Domingo, 31 de março, marcou-se os 60 anos do golpe militar de 1964 apoiado pelo imperialismo americano no Brasil, que inaugurou 21 anos de uma sangrenta ditadura. O sexagésimo aniversário da infame tomada do poder pelos militares liderados pelo Marechal Castello Branco ocorreu sob condições políticas sem precedentes desde a instauração de um regime civil no país há quatro décadas.
Em 8 de janeiro de 2023, a conspiração de um golpe de Estado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e uma facção do comando militar culminou no assalto fascista às sedes do poder em Brasília. O profundo grau de participação das Forças Armadas nesta tentativa de golpe vem sendo diariamente exposto cada vez mais.
Há apenas duas semanas do 60º aniversário do golpe de 1964, a imprensa publicou o depoimento à Polícia Federal do ex-comandante da Força Aérea, Carlos Baptista Júnior. Ele admitiu que o comando das Forças Armadas participou de uma série de reuniões com Bolsonaro após sua derrota eleitoral, discutindo abertamente planos para impedir o governo eleito de tomar posse e instaurar um regime ditatorial no Brasil.
Sob essas graves condições políticas, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) de Luiz Inácio Lula da Silva fez todo o esforço para negar a relevância histórica e política do golpe de 1964 e suprimir a memória das vítimas da ditadura militar. Ele não esconde seu objetivo que é desassociar a imagem das Forças Armadas seja do regime ditatorial sangrento que durou de 1964 até meados de 1980, como das conspirações golpistas recentes que seguem em curso independentemente do destino pessoal de Bolsonaro.
Dez anos atrás, a então presidente Dilma Rousseff, também do PT, pronunciou-se em rede nacional ressaltando a memória do golpe e ordenando desculpas às suas vítimas em nome do Estado brasileiro. Era o auge da chamada “Maré Rosa” na América Latina, os governos burgueses ditos “progressistas” liderados por partidos associados à oposição política às ditaduras dos anos 1960-1980 na região.
Este ano, em contraste, as principais manchetes relacionadas ao aniversário histórico focaram-se nas ordens de Lula proibindo qualquer menção oficial aos eventos de 60 anos atrás.
Em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, em 27 de fevereiro, o presidente declarou que o golpe “faz parte da história”. Os generais atuais, explicou, “nem haviam nascido” em 1964. Nada resta a discutir, para Lula, pois “o povo já conquistou o direito de democratizar esse país” e deve “saber tocar a história para frente, [ao invés de] ficar remoendo sempre, remoendo sempre”.
Dias depois, o governo do PT tornou público o cancelamento das cerimônias em memória do golpe e a exclusão do plano de fundar um museu pela “memória e democracia”, proposto pelo ex-ministro da Justiça, Flávio Dino.
As declarações de Lula são extraordinárias à luz dos acontecimentos recentes. O nervosismo do governo burguês do PT sobre o tema é diretamente proporcional à relevância assumida pelas lições do golpe de 1964 para a classe trabalhadora brasileira e internacional diante da crise política atual.
A reemergência dos militares e de forças políticas associadas ao regime de 1964 na política oficial brasileira desmascara as promessas reacionárias dos fundadores do PT de que, com a queda da junta militar em 1985, era possível estabelecer uma democracia estável e um Estado de bem-estar social no Brasil sem esmagar o capitalismo e o Estado burguês.
O mesmo processo político fundamental está em desenvolvimento por toda a América Latina. Nos países em que os desmoralizados partidos da “Maré Rosa” retornaram ao poder nos últimos anos, implementaram os mais duros ataques capitalistas e prepararam o caminho para ascensão de forças fascistoides ao poder.
Este foi notoriamente o caso no Peru, onde os ataques antioperários do presidente Pedro Castillo prepararam sua derrabada e a imposição do regime policial de Dina Boluarte, e na Argentina, onde a revolta contra o governo de austeridade dos peronistas deu espaço à eleição do fascista Javier Milei.
