Estamos publicando a segunda parte da entrevista que o WSWS realizou com quatro ativistas anti-COVD do Brasil no final de fevereiro de 2024. A primeira parte, publicada em 15 de março de 2024, tratou principalmente da negligência do governo Lula e da Organização Mundial da Saúde na resposta à pandemia. Nesta segunda parte, eles falaram sobre a COVID longa e a falta de medidas do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) para frear a transmissão do SARS-CoV-2.
“A COVID longa é a maior ameaça deste século para a saúde da classe trabalhadora”
Em abril de 2021, o ativista anti-COVID Fernando Santos foi infectado pela COVID. Apesar de ter tido incialmente sintomas leves, algumas semanas depois ele passou a manifestar uma série de sintomas causados pela COVID, como uma inflamação no rim e taquicardia. Em julho de 2021, ele foi diagnosticado com Síndrome da Taquicardia Postural Ortostática/disautonomia, uma disfunção dos nervos que regulam as funções corporais involuntárias, como frequência cardíaca, pressão arterial e transpiração.
Além de se expressar na falta de monitoramento e no fato de não ter adquirido vacinas mais modernas, a negligência do governo Lula na resposta à pandemia também tem se manifestado em relação à COVID longa, considerada por muitos especialistas como a “pandemia dentro da pandemia”.
Segundo Fernando, “A única vez que a [ministra da saúde do governo Lula,] Nísia Trindade, citou o termo COVID longa no Twitter foi bem por alto, superficialmente, em 2022. Na virada de ano, a gente naquela expectativa de que [o governo Lula] seguiria a ciência. Mas aí veio toda a frustração.”
Para ele, hoje, “A situação da COVID longa no Brasil é catastrófica, é negligência e é crime de saúde pública.” Depois de um longo relato sobre as tentativas fracassadas de cuidar dos sintomas da COVID longa, Fernando disse ao World Socialist Web Site: “desde que tive a minha COVID lá em 2021, até hoje eu sigo aguardando na primeira consulta no ambulatório específico de COVID longa.”
Do governo Bolsonaro para o governo Lula, Fernando disse que as Unidades Básicas de Saúde não se adaptaram à evolução do conhecimento sobre a COVID longa, limitando-se a uma fisioterapia cardiorrespiratória. “A gente tem dados hoje que a COVID longa afeta muito mais as pessoas que tiveram casos leves e principalmente os jovens adultos, entre 18 e 40 e poucos anos. Então está totalmente errada a política de abordagem da COVID longa, ela segue errada. No governo passado ela era inexistente, e agora ela está engatinhando, mas para um caminho muito errado. A gente está atrasado em relação ao resto do mundo.”
Sobre o processo de infecção e de desenvolvimento da consciência sobre a COVID longa, ele disse: “A noção que eu tinha de COVID longa até aquele momento [da infecção] era de sintomas prolongados. As nomenclaturas COVID persistente, COVID longa, podem dar a entender isso. Eu tenho trocado, usado COVID crônica, que eu acho que tem mais apelo e mais coerência.”
Para Fernando, toda essa experiência com a COVID fez com que chegasse à conclusão que “a COVID longa é a maior ameaça deste século, da nossa era, para a saúde da classe trabalhadora. Isso é um fato. Porque ela vai permear qualquer coisa. Se você for falar de crise climática ... uma coisa é você enfrentar uma onda de calor sendo 100% saudável. Outra coisa sou eu agora... Eu treinava jiu-jitsu, sem ventilador, num sol desgraçado do Rio de Janeiro de 40°C, e treinava feliz da vida. Agora faz um pouquinho mais de calor aqui, por causa da disautonomia, eu não consigo fazer nada. Eu tenho que ficar largado em casa bebendo isotônico com as pernas para o alto. Eu não consigo estudar direito, não consigo trabalhar.”
“Não existe nenhuma intenção de que o ministério da saúde esteja querendo mitigar o SARS-CoV-2”
A advogada Juliana Stamm, que tem realizado uma série de questionamentos ao governo Lula via lei de acesso à informação sobre a pandemia no Brasil, disse ao WSWS que sua “intenção era entender qual é o posicionamento oficial do governo, considerando que não existe um posicionamento claro.” Ela questionou ao governo federal: “A população deve se conformar com o fato de que teremos que viver com o vírus é para sempre, com onda atrás de onda?”
