas seriam obrigados a tomar o poder. O resultado desse processo seria a criação de “Estados operários deformados” que, após um período de vários séculos, evoluiriam de alguma forma para sociedades socialistas.

O fato de essa perspectiva bizarra ter atraído um número substancial de seguidores atestou não apenas a desorientação política que se desenvolvera na Quarta Internacional após a Segunda Guerra Mundial, mas também a influência crescente de uma pequena burguesia cada vez mais rica e politicamente autoconsciente, engajada em políticas radicais de esquerda.

Os princípios de fundação do CIQI

O ato de Cannon publicar o que ficou conhecido como “Carta Aberta” foi uma iniciativa política fundamental em defesa da Quarta Internacional. Com base em sua imensa experiência política, Cannon resumiu de forma concisa os princípios fundamentais do movimento trotskista. Ele escreveu:

1. A agonia mortal do sistema capitalista ameaça destruir a civilização, tornando cada vez piores as depressões, guerras mundiais e manifestações de barbárie, como o fascismo. O desenvolvimento das armas atômicas, hoje, enfatiza o perigo da forma mais grave possível.

2. A descida ao abismo só pode ser evitada substituindo o capitalismo pela economia planificada do socialismo em escala mundial, retomando, assim, a espiral de progresso aberta pelo capitalismo no seu início.

3. Isso só pode ser alcançado sob a direção da classe trabalhadora, a única e verdadeira classe revolucionária na sociedade. Mas a própria classe trabalhadora enfrenta uma crise em sua direção, apesar de a correlação entre as forças sociais nunca ter sido tão favorável como hoje para os trabalhadores se lançarem no caminho do poder.

4. Para organizar-se a fim de cumprir essa tarefa histórica mundial, a classe trabalhadora em cada país deve construir um partido socialista revolucionário segundo o modelo desenvolvido por Lenin; ou seja, um partido combativo capaz de combinar dialeticamente democracia e centralismo – democracia para tomar decisões e centralismo para levá-las a cabo; uma direção controlada pela militância, uma militância capaz de seguir adiante, sob o fogo, de maneira disciplinada.

5. O principal obstáculo a isso é o stalinismo, que atrai os trabalhadores explorando o prestígio da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, para depois, traindo sua confiança, arremessá-los nos braços da socialdemocracia, na apatia, ou de volta às ilusões no capitalismo. Essa traição é paga pelos trabalhadores sob a forma de consolidação das forças fascistas e monarquistas, bem como da deflagração de novas guerras criadas e preparadas pelo capitalismo. Desde o seu início, a Quarta Internacional coloca como uma das suas principais tarefas a derrubada revolucionária do stalinismo dentro e fora da URSS.

6. A necessidade de táticas flexíveis para as muitas seções da Quarta Internacional e partidos ou grupos simpáticos ao seu programa torna ainda mais imperativo que eles saibam combater o imperialismo e todas as suas agências pequeno-burguesas (como as formações nacionalistas ou as burocracias sindicais) sem capitular para o stalinismo; e, por outro lado, que saibam combater o stalinismo (que em última análise é uma agência pequeno-burguesa do imperialismo) sem capitular ao imperialismo.

Esses princípios fundamentais estabelecidos por Leon Trotsky se mantêm totalmente válidos na política cada vez mais complexa e fluida do mundo atual. De fato, as situações revolucionárias que se abrem por todos os lados, como Trotsky previu, só agora proporcionam toda concretude ao que, em algum momento, podem ter parecido abstrações um tanto remotas, não intimamente ligadas à realidade viva da época. A verdade é que esses princípios agora se sustentam com força crescente tanto na análise política quanto na determinação do caminho da ação prática.

Setenta anos após sua publicação, a Carta Aberta mantém sua relevância inabalável como um resumo da situação política atual e das tarefas da Quarta Internacional, liderada pelo Comitê Internacional. O alerta de Cannon sobre o uso de armas nucleares e o perigo da barbárie fascista é ainda mais pertinente hoje do que em 1953.

A única grande mudança que se destaca é que a União Soviética não existe mais e os partidos de massa stalinistas foram varridos. É claro que, na medida em que as políticas reacionárias do stalinismo – de colaboração de classe, nacionalistas e antissocialistas – persistem sob novas formas políticas, o obstáculo que elas representavam para o movimento revolucionário da classe trabalhadora não desaparece.

A classe trabalhadora ainda enfrenta a traição sistemática e organizada das burocracias sindicais, das organizações reacionárias que ainda se intitulam “dos trabalhadores”, socialdemocratas e “verdes”, e dos inúmeros partidos e organizações de pseudoesquerda nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas – muitas delas originadas do repúdio pablista ao programa da Quarta Internacional. A crise da direção revolucionária ainda precisa ser resolvida.