A rápida desmoralização da coalização do pseudoesquerdista Gabriel Boric e os stalinistas no Chile, eleitos prometendo reformas para pacificar a explosão da oposição de massas contra a desigualdade social, somente fortaleceu o Partido Republicano fascistoide e os apoiadores do ditador Augusto Pinochet nas recentes eleições constitucionais.
O governo Lula, cuja principal bandeira política foi a unificação do establishment falido burguês contra Bolsonaro, apresentado como uma aberração política dentro de um regime democrático supostamente saudável, é incapaz de explicar como o Brasil se viu diante de uma nova ameaça ditatorial.
O golpe de 31 de março de 1964 no Brasil
A derrubada do presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi o ápice da prolongada crise da chamada Quarta República, enraizada nas profundas contradições do capitalismo brasileiro no pós-guerra.
Em dois anos de um mandato turbulento, Goulart, que apresentava-se como um reformador nacionalista do capitalismo, havia implementado tímidos controles sobre a remessa de lucros ao exterior por parte de empresas multinacionais, e prometia uma série de chamadas “reformas de base”, que incluíam a reforma agrária e um programa de “reforma urbana” para viabilizar o acesso em massa à moradia. Goulart também buscava uma política externa “não-alinhada”, opondo-se a sanções dos EUA contra Cuba e prometendo legalizar o Partido Comunista Brasileiro.
O golpe de 1964 consolidou uma ditadura militar fascistoide após uma série de intervenções militares na política nacional. O próprio regime presidencial do pós-guerra fora estabelecido por um golpe militar em 1945, que depôs o Estado Novo ditatorial de Getúlio Vargas e elegeu o general anticomunista Eurico Gaspar Dutra como presidente.
Em 1955, os militares tentaram impedir a posse do governo Juscelino Kubitschek, quando Goulart foi eleito vice-presidente pela primeira vez, em meio à crise desencadeada pelo suicídio de Vargas. Em 1961, uma segunda tentativa de golpe militar ocorreu após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Goulart, novamente vice-presidente, encontrava-se em missão diplomática na China e só foi empossado após aceitar um sistema semipresidencialista que retirava seus poderes. Ao retornar ao Brasil, militares rebeldes tentaram abater o avião de Goulart quando entrava em território nacional.
O presidencialismo pleno foi restaurado por plebiscito em 1962, reacendendo as conspirações golpistas. Os nacionalistas liderados por Goulart pavimentaram o caminho ao golpe militar de 1964 fomentando ilusões nos recuos anteriores dos golpistas, no apoio dos militares e na “doutrina democrática” da política externa do imperialismo americano. Nada poderia estar mais longe da realidade.
Determinados a impedir que outros países latino-americanos seguissem o caminho do regime nacionalista-pequeno burguês radical de Fidel Castro em Cuba, que respondeu ao bloqueio dos EUA alinhando-se à URSS, Washington planejara sistematicamente uma intervenção política no Brasil desde ao menos 1961, durante a administração Kennedy.
Em 1964, o governo de Lyndon Johnson deu início à “Operação Irmão Sam”, despachando um grupo de ataque naval para a costa brasileira e reunindo suprimentos militares para apoiar as tropas golpistas no Brasil que, em coordenação com a CIA, tomaram o Rio de Janeiro e outras grandes cidades a partir da noite de 31 de março. O dispositivo militar dos EUA havia sido mobilizado na expectativa de um “banho de sangue” e uma “guerra civil”, antecipada pelo embaixador americano no país, Lincoln Gordon.
O presidente João Goulart, que acreditava contar com a lealdade de um número suficiente de generais para resistir, é evacuado por um pequeno grupo de oficiais para seu estado natal do Rio Grande do Sul e depois para o Uruguai, onde seria assassinado pela inteligência brasileira em 1976. Dois governadores aliados a Goulart, entre vinte, tentam organizar uma resistência com base nas polícias, mas também são forçados ao exílio.
O golpe foi saudado pela imprensa e a oposição civil a Goulart, que seria também expurgada nos anos seguintes. O regime estabelecido sob a liderança do Marechal Castelo Branco, veterano da intervenção brasileira na Segunda Guerra Mundial, prometeu eleições para o ano seguinte, antes de gradualmente suprimir as liberdades democráticas até sua completa abolição com o infame Ato Institucional Número 5 (AI-5), em maio de 1968.
