Publicado originalmente em 24 de abril de 2024
A conferência do projeto Labor Notes do último fim de semana marcou uma nova etapa no esforço da pseudoesquerda e da burocracia sindical para promover a guerra e suprimir a luta de classes.
Durante três dias, a conferência promoveu a narrativa mentirosa de que a burocracia sindical pró-corporativa foi reformada e agora está liderando um movimento da classe trabalhadora que está ressurgindo. Essa alegação só poderia ser feita ignorando completamente as demissões em massa em andamento na UPS e na indústria automotiva, que aconteceram após as traições contratuais do ano passado nas quais os grupos “reformistas” apoiados pelo Labor Notes, Teamsters for a Democratic Union e Unite All Workers for Democracy, desempenharam um papel crucial.
Nos discursos da sessão de abertura, a editora do Labor Notes, Alexandra Bradbury, gabou-se de que o público da conferência foi o maior de todos os tempos, com mais de 4.500 participantes. “Este é um momento empolgante para o movimento sindical”, disse ela. “Dois anos atrás, ouvimos... da [seção do sindicato] Teamsters na UPS que estavam preparando uma campanha para um novo contrato mobilizada pela base para acabar com os salários diferenciados. Bem, eles conseguiram! E ouvimos dos trabalhadores da indústria automotiva... que estavam construindo um movimento para transformar seu sindicato, e eles conseguiram!”
Na realidade, o que tem dominado a luta de classes é a luta entre o movimento crescente da classe trabalhadora e os obstáculos no aparato sindical. Os trabalhadores estão cada vez mais chegando à conclusão de que é necessária uma rebelião para esmagar, em vez de reformar, a burocracia, o que se reflete no crescimento de comitês de base.
Enquanto isso, a burocracia está cerrando fileiras com o executivo, com o governo Biden desenvolvendo uma aliança corporativista para impor disciplina no “front doméstico”. Mas a capacidade da burocracia de desempenhar o papel que lhe foi atribuído depende de sua credibilidade na classe trabalhadora ou, pelo menos, de ilusões suficientes entre os trabalhadores para evitar uma rebelião aberta.
O resultado mais perigoso, do ponto de vista do capitalismo americano e mundial, é que os trabalhadores passem a se preocupar para além das lutas contratuais imediatas, orientando-se à luta mais fundamental pelo socialismo e contra o próprio sistema capitalista.
O Labor Notes, que há décadas nega que os trabalhadores precisem de “política”, ou seja, de política socialista, desempenha, portanto, uma função política crucial para a burguesia ao promover um aparato sindical que funciona como um pilar central do domínio de classe.
As prisões de manifestantes contra o genocídio na conferência
Isso explica o caráter da conferência como um evento essencialmente oficial. Ela começou com um discurso do prefeito de Chicago, Brandon Johnson, ex-dirigente do Sindicato dos Professores de Chicago (CTU, na sigla em inglês), que, no início da semana, enviou a polícia de Chicago contra manifestantes protestando contra o genocídio em Gaza.
“Esta foi uma conferência que tive a chance de participar em 2012”, disse Johnson, em meio a gritos contra seus ataques aos manifestantes. Naquele ano, o CTU, sob a fração de “base” CORE, traiu uma greve de professores em toda a cidade, abrindo caminho para o fechamento em massa de escolas. Doze anos depois, o Labor Notes, aclamado na época como a ponta de lança de um movimento para “reformar” os sindicatos, produziu o prefeito pró-imperialista Johnson.
Apesar de seus melhores esforços, a realidade social começou a invadir o evento quase tão logo ele começou. Enquanto Johnson se preparava para falar, a polícia começou a prender manifestantes contra o genocídio em Gaza reunidos do lado de fora da conferência.
Pouco depois de Johnson falar, os manifestantes forçaram a entrada da conferência (depois que os organizadores do Labor Notes tentaram, sem sucesso, impedir a entrada) e os trabalhos foram temporariamente interrompidos. Bradbury, atordoada, acabou recuperando a compostura e começou a entoar a palavra de ordem “Ceasefire Now!” (Cessar-Fogo Já!) para restaurar a ordem, declarando: “Acho que temos muita concordância sobre isso”. Ela continuou: “O poder que temos para fazer isso está em nossas mãos como trabalhadores organizados ... e é isso que continuaremos construindo neste fim de semana”.
De fato, a alegação de que a conferência “concordou bastante” com um cessar-fogo não é verdadeira. O Teamsters for a Democratic Union, que teve destaque na conferência, se opôs a uma resolução de cessar-fogo até mesmo em sua própria convenção em novembro passado. De qualquer forma, se fosse verdade que o Labor Notes realmente se opusesse ao genocídio, eles não teriam convidado alguém envolvido em uma repressão nacional aos protestos contra o genocídio.
Quanto à “construção do poder” da classe trabalhadora, o Labor Notes, na realidade, direcionou todos os seus esforços durante o fim de semana, como faz em geral, para apoiar burocratas com laços estreitos com membros do Partido Democrata pró-guerra e até mesmo com republicanos fascistoides.
Outra discussão notável que expôs a extrema fragilidade da conferência ocorreu na noite de sexta-feira, quando um jovem trabalhador da UPS tentou fazer ao presidente geral Sean O’Brien várias perguntas críticas sobre o novo contrato, inclusive sobre a manutenção de salários diferenciados. Demonstrando tanto desprezo quanto medo das bases, O’Brien literalmente fugiu, alegando: “Tenho que pegar um voo”.
Presidente do UAW defende a Terceira Guerra Mundial
A conferência terminou no domingo à tarde com um discurso de Shawn Fain, que fez um pronunciamento belicista imundo. Usando um capuz com a frase “Workers are the Arsenal of Democracy” (“Os Trabalhadores são o Arsenal da Democracia”) e o desenho de um bombardeiro, Fain declarou que os trabalhadores eram “o maior exército do mundo”.