Líderes da Oposição de Esquerda em 1927. Na frente, da esquerda para a direita: Leonid Serebryakov, Karl Radek, Leon Trotsky, Mikhail Boguslavsky, Evgeny Preobrazhensky. Atrás, da esquerda para a direita: Christian Rakovsky, Jacob Drobnis, Alexander Beloborodov e Lev Sosnovsky.

Mas não resta absolutamente nada da falsa, e politicamente desorientadora, identificação do stalinismo com a herança e o programa da Revolução de Outubro. O colapso do movimento stalinista de massa confirmou a luta iniciada por Trotsky um século atrás, com a fundação da Oposição de Esquerda, e substanciou a perspectiva política revolucionária mundial do Comitê Internacional da Quarta Internacional. Esses são fatos políticos de imensa importância na atual crise internacional do sistema capitalista mundial.

Descida ao abismo: o genocídio em Gaza

Estamos nos reunindo hoje em meio ao desdobramento do genocídio em Gaza. Essa é a concretização da “descida ao abismo” que a Carta Aberta alertava. O capitalismo, como Marx escreveu, emergiu historicamente “escorrendo sangue e sujeira por todos os poros, da cabeça aos pés”. E assim será o seu fim.

Bilhões de pessoas em todo o mundo estão indignadas com as imagens diárias das atrocidades cometidas pelo regime israelense com o apoio total de todas as potências imperialistas. Todas as invocações hipócritas de “direitos humanos” utilizadas pelos Estados Unidos e seus aliados da OTAN para justificar suas guerras – geralmente descritas como “intervenções humanitárias” – foram totalmente expostas e desacreditadas.

Todos os líderes imperialistas – Biden nos Estados Unidos, Trudeau no Canadá, Sunak na Grã-Bretanha, Macron na França, Scholz na Alemanha, Meloni na Itália – estão totalmente implicados como cúmplices de Netanyahu no assassinato em massa. Se fossem realizados julgamentos de crimes de guerra, eles não poderiam alegar, como alguns dos líderes nazistas tentaram ridiculamente em Nuremberg, que não estavam cientes das atrocidades cometidas pelo regime sionista israelense. Eles não estão apenas cientes, como também justificam e saúdam esses crimes.

O presidente Joe Biden é cumprimentado pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu após chegar ao aeroporto internacional Ben Gurion, quarta-feira, 18 de outubro de 2023, em Tel Aviv. [AP Photo/Evan Vucci]

Até 16 de novembro, haviam sido confirmadas mortes de 11.500 pessoas em Gaza, incluindo pelo menos 4.710 crianças. A taxa de mortalidade de crianças palestinas é muito maior do que a de qualquer outro conflito no século XXI. Além disso, mais de 29.800 palestinos foram feridos. Desprovido de meios de comunicação, o Ministério da Saúde de Gaza parou de contar o número de mortos e feridos. Desde 7 de outubro, os ataques israelenses assassinaram, em média, 320 habitantes de Gaza por dia. Se essa taxa permanece até hoje, é provável que o número de mortos seja superior a 13.000. Desse total, mais da metade são mulheres e crianças. O bombardeio em massa de Gaza destruiu ou danificou 40% das casas do norte da Faixa de Gaza e abalou seus sistemas de saúde, distribuição de alimentos e tratamento de água, claramente crimes de guerra de acordo com a lei internacional. E, embora a violência da máquina militar israelense tenha sido direcionada principalmente contra a população de Gaza, o exército e os colonos fascistas assassinaram aproximadamente 175 palestinos na Cisjordânia.

Que a investida israelense tenha um caráter genocida não há dúvidas. Isso é confirmado pelas declarações explícitas dos líderes israelenses. O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, declarou que qualquer pessoa que apoie o Hamas deve ser “eliminada”. Amihai Eliyahu, um parceiro de coalizão de Netanyahu e ministro do patrimônio de Israel, disse que lançar uma bomba nuclear sobre Gaza deveria ser uma opção. Galit Distel Atbaryan, até recentemente ministra das Informações de Israel, exigiu o apagamento de “toda a Gaza da face da terra” e o exílio forçado de seu povo no Egito.

No final de outubro, Craig Mokhiber declarou, ao se demitir de seu cargo de diretor do escritório de Nova York do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: “Esse é um caso exemplar de genocídio. O projeto colonial europeu, etno-nacionalista e de colonização da Palestina entrou em sua fase final, rumo à destruição acelerada dos últimos remanescentes da vida palestina originária na Palestina. Além disso, os governos dos Estados Unidos, do Reino Unido e de grande parte da Europa são totalmente cúmplices desse terrível ataque.” Volker Turk, o comissário das Nações Unidas para os direitos humanos, declarou em Genebra: “Rompeu-se o respeito mais básico pelos valores humanos. A morte de tantos civis não pode ser desprezada como dano colateral.”