Operários combativos, lideranças camponesas e jovens radicalizados foram massivamente perseguidos, torturados e assassinados pelo regime de terror apoiado pela CIA nas décadas seguintes. O regime ditatorial brasileiro também estabeleceu a principal base para a intervenção americana na América Latina, arquitetando golpes militares e exportando seus sistemas de repressão e tortura para a Bolívia, Chile, Uruguai, Argentina e Peru.
Nem imprevisto, nem inevitável
Em sua essência política, o golpe militar de 1964 no Brasil foi uma confirmação negativa da teoria da Revolução Permanente de Leon Trotsky, que determinou a incapacidade da burguesia nos países capitalistas atrasados de desempenhar qualquer papel histórico progressista na época do imperialismo.
Surgindo na arena política já confrontada pela oposição social da classe trabalhadora, a burguesia nacional nesses países é incapaz de enfrentar consistentemente a elite agrária e o imperialismo, valendo-se, ao invés disso, de seus serviços contrarrevolucionários. A realização das tarefas democráticas inconclusas, tais como a reforma agrária prometida por Goulart, exige o início das medidas socialistas e a tomada do poder político pela classe trabalhadora.
Esse programa, elaborado por Trotsky 60 anos antes do golpe de 1964, havia se confirmado decisivamente no decorrer da Revolução Russa bem-sucedida de 1917. Suas leis também se provaram negativamente nas derrotas catastróficas orquestradas pela burocracia stalinista nas décadas seguintes com base na imposição da teoria menchevique da revolução em “duas etapas”.
As modestas reformas sociais e políticas implementadas pela burguesia brasileira entre 1945 e 1964 foram produto de um conjunto de condições particulares geradas pela estabilização do capitalismo mundial no pós-guerra. Com base no potencial ainda existente da economia capitalista dos EUA e, sobretudo, no desarmamento criminoso dos levantes revolucionários da classe trabalhadora – particularmente na Europa – pela burocracia stalinista, a burguesia imperialista foi capaz de reestabelecer sua dominação política.
Por um breve período, o afluxo de investimentos estrangeiros e a utilização das relações diplomáticas com a URSS para obter barganhas com o imperialismo permitiram à burguesia brasileira fomentar ilusões em um desenvolvimento econômico nacional independente.
Essas condições, temporárias por sua própria natureza, não alteravam as contradições fundamentais do capitalismo imperialista diagnosticadas na fundação da Quarta Internacional, que gestavam uma nova onda revolucionária mundial.
No Brasil, esse período testemunhou a expansão massiva da classe operária industrial e seu crescente choque com o sistema capitalista e com o aparato sindical corporativista legado pelo Estado Novo de Vargas.
A tarefa política decisiva era a construção de um partido revolucionário trotskista que lutasse pela independência política da classe trabalhadora brasileira em relação à burguesia e seus agentes e a preparasse para a tomada do poder político. Isso exigia, em primeiro lugar, um combate intransigente contra a influência política do stalinismo, representado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O stalinismo desarma a classe trabalhadora brasileira
Em meio à efervescência política da população brasileira conforme se aproximava o fim da Segunda Guerra Mundial, o PCB, ainda ilegal e com seus líderes presos, trabalhava sistematicamente para impedir que a oposição massiva à ditadura Vargas ameaçasse a integridade do Estado burguês.
Anunciando os eixos políticos que fundamentariam a atuação contrarrevolucionária do PCB ao longo das décadas seguintes, o líder histórico do partido, Luís Carlos Prestes, declarou em uma entrevista emblemática em 1944:
Depois da terrível e longa noite fascista e de tantos anos de guerra, de dor e de miséria, os povos querem paz e ao proletariado mais adiantado e consciente, aos comunistas numa palavra, o que convém é a consolidação definitiva das conquistas democráticas sob um regime republicano, progressista e popular.