Segundo ela, o governo Lula diz que “‘Somos pró-ciência, somos pró-vacina’, mas não tem vacina. [Ele] está utilizando uma ideia de imunidade de rebanho que não se aplica à COVID, ... e Nísia [Trindade, ministra da saúde,] em silêncio. Lula fez um tuite falando da pandemia no passado em julho do ano passado.”
Ela continuou: “Na verdade, eles não falam, não respondem de maneira objetiva sobre isso, mas dão a entender que é uma coisa com qual a gente vai ter que se conviver de fato. Então não existe nenhuma intenção de que o ministério da saúde esteja querendo mitigar o SARS-CoV-2. Não devemos contar com isso.”
Por outro lado, “Existem respostas que são baseadas em coisas absolutamente erradas”, como a alegação de que “se você está vacinado, está protegido”, pois as vacinas não impedem a infecção e o desenvolvimento da COVID longa. Além disso, Juliana disse que “existem ainda muitas respostas oficiais que não tratam a transmissão da COVID por aerossol.”
O Brasil vive uma situação desesperadora em relação a bebês e crianças mortos pela COVID. Apenas neste ano, foram registradas 48 mortes de bebês e crianças de até 14 anos, 26 delas menores de 2 anos. Para os que sobrevivem à infecção, Juliana chamou a atenção para “um relatório do Banco Mundial que disse que a humanidade está comprometendo o desenvolvimento intelectual de uma geração inteira de crianças pelas repetidas infecções por SARS-CoV-2.”
Sobre isso, em um de suas solicitações via lei de acesso à informação, ela questionou: “se vacina é a solução para a pandemia, como proteger bebês até 9 meses que não estão ainda com ciclo vacinal completo? ... As respostas são sempre muito evasivas e gerais ... Na verdade, não existe um planejamento. A impressão que dá é que sequer existe uma conversa sobre isso dentro do ministério da saúde.”
“A pandemia é um marco divisório no mundo”
A preocupação de todos os entrevistados com a COVID se liga a questões mais amplas que o mundo está vivendo. A designer gráfica Fernanda Giulietti expressou isso, dizendo: “A pandemia é um marco divisório no mundo, na humanidade. Não é possível que a gente não esteja olhando para isso [dessa maneira] ... Eu usei uma analogia sobre a crise de 2008. A crise aguda passou, mas seus reflexos estão até hoje, 15 anos depois. A coisa não se resolve, não acaba quando termina, como dizia o poeta. As crises todas estão se somando, como a crise indígena, o aquecimento global.”
Fernando mencionou a necessidade de aplicar o princípio da precaução em relação à COVID, ignorado por todos os governos capitalistas: “As pessoas saudáveis estão se expondo a riscos, e elas depois podem se arrepender, por falta de informação, e vão ficar abandonadas, porque o sistema capitalista suga e moi a gente enquanto a gente for produtivo. Hoje, quando não sou tão produtivo para a sociedade, estou vendo o reflexo disso.”
Em contraposição à negligência histórica dos governos não só em relação à COVID e seus efeitos crônicos, mas outras síndromes pós-virais que poderiam oferecer inclusive mais respostas hoje à COVID longa, uma rede internacional de ativistas tem se formado, principalmente nas redes sociais.
Concluindo, Fernando disse: “Eu queria deixar minha mensagem de respeito e agradecimento primeiro aos advogados da COVID longa internacionais. Foi através deles que eu consegui adquirir informações para entender a minha doença e para me colocar hoje como pessoa com deficiência. No Brasil, agora é deixar também essa mensagem de agradecimento aos pacientes com encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica... Se eu estou com essas informações todas agora é porque eles tiveram essas informações antes de mim.”
A luta de Fernando e outros ativistas por medidas baseadas na ciência contra a pandemia de COVID-19 e pelo atendimento adequado à COVID longa faz parte de um movimento internacional em defesa da saúde pública. Na última expressão dele, uma coalizão de pacientes com COVID longa realizou uma marcha em Washington, D.C., nos EUA, em 15 de março para protestar contra a falta de cuidados e de financiamento para a pesquisa de tratamentos contra a COVID longa. Ativistas anti-COVID no Brasil devem ver esse protesto como parte de sua luta e, em contrapartida, ativistas nos EUA e ao redor do mundo devem contar com suas contrapartes no Brasil para levar essa luta adiante.
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