Um homem senta-se sobre os escombros enquanto outros vagam entre os destroços de edifícios que foram alvo de ataques aéreos israelenses no campo de refugiados de Jabaliya, no norte da Faixa de Gaza, na quarta-feira, 1º de novembro de 2023. [AP Photo/Abed Khaled]

A invasão ao Hospital al-Shifa, que o regime de Netanyahu prometeu expor como um centro de operações militares do Hamas, somente produziu mais provas dos crimes contra a humanidade cometidos por Israel.

O grito de guerra do imperialismo: “sem cessar-fogo”

Diante das visíveis e irrefutáveis evidências diárias de violência desenfreada contra a população civil, as potências imperialistas têm rejeitado, repetida e enfaticamente, os pedidos de cessar-fogo. “Sem cessar-fogo” tornou-se o grito de guerra homicida dos aliados do regime israelense. Em seu lugar, os especialistas em eufemismos do governo dos Estados Unidos e seus aliados da OTAN inventaram a frase “pausa humanitária” – uma forma notável de descrever a recarga de armas e a recalibragem de alvos realizadas pelas forças militares israelenses.

O governo israelense e seus apoiadores imperialistas justificam a voracidade genocida como uma resposta legítima ao ataque lançado pelo Hamas em 7 de outubro. Antes de tudo, devemos ressaltar que não houve nenhuma investigação formal sobre os eventos daquele dia. Não há uma contagem exata do número de mortes, muito menos de como as vítimas perderam suas vidas. Não há informações confiáveis sobre quantas vítimas israelenses morreram nas mãos do Hamas e quantas morreram como consequência da retaliação maciça do exército israelense. Além disso, entre as perguntas não respondidas, incluem-se aquelas relativas a quanto o governo de Netanyahu, buscando um pretexto para um ataque a Gaza, ignorou deliberadamente informações de inteligência que indicavam algum tipo de operação sendo planejada pelo Hamas. Ainda que seja perfeitamente possível o regime de Netanyahu não ter previsto a escala da incursão em Israel, é difícil acreditar que as agências de inteligência de Israel, cujos agentes operam em Gaza e na Cisjordânia, estivessem totalmente alheias à preparação do Hamas para uma grande operação militar.

Certamente surgirão mais informações. Mas a tentativa do regime israelense de justificar suas ações atuais como uma resposta apropriada ao que ocorreu em 7 de outubro é fundamentalmente enganosa e, para ser franco, em grande parte passa longe da questão. Sua tentativa de justificar o ataque a Gaza como uma retaliação legítima ao ataque lançado pelo Hamas é mais um dos argumentos usados pelos opressores ao longo da história para justificar o esmagamento da resistência dos oprimidos.

Se me permitem, posso citar uma palestra que dei no mês passado na Universidade de Michigan:

A morte de tantas pessoas inocentes é um evento trágico. Mas a tragédia tem suas raízes em condições políticas e eventos históricos objetivos que tornaram esse evento inevitável. Como sempre, as classes dominantes rejeitam todas as menções às causas do levante. Seus próprios massacres e todo o sistema sangrento de opressão que eles presidem tão impiedosamente não podem ser mencionados.

Por que alguém deveria ficar surpreso com o fato de que décadas de opressão do regime sionista levaram a uma erupção explosiva de revolta? Isso já aconteceu no passado e, enquanto os seres humanos forem oprimidos e brutalizados, acontecerá no futuro. Não se pode esperar que aqueles que sofrem opressão, durante uma rebelião desesperada, quando suas próprias vidas estão vulneravelmente em jogo, tratem seus algozes com terna cortesia. Essas rebeliões geralmente são marcadas por atos de vingança cruel e sangrenta.

Muitos exemplos vêm à cabeça: o motim dos cipaios na Índia, a revolta dos indígenas de Dakota contra os colonos, a rebelião dos boxers na China, dos hereros no sudoeste da África e, no período mais recente, a revolta Mau Mau no Quênia. Em todos esses casos, os insurgentes foram denunciados como demônios e assassinos sem coração, e submetidos a uma retaliação brutal. Décadas, senão um século ou mais, tiveram que transcorrer até que eles fossem tardiamente homenageados como defensores da liberdade.

Incidentes terroristas como pretexto para guerra e repressão

Quanto ao uso calculado de um incidente terrorista como pretexto para a realização dos objetivos políticos de um governo, vários exemplos vêm à mente. Em 1914, a monarquia austro-húngara explorou a oportunidade criada pelo assassinato de seu arquiduque em Sarajevo para emitir um ultimato inaceitável à Sérvia e então entrar em guerra.