Ora, uma tal república, para que possa ser instituída sem maiores choques e lutas, dentro da ordem e da lei, não poderá ser de forma alguma uma república soviética, isto é, socialista, mas capitalista, resultante da ação comum de todas as classes sociais, democráticas e progressistas, desde o proletariado até a grande burguesia nacional, com a só exceção de seus elementos mais reacionários, numericamente insignificantes.
Explicando sua perspectiva, baseada na doutrina stalinista da “coexistência pacífica” com o imperialismo, o PCB escreve também em 1944:
Na verdade, sobre o pós-guerra o que existe de positivo são os princípios de colaboração e solidariedade internacionais estabelecidos em Teerã por Churchill, Roosevelt e Stalin, que criaram para cada povo possibilidades para o seu desenvolvimento pacífico.
No ano seguinte, o PCB foi legalizado e seus líderes anistiados. Com base no prestígio obtido pelo Estado operário soviético com a derrota militar do nazismo e a crise dos partidos burgueses brasileiros diante da reascensão política da classe operária, o PCB torna-se subitamente um partido de massas e Prestes, recém libertado, é eleito como o senador mais votado do país.
Mas as ilusões criminosas fomentadas pelos stalinistas no caráter progressista da burguesia nacional e do imperialismo e no início de uma nova era democrática chocaram-se rapidamente contra a realidade. O governo Dutra, alinhando-se aos EUA, lançou o PCB na ilegalidade em 1947 e rompeu relações com a URSS.
Ao invés de o imperialismo permitir o “desenvolvimento pacífico” de “cada povo”, particularmente na América Latina, ele só confirmou a previsão do “Manifesto da Quarta Internacional sobre a Guerra Imperialista e a Revolução Proletária” de 1940: de que o monstruoso armamento dos EUA preparava a substituição da política de “boa vizinhança” pela dominação com punho de ferro do Hemisfério Ocidental.
Apesar de o PCB dar um giro político, passando a denunciar o imperialismo americano e seus agentes locais, os stalinistas preservaram integralmente sua orientação à burguesia nacional e a determinação de impedir que a classe trabalhadora brasileira ingressasse nas vias de uma revolução socialista. Suas futuras dissidências, como o Partido Comunista do Brasil (PcdoB), que rompeu em 1962 com o PCB para abraçar o maoísmo à guerrilha camponesa, também continuariam leais à sua perspectiva etapista falida.
Nas vésperas do golpe de 1964, o PCB defendia as diretrizes reacionárias da infame Declaração de Março de 1958, que anunciou uma nova fase de desenvolvimento econômico, político e social do capitalismo brasileiro capitaneada pelas “forças nacionais e progressistas, e democráticas em crescimento” em choque contra o “imperialismo americano e os entreguistas que o apoiam”.
O corolário dessa política, que levou ao esmagamento da classe operária brasileira, era a promoção dos militares como força anti-imperialista e democrática. Em 1961, em meio às tentativas de impedir a posse de Jango, o PCB declarou que o “grupo golpista reacionário” era “levado ao isolamento pelo poderoso movimento em defesa da legalidade democrática que, afrontando a repressão fascista... ganha crescente apoio de importantes setores das forças armadas”.
Em janeiro de 1964, enquanto o Exército preparava seu golpe sangrento, Prestes deu uma declaração que sintetiza capitulação criminosa do stalinismo à burguesia:
As Forças Armadas no Brasil têm características muito particulares, muito diferentes de outros países da América Latina. Uma das questões específicas da Revolução Brasileira é o caráter democrático, a tradição democrática das Forças Armadas, particularmente do Exército.
Nove anos depois, os colegas stalinistas chilenos de Prestes fizeram alegações fraudulentas similares sobre o caráter democrático singular dos militares chilenos – “o povo de uniforme” – com as mesmas consequências desastrosas.
Renegados do trotskismo sabotam a construção da direção revolucionária
Havia um imenso potencial para a construção de um partido trotskista no seio da classe trabalhadora brasileira, que seria capaz de impedir sua traição pelas direções stalinista e nacionalista burguesa e armá-la contra a reação fascista através dos métodos da revolução socialista.