Em novembro de 1938, um refugiado polonês de 17 anos, residente em Paris, chamado Herschel Grynszpan, assassinou Ernst Von Rath, membro do corpo diplomático alemão. Ele cometeu esse ato para protestar contra as brutais políticas antijudaicas do regime nazista. Os nazistas aproveitaram o ato desesperado desse jovem para lançar um violento pogrom antijudaico em toda a Alemanha, conhecido como “Kristallnacht” [A Noite dos Cristais]. Mais de 100 judeus foram assassinados e 30 mil foram presos e enviados para campos de concentração. Cerca de 300 sinagogas foram destruídas e milhares de empresas de propriedade de judeus foram saqueadas.

Vista interna da Sinagoga Fasanenstrasse, Berlim, destruída e queimada na Kristallnacht [Photo: Center for Jewish History, NYC]

Muitos outros incidentes poderiam ser citados, como a tentativa de assassinato em Londres, em 3 de junho de 1982, do embaixador israelense na Grã-Bretanha, Shlomo Argov. O governo israelense usou esse evento como pretexto para lançar uma invasão em larga escala do Líbano, que chamou de “Operação Paz para a Galileia”, cujo objetivo era estabelecer uma zona de segurança no sul do Líbano.

Uma consequência dessa invasão foi o massacre realizado nos campos de refugiados palestinos conhecidos como Sabra e Shatila, localizados em Beirute. Os massacres foram realizados em um período de três dias, de 16 a 18 de setembro, por milícias fascistas cristãs libanesas aliadas a Israel. As forças israelenses, que haviam cercado Beirute, permitiram que os fascistas entrassem nos campos. Uma vez lá dentro, os fascistas massacraram – com a aprovação do ministro da Defesa israelense e, posteriormente, do primeiro-ministro Ariel Sharon – muitos milhares de refugiados palestinos.

Por fim, há a destruição das Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001, um evento obscuro, explicado como um “lapso de segurança” causado por uma “falha em ligar os pontos”, que foi usado pelo governo Bush para invadir o Afeganistão e o Iraque, expandir enormemente as operações militares dos Estados Unidos em todo o Oriente Médio e na Ásia Central, adotar a prática israelense de “assassinatos seletivos” e, nos Estados Unidos, criar o Departamento de Segurança Interna, aumentar o poder repressivo do Estado e corroer os direitos democráticos dos americanos.

Apesar do apoio irrestrito à invasão israelense, potencializado por uma campanha massiva de propaganda na mídia, o genocídio foi recebido com um poderoso movimento internacional de protesto, de dimensões sem precedentes. Manifestações de dezenas e até centenas de milhares de pessoas foram organizadas em todo o mundo.

Em uma tentativa de desqualificar os protestos, Israel, seus governos aliados e, é claro, as organizações pró-sionistas denunciaram essas manifestações como “antissemitas”. Essa é uma extensão e uma escalada dos esforços empreendidos nas últimas décadas para colocar esse rótulo em todos os que se opõem à opressão de Israel sobre os palestinos.

Considerando o fato de que as pessoas de origem judaica, e particularmente os jovens judeus, tiveram um papel excepcionalmente proeminente nas manifestações, especialmente nos Estados Unidos, que têm a maior população judaica fora de Israel, a alegação de antissemitismo pode ser vista como simplesmente absurda.

Ainda mais grave, dado o fato de que a oposição ao genocídio está sendo identificada – em decorrência da repetição incessante – como uma manifestação de antissemitismo, é razoável que se expresse temor pelo efeito do uso indevido e reacionário desse termo legitimando o sentimento antijudaico.

As origens do sionismo

As recentes motivações políticas por trás da campanha de difamação são óbvias. Mas a alegação de antissemitismo tem um significado que vai além do seu uso diretamente pragmático. A atribuição de antissemitismo a todos os que se opõem ao Estado israelense está enraizada na ideologia filosoficamente irracionalista e nacional chauvinista sobre a qual todo o projeto sionista se baseia desde que surgiu como um movimento político significativo no final do século XIX.

Tendo sido gradualmente libertados dos limites do gueto, em grande parte da Europa Ocidental e Central, pela disseminação do pensamento iluminista e pelo impacto político e social da Revolução Francesa, a intelligentsia e a classe média judaicas associaram o progresso social e a conquista de direitos democráticos à integração da sociedade, e não à sua segregação. Eles queriam que sua religião fosse vista como um assunto privado e que, portanto, não afetasse seu status de cidadãos com plenos direitos democráticos. Um número significativo de judeus identificava cada vez mais sua própria luta por direitos democráticos como um elemento da – e subordinado a – luta histórica mundial, mais ampla e muito mais significativa, do proletariado contra a principal causa da opressão social no mundo moderno, o sistema capitalista.  

Além disso, a luta proletária pelo socialismo era intrinsecamente internacional e, portanto, transcendia e se opunha à priorização de qualquer forma de identidade religiosa, étnica ou nacional sobre a solidariedade universal da classe trabalhadora. É por isso que a atitude do movimento socialista em relação ao movimento sionista, tal como ele surgiu pela primeira vez no final dos anos 1880 e 1890, era de hostilidade irreconciliável.

Moses Hess em 1870 [Photo: Unknown]

A afirmação da primazia da raça sobre a classe foi declarada com veemência no livro De Roma a Jerusalém, de Moses Hess, publicado em 1862. A primeira figura importante a promover a perspectiva de um Estado judeu na Palestina, Hess – que exercera um papel significativo no início do movimento socialista, no começo da década de 1840, mas que fora desmoralizado pelas derrotas sofridas no final da década – declarou, em oposição direta à perspectiva de Marx: “Toda a história tem sido uma luta de raças e classes. As guerras raciais são o fator primário, as guerras de classe são o fator secundário.”

Em De Roma a Jerusalém, vários elementos essenciais da ideologia sionista já estão presentes. O primeiro, conforme declarado na afirmação que acabei de citar, é a primazia da raça sobre a classe.

O segundo é a insistência de Hess de que o Estado-nação é o fundamento essencial de toda a vida política e estrutura indispensável para a sobrevivência e o progresso dos judeus. “As massas populares judaicas”, escreveu ele, “só participarão do grande movimento histórico da humanidade moderna quando tiverem uma pátria judaica”.

O terceiro elemento essencial é a convicção pessimista e profundamente desmoralizada de que os judeus nunca poderão ser incorporados aos Estados europeus existentes. Acreditar que os judeus podem superar a perseguição e alcançar a emancipação total por meio da luta da classe trabalhadora europeia pelo socialismo era, segundo Hess, uma ilusão: “Por que nos enganar? As nações europeias sempre viram a existência de judeus em seu meio como uma anomalia. Sempre seremos estranhos entre as nações... Os alemães odeiam menos a religião judaica do que a raça judaica... Não será a reforma religiosa nem o batismo, não será o Iluminismo nem a emancipação que abrirá as portas da vida social para os judeus”.

O quarto elemento é a convicção de que a criação de um Estado judeu na Palestina só seria possível na medida em que fosse vista como vantajosa para os interesses de uma grande potência europeia. Para Hess, que vivia na Europa da década de 1860, essa potência era a França, na época governada pela ditadura reacionária do imperador Luís Bonaparte. A França, escreveu ele, “ajudará os judeus a fundar colônias que podem se estender de Suez a Jerusalém e das margens do Jordão ao Mediterrâneo”. No século XX, o movimento sionista viria a perseguir seus objetivos oferecendo seus serviços ao sultão turco, ao czar russo e, um pouco mais tarde, ao imperialismo britânico e, finalmente, ao americano.

Embora tenha permanecido relativamente desconhecido durante a vida de seu autor, o livro De Roma a Jerusalém, de Hess, antecipou muitas das concepções que definiriam a política do movimento sionista muitas décadas depois. Mais tarde, Theodore Herzl comentou que, se ele conhecesse o livro de Hess, não teria sido necessário escrever seu próprio Der Judenstaat, O Estado Judeu. No entanto, é preciso observar desde já que Herzl era, em todos os aspectos, intelectualmente inferior a Hess e, ao contrário deste último, que voltou a se envolver com o movimento socialista após a criação da Primeira Internacional, Herzl era hostil ao socialismo e a um movimento de trabalhadores classista e independente.

Oposição socialista ao sionismo

Os pogroms – violentos tumultos antijudaicos – que eclodiram no Império Russo em 1881 e continuaram em 1882, com o apoio do regime czarista, tiveram um efeito profundo na visão política de amplos setores da população judaica. Esses eventos sangrentos deram um impulso para um imenso aumento da atividade política entre os judeus. Foi durante esse período que o sionismo – que promovia o programa de imigração dos judeus para a Palestina – começou a atrair um número significativo de seguidores. Mas uma tendência muito mais forte foi o envolvimento da juventude judaica na política socialista. No final da década de 1890, as principais manifestações dessa atividade se deram no emergente Partido Operário Social-Democrata Russo e no socialista Bund, que buscava a organização política dos trabalhadores judeus de forma independente e com base na política socialista.

Ambas as tendências socialistas eram hostis ao movimento sionista, rejeitando enfaticamente sua pretensão de representar os interesses do povo judeu. É significativo que, na luta política entre sionistas e socialistas, a simpatia do regime czarista estava inteiramente com os primeiros. Ele via os sionistas como um aliado no combate à influência cada vez mais perigosa do movimento socialista entre os jovens judeus. O regime czarista simpatizava com o objetivo do projeto sionista: a emigração de judeus da Rússia para a Palestina.