Desde os anos 1920, durante dos anos da Oposição de Esquerda Internacional, o movimento trotskista teve um grande apelo político no Brasil, particularmente entre a classe trabalhadora e estudantes em São Paulo, a região mais industrializada do país.
Mas, apesar das condições objetivas favoráveis, a construção de uma seção da Quarta Internacional no Brasil foi sistematicamente minada pela ação das tendências liquidacionistas pequeno-burguesas que expressavam as poderosas pressões da estabilização do pós-guerra sobre a vanguarda revolucionária internacional.
Em 1940, o líder fundador da Oposição de Esquerda brasileira, rompeu definitivamente com a Quarta Internacional, aderindo à oposição pequeno-burguesa liderada por Max Shachtman e James Burnham no Socialist Workers Party (SWP) dos EUA. Pedrosa semeou imensa confusão política no Brasil, utilizando seu prestígio como ex-líder do movimento trotskista para popularizar teorias antimarxistas que igualavam o stalinismo ao fascismo e apoiar diferentes facções reacionárias e pró-imperialistas da burguesia brasileira em nome da luta pela “democracia”.
Apesar da capitulação política de Pedrosa, o Partido Socialista Revolucionário (PSR) continuou a luta para construir uma direção revolucionária da classe trabalhadora brasileira baseada na Quarta Internacional durante os duros anos da Segunda Guerra Mundial. Em uma descrição vil mas representativa do desespero dos stalinistas diante da influência do trotskismo durante esse período, o famoso romancista e membro do PCB, Jorge Amado, escreveu:
[Os] trotskistas, desligavam o problema nacional do internacional, pregavam a violência, o golpe, desconheciam a guerra, lutavam contra a Unidade Nacional que era a palavra de ordem do Partido. Dividiam, arrastavam para os movimentos de “resistência”, que no fundo iam servir à quinta-coluna, muitos homens honestos...
O centro, o coração mesmo, de toda essa podridão, desse conluio miserável contra o povo brasileiro, estava em São Paulo onde... nascia um prestígio trotskista que sujava o meio literário e estudantil, que alarmava o proletariado. A batalha de São Paulo era para o Partido a batalha decisiva.
O líder do movimento trotskista no Brasil nesse período era Hermínio Sacchetta, que nos anos do pós-guerra sucumbiu às mesmas pressões da desmoralização política da pequena burguesia que havia antes precipitado a ruptura de Pedrosa com o trotskismo. Nos anos 1950, Sacchetta renegou abertamente o bolchevismo e provocou a dissolução do PSR.
Apesar de jamais ter esclarecido os motivos de sua ruptura, figuras próximas a Sacchetta relataram que ele ficou profundamente desiludido após participar do Terceiro Congresso da Quarta Internacional em 1951, em que Michel Pablo apresentou sua linha liquidacionista que reabilitava politicamente a burocracia stalinista como força revolucionária e pregava a dissolução dos partidos trotskistas nos “movimentos de massas” em suas formas existentes em cada país.
Esse ataque frontal às perspectivas fundamentais da Quarta Internacional foi confrontado pelos defensores do trotskismo ortodoxo com uma guerra política contra o revisionismo pablista consolidada com a fundação do Comitê Internacional da Quarta Internacional em 1953.
Sacchetta, por outro lado, como indicam os relatos, viu as teses de Pablo como um resultado decepcionante mas inevitável do desenvolvimento do trotskismo. Sua capitulação abriu espaço para o pablista radical latino-americano, Juan Posadas, criar o Partido Operário Revolucionário Trotskista (POR-T) no vazio deixado pelo PSR e o apresentar fraudulentamente como o representante do trotskismo no Brasil.
O POR-T se construiu desde 1954 com a defesa do “entrismo total” no PCB com o objetivo de constituir uma “ala esquerda” da burocracia stalinista. Após uma década, os pablistas abandonaram essa política espúria somente para defender, em 1963, o que Posadas caracterizou como “entrismo interior” no movimento trabalhista de Leonel Brizola, isto é, atuar como meros conselheiros de sua direção burguesa.