O historiador Jossi Goldstein escreveu:

A atitude positiva das autoridades em relação às atividades do movimento sionista teve implicações de longo alcance. Ao contrário de seus rivais do socialista Bund, os ativistas sionistas não tiveram que se manter clandestinos, o que impediria a disseminação de seu movimento. O dinamismo característico dos anos de 1898 a 1900 foi, em grande parte, em consequência da legitimação concedida pelas autoridades. Assim, abriu-se para os líderes do movimento (os murshim) e outros organizadores um amplo campo de atividade que era negado a outros movimentos. Isso deu ao sionismo uma vantagem significativa sobre seus rivais na competição para atrair seguidores entre a população judaica.[1]

O argumento atual de que antissionismo é antissemitismo teria sido descartado como uma calúnia cruel e até mesmo uma loucura política, em uma época em que milhares de trabalhadores judeus e até mesmo setores substanciais da intelligentsia judaica de classe média direcionavam suas energias políticas para a luta pelo socialismo.

Membros do Bund com os corpos de seus companheiros, assassinados durante o pogrom de Odessa em 1905

Como Goldstein observou, “na propaganda do Bund, a principal ênfase eram as distinções de classe, com o sionismo representando a pequena e a média burguesias contra o Bund, que representava o proletariado judeu”.[2] A hostilidade do Bund contra o sionismo era tão profunda e de caráter tão fundamental que, no Quarto Congresso do Bund, em maio de 1901, “foi decidido pela primeira vez”, escreveu Goldstein, “lançar uma guerra até a morte contra o sionismo”.[3] As publicações do Bund alertavam que “o sionismo é apenas uma máscara por trás da qual se exploram os trabalhadores e se engana o povo trabalhador”. O Bund conclamou seus membros a se manterem afastados “das centenas de criaturas pestilentas que emergem do cadáver podre do sionismo e rastejam em direção ao proletariado para desviá-lo do caminho da luta de classes”.[4]

A hostilidade dos socialistas ao sionismo era, em grande parte, compartilhada por amplos setores da intelligentsia russa, que, como escreveu Goldstein, “atacavam o movimento sionista e abominavam suas ideias. A maioria deles desejava seu desaparecimento. Os motivos e as razões para a unânime frente antissionista da intelligentsia russa (...) se enraizavam no racionalismo, que determinou a formação teórica geral da intelligentsia no início do século XX. Para muitos, o sionismo ainda era utópico, ligado aos anseios de Sião e ao pensamento judaico escatológico, fora do mundo racional e intelectual. Herzl e seus semelhantes na Europa Ocidental eram considerados aliados da ortodoxia judaica, e não filhos do Iluminismo Ocidental”.[5]

O antissionismo de todas as seções do movimento socialista impediu que os sionistas fizessem incursões sérias na classe trabalhadora. “Desde o início”, escreve Goldstein na conclusão de seu ensaio histórico, “o movimento sionista atraiu principalmente membros da classe média judaica”.[6]

Os sionistas nunca adquiriram a base de massas necessária para o sucesso de seu projeto de colonização reacionária até que a catástrofe do Holocausto colocou à sua disposição várias centenas de milhares de pessoas apátridas e terrivelmente perseguidas, sobreviventes do genocídio nazista.

Colaboração sionista com os nazistas

Não há nenhum período da história – anterior à fundação de Israel em 1948 – que tenha exposto de forma tão completa o caráter reacionário do sionismo e seu argumento fraudulento de representante dos interesses do povo judeu quanto sua conduta durante a década de 1930. A importância das negociações políticas e comerciais entre os nazistas e os sionistas foi amplamente documentada pelos historiadores. Muitas das obras mais importantes sobre esse assunto foram escritas por historiadores judeus, entre os quais os mais renomados são Saul Friedlander e Tom Segev.

Após a ascensão de Hitler ao poder, as organizações sionistas tendiam a colaborar com os nazistas, chegando a argumentar que tanto o nazismo quanto o sionismo eram movimentos nacionais cujos princípios “völkisch” eram compatíveis.

Opondo-se a protestos em massa ou a um boicote econômico, os representantes sionistas da Alemanha e da Palestina reuniram-se com representantes do Terceiro Reich e, em 27 de agosto de 1933, fecharam um acordo econômico, conhecido como Haavarah, que, conforme explicado por Friedlander, “permitiu aos emigrantes judeus a transferência indireta de parte de seus bens e facilitou a exportação de mercadorias da Alemanha nazista para a Palestina”.[7]

Friedlander continuou:

Um dos principais ganhos que o novo regime esperava obter com a Haavarah era a quebra do boicote econômico dos judeus estrangeiros à Alemanha. (...) As organizações sionistas e a liderança do Yishuv (a comunidade judaica na Palestina) se distanciaram de qualquer forma de protesto ou boicote em massa para não criar obstáculos aos novos acordos. Mesmo antes da conclusão do Acordo de Haavarah, essa “cooperação” às vezes assumia formas bizarras. Assim, no início de 1933, o barão Leopold Itz Edler von Mildenstein, um homem que alguns anos depois se tornaria chefe da seção judaica do SD (o Sicherheitsdienst, ou serviço de segurança, o setor de inteligência da SS chefiado por Reinhard Heydrich), foi convidado, juntamente com sua esposa, a visitar a Palestina e escrever uma série de artigos para o Der Angriff, de Goebbels. E foi assim que os Mildensteins, acompanhados por Kurt Tuchler, um dos principais membros da organização sionista de Berlim, e sua esposa, visitaram assentamentos judaicos em Eretz Israel. Os artigos altamente positivos, intitulados “Um nazista visita a Palestina”, foram devidamente publicados e, para marcar a ocasião, um medalhão especial foi fundido com uma suástica de um lado e uma estrela de Davi do outro.

Em 22 de junho de 1933, os líderes da Organização Sionista para a Alemanha enviaram um memorando a Hitler, que declarava:

O sionismo acredita que o renascimento da vida nacional de um povo, que agora ocorre na Alemanha por meio da ênfase em seu caráter cristão e nacional, também deve ocorrer entre o povo judeu. Para o povo judeu, também, a origem nacional, a religião, o destino comum e um senso de singularidade devem ser de importância decisiva para sua existência. Isso exige a eliminação do individualismo egoísta da era liberal e sua substituição por um senso de comunidade e responsabilidade coletiva.

Mais tarde, os apologistas dos sionistas tentariam explicar essas declarações e a Haavarah como medidas de sobrevivência tomadas em condições desesperadoras, como se o triunfo do fascismo justificasse a colaboração. Na verdade, a reação dos sionistas à perseguição brutal dos judeus pelos nazistas, e até mesmo ao seu assassinato, foi determinada por cálculos de seu efeito sobre as perspectivas de emigração judaica para a Palestina. Como David Ben-Gurion, o líder do movimento sionista, declarou de forma infame:

Se eu soubesse que era possível salvar todas as crianças [judias] na Alemanha transportando-as para a Inglaterra, mas apenas metade delas transportando-as para a Palestina, eu escolheria a segunda opção – porque enfrentamos não apenas o acerto de contas dessas crianças, mas o acerto de contas histórico do povo judeu.[8]

David Ben-Gurion in 1959 [Photo: Fritz Cohen]

Ben-Gurion também expressou o temor, após o pogrom da Kristallnacht, de que o evento pudesse levar à simpatia internacional pela situação dos judeus, fazendo com que vários países relaxassem suas restrições à imigração e, assim, oferecessem aos judeus alternativas à Palestina.

Sionismo contra o Iluminismo: a metafísica do irracionalismo nacionalista

No entanto, a simpatia demonstrada pelas organizações sionistas ao nazismo não pode ser explicada apenas como uma manifestação de covardia e oportunismo tático grotesco. O sionismo, que surgiu como fruto do colonialismo imperialista e como inimigo do socialismo e de uma concepção científica da história e da sociedade, baseou-se necessariamente nos elementos mais reacionários da política e da ideologia nacionalistas.

Numa época em que a força motriz do progresso social tornava-se a luta revolucionária da classe trabalhadora internacional contra o capitalismo e o Estado nacional burguês, o sionismo fundamentava seu programa glorificando o princípio nacional como fundamento essencial da existência judaica. Todas as concepções da história oriundas do Iluminismo e dos movimentos socialistas posteriores, que solaparam o princípio da exclusividade nacional – especialmente aquelas que, com base na ciência e na razão, viam a identidade nacional como um fenômeno historicamente limitado e transitório, ligado a um estágio específico do desenvolvimento das forças produtivas e de sua relação com o mercado mundial – foram denunciadas como incompatíveis com o sionismo, não apenas com seu programa político, mas também do sionismo como única expressão da identidade judaica. Negar a legitimidade do sionismo era, portanto, negar o direito dos judeus à existência. 