A luta contra o revisionismo pablista, que demonstrou ser uma prioridade absoluta para o estabelecimento da independência política da classe trabalhadora no Brasil, foi significativamente abalada pela traição do SWP e das seções latino-americanas do Comitê Internacional lideradas pelo argentino Nahuel Moreno. Reivindicando a análise pablista de que a Revolução Cubana provou que uma revolução socialista podia ser realizada na ausência de um partido marxista e sem a mobilização da classe trabalhadora, eles se reunificaram ao Secretariado Internacional pablista em 1963.
Em seus esforços para liquidar o Comitê Internacional e destruir o trotskismo como corrente política independente, o líder do SWP, Joseph Hansen, embarcou numa viagem jornalística de quatro meses pela América do Sul entre 1962 1963. Buscando provar que o “exemplo cubano” se espalhava pelo continente, tornando-o o novo epicentro da revolução mundial, Hansen visitou o nordeste brasileiro para entrevistar o líder das Ligas Camponesas, membro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Francisco Julião.
Enaltecendo a concepção antimarxista reacionária das Ligas Camponesas, Hansen escreveu no artigo publicao em 15 de janeiro no The Militant: “O que as Ligas buscam é alçar o movimento dos camponeses a um nível político que dê a esse setor do povo a representação política que é seu direito”.
Apresentando o reformista pequeno-burguês Julião como líder indiscutível do movimento socialista no Brasil, ele concluiu: “A melhor forma de respondermos e os ajudarmos em suas batalhas é intensificar nossa própria luta pelo socialismo. Para tanto, alguns Juliões norte-americanos fazem falta”.
O papel político criminoso desempenhado por Hansen e o SWP é graficamente exposto pelo contraste entre essa entrevista bajuladora e o editorial da edição anterior do The Militant.
Apesar de reportar ter se deparado em sua chegada em São Paulo com uma “greve geral indefinida” na “área mais industrializada da América Latina”, o líder do SWP não aponta nem a necessidade nem a capacidade do movimento trotskista de lutar pela direção do movimento da classe trabalhadora e armá-lo contra a clara ameaça fascista jamais é levantado pelo líder do SWP. A revelação feita posteriormente pelo CIQI de que Hansen era um agente infiltrado do Estado americano no movimento trotskista explica as motivações diretas de suas ações de sabotagem política.
Mas a política de Hansen apelava a sentimentos de classe definidos que encontravam respaldo entre amplas camadas da pequena burguesia e deram força para a reação pablista que minou a capacidade da Quarta Internacional de resolver a crise da direção proletária ao longo das décadas seguintes.
Nos anos de repressão brutal da ditadura militar, centenas de jovens e trabalhadores enfrentaram a tortura e foram assassinados lutando em nome do acreditavam ser genuinamente o trotskismo.
A ação destrutiva do pablismo demonstrou-se da forma mais completa com a explosão das greves operárias massivas do final da década de 1970, que levaram abaixo a ditadura brasileira. Com a absoluta desmoralização do PCB, que servira como principal instrumento de contenção da classe operária no período anterior, a burguesia brasileira contou com os serviços contrarrevolucionários dos renegados do trotskismo.
De Mário Pedrosa ao Secretariado Unificado pablista e as correntes morenistas e lambertistas, eles foram os mentores políticos, nos anos 1980, do Partido dos Trabalhadores pró-capitalista de Lula que permitiu a estabilização da ordem burguesa no Brasil.
No 60º aniversário do golpe de 1964, enquanto o governo Lula tenta apagar a memória dessa catástrofe política, o Grupo Socialista pela Igualdade do Brasil faz um apelo à classe trabalhadora e à juventude para que estudem as lições críticas dessa derrota. Vocês não podem permitir ser traídos novamente. A crise em desenvolvimento do capitalismo global, provocando o colapso da ordem burguesa reacionária no Brasil, deve levar à vitória do socialismo internacional.
Desta vez, é preciso construir com sucesso uma direção revolucionária genuína, é preciso construir a seção brasileira do CIQI!