Disso decorre a afirmação insidiosa de que a oposição ao sionismo, mesmo que o oponente seja judeu, é antissemita. Em um livro intitulado “Antissemitismo e suas origens metafísicas”, publicado em 2015 pela Cambridge University Press, o professor David Patterson – professor de história do Centro Ackerman de Estudos sobre o Holocausto, da Universidade do Texas, em Dallas – justifica a calúnia com base em uma defesa do mito religioso e do irracionalismo. Ele afirma que a fonte do antissemitismo moderno deve ser rastreada até o Iluminismo e, especialmente, a filosofia de Immanuel Kant. Ele escreve:

As doutrinas do Iluminismo foram engendradas por um modo de pensamento que era inerentemente antissemita: se quiser ser fiel a si mesma, a filosofia do Iluminismo tem de ser antissemita. Se a liberdade humana reside na autonomia humana, e se a autonomia humana reside em ser autolegisladora, como sustenta Kant, então se percebe que nada ameaça mais a autonomia humana autolegisladora do que a Voz de Comando do Monte Sinai, a Voz que mina a visão moderna que Kant defende e que o mundo agora abraça.

Patterson continua: 

De fato, se você adota a premissa do Iluminismo de que não pode haver povos apartados, mas apenas uma humanidade universal alicerçada na razão, então você assume, obrigatoriamente, uma posição antissemita. (...) Perdendo a paternidade de Deus, perdemos a fraternidade da humanidade: uma vez que Deus é supérfluo, o ser humano também é supérfluo. Assim como o Estado judeu não é apenas supérfluo, mas também perigoso. Para o intelectual de esquerda antissionista, a versão moderna de considerar Deus fora de cena culmina com a remoção do Estado sionista do mapa.

Essas palavras não aparecem em um livro de bolso fundamentalista cristão evangélico do tipo que é amplamente vendido nas farmácias americanas. Esse livro foi publicado sob o selo da Cambridge University Press, uma das editoras de maior prestígio do mundo.

A ofensiva contra Gaza como o epicentro da barbárie imperialista

Isso demonstra não apenas o caráter totalmente reacionário do sionismo, mas também o grau muito avançado de putrefação política, social, intelectual e moral de um sistema capitalista que está enraizado no sistema de Estado-nação. Aqui reside o significado mais amplo da solidariedade intransigente de todas as potências imperialistas ao Estado israelense. Há, é claro, interesses pragmáticos geopolíticos que determinam o apoio dos Estados Unidos e de seus aliados da OTAN à guerra de Israel contra o povo palestino.

Mas, por trás dessa frente única contra os palestinos, há o reconhecimento de que suas aspirações democráticas, que exigem a dissolução do atual Estado israelense e a criação de uma nova federação binacional, ameaçam não apenas os interesses do imperialismo no Oriente Médio, mas toda a estrutura de Estado, historicamente obsoleta, da geopolítica imperialista e do domínio capitalista.

Nem a opressão do povo palestino nem sequer a questão histórica, e ainda muito real, do antissemitismo podem ser resolvidas dentro da estrutura do sistema capitalista e de seu Estado-nação. O imperialismo, ao criar o Estado de Israel, não resolveu a “questão judaica”. Ele explorou e tirou proveito da imensa tragédia do Holocausto – um dos maiores crimes do imperialismo – para seus próprios fins.

A centralidade da guerra em Gaza é certamente justificada pela escala do crime que está sendo cometido contra seu povo. Mas a luta para acabar com o genocídio justifica e confere a maior urgência à perspectiva central e à razão de ser do Comitê Internacional da Quarta Internacional: a luta pela Revolução Socialista Mundial. Não existe outra resposta para a crise terminal do sistema capitalista. Ao resumir o significado da ruptura na Quarta Internacional em 1953, Cannon escreveu: “É uma questão de desenvolvimento da revolução internacional e da transformação socialista da sociedade”.

Diante do genocídio em Gaza, da guerra na Ucrânia, do perigo de uma escalada para uma guerra nuclear global, dos ataques aos direitos democráticos, dos níveis impressionantes de desigualdade social, da disseminação descontrolada da pandemia e da ameaça de desastre ecológico, o Comitê Internacional se volta para o crescente movimento de massas de trabalhadores e jovens em todo o mundo e afirma enfaticamente: “a tarefa diante de vocês é o desenvolvimento da revolução internacional e a transformação socialista da sociedade”. 

E é por isso que vocês devem se unir às seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional e construí-las em todo o mundo.


[1]

“The Attitude of the Jewish and the Russian Intelligentsia to Zionism in the Initial Period (1897-1904)”, em The Slavonic and East European Review, Vol. 64, No. 4 (outubro de 1986), p. 547-48.

[2]

Ibid., p. 550

[3]

Ibid., p. 551

[4]

Ibid., p. 550

[5]

Ibid., p. 555

[6]

Ibid., p. 55

[7]

Friedlander, Nazi Germany and the Jews (“A Alemanha nazista e os judeus”), p. 86

[8]

Segev, Tom. The Seventh Million (“O sétimo milhão”) (p. 26). Farrar, Straus e Giroux. Kindle Edition.

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