Fain provavelmente pretendia que seu público acreditasse que ele estava apenas falando sobre a guerra de classes. Na verdade, o “Arsenal da Democracia” se refere a uma promessa de não greve imposta pelos dirigentes sindicais durante a Segunda Guerra Mundial, bem como ao seu apoio na perseguição de socialistas contra a guerra, como os trotskistas que atuavam no Teamsters em Minneapolis.
O discurso de Fain foi claramente escrito em grande parte pela Casa Branca. Biden tem se referido repetidamente ao “Arsenal da Democracia” nos últimos meses, expressando o fato de que Washington está preparando a sociedade americana para uma escalada de guerras por procuração para intervenções diretas maciças dos EUA.
Em seu discurso aceitando o apoio do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Automotiva (UAW, na sigla em inglês), durante o qual os burocratas expulsaram os manifestantes contra o genocídio do local, Biden voltou a esse tema declarando que os americanos agora, como naquela época, devem produzir “porta-aviões e tanques”.
A maior conquista do UAW, de acordo com Fain, foi o papel que supostamente desempenhou na vitória da Segunda Guerra Mundial. Fain se gabou, em particular, de que os membros do UAW produziram bombardeiros B-24 Liberator na fábrica da Ford em Willow Run, perto de Detroit.
Fain alegou que, quando Biden visitou simbolicamente o local da fábrica durante a “stand up strike” [greve limitada a apenas três fábricas da GM, Ford e Stellantis] do UAW no ano passado, o presidente do UAW lhe disse que os trabalhadores de hoje “enfrentam uma nova ameaça autoritária: a ganância corporativa”.
Mas a adoção da retórica da Segunda Guerra Mundial por Fain significa, na verdade, que ele e a burocracia estão preparados para oferecer aos trabalhadores um “exército” industrial para uma Terceira Guerra Mundial.
Se Fain estivesse sendo honesto, ele não estaria defendendo um “Arsenal da Democracia”, mas um “Arsenal do Genocídio”. Desta vez, o alvo não é a Alemanha nazista ou o Japão imperial, mas a Rússia e a China, que sofreram o impacto dos ataques das Potências do Eixo, bem como Gaza, Irã e inúmeros outros povos ex-coloniais.
Labor Notes saúda a votação na VW de Chattanooga
Um dos elementos dominantes na conferência foi o espírito triunfalista em relação aos resultados, anunciados na noite de sexta-feira, da votação dos trabalhadores da Volkswagen em Chattanooga, Tennessee, para se filiarem ao UAW. Sem dúvida, os trabalhadores votaram no UAW porque querem organizar uma luta contra a administração.
Mas as ilusões dos trabalhadores em relação ao UAW, todo controlado pela burocracia sindical, serão rapidamente destruídas quando o UAW entrar na fábrica e começar a estabelecer o tipo de relações corruptas com a administração que há muito tempo cultiva nas três montadoras de Detroit. Um papel fundamental na promoção dessas relações foi desempenhado pelo próprio Labor Notes, que ajudou a encobrir o papel do aparato na imposição de demissões nas fábricas de Detroit.
O resultado em Chattanooga também foi fruto de uma promoção sem precedentes do governo Biden, que vê a ampliação da presença da burocracia do UAW em fábricas atualmente não sindicalizadas no Sul dos EUA como um meio de impor disciplina aos trabalhadores.
Biden fez uma campanha incansável em favor do UAW. Depois que os total de votos foi divulgado, ele emitiu um comunicado à imprensa parabenizando os trabalhadores por seu “voto histórico”.
No sábado, foi realizado o painel “Organizando o Sul”, no qual a votação da VW foi celebrada como o início de uma campanha de sindicalização em massa em toda a região. A escolha do presidente do painel, Jacob Morrison, co-apresentador do programa de rádio Valley Labor Report em Birmingham, Alabama, diz muito sobre os verdadeiros interesses sociais que animam a campanha. Morrison é um homem em ascensão. Ele é o vice-presidente assistente da seção 1858 da Federação Americana de Funcionários do Governo Federal (AFGE, na sigla em inglês), supervisionando os funcionários no Redstone Arsenal que possui um papel crítico na garantia da produção militar.
A deseducação da juventude
Ligada à meta da conferência de reforçar a autoridade da burocracia sindical, estava a deseducação sistemática da juventude presente. Quaisquer que fossem os motivos genuínos que justificassem a presença de muitos deles, o evento em si tinha o objetivo de transformá-los na próxima geração de burocratas sindicais.
Os procedimentos incentivaram uma obsessão profundamente cínica e pragmática com “resultados” organizacionais imediatos e um desprezo por questões históricas e de princípios. Os workshops foram dedicados a questões organizacionais, como, por exemplo, como concorrer a um cargo ou organizar uma campanha eleitoral sindical. Muitos promoveram políticas raciais e de identidade, que são usadas pela classe dominante para obscurecer as divisões de classe mais profundas e fundamentais da sociedade.
Foram realizados vários painéis sobre Gaza, mas apenas com o objetivo de aprovar medidas de cessar-fogo sem efeito que os burocratas sindicais pró-guerra jamais adotarão. Fain, que foi praticamente coroado pelo Labor Notes como líder da classe trabalhadora americana, combina o apoio ambíguo a uma resolução vazia de “cessar-fogo” do UAW com os laços mais estreitos com o “Genocida Joe”.
Outro elemento importante da conferência foi um “internacionalismo” distorcido apresentado por burocratas sindicais de outros países, onde eles também estão ajudando a impor demissões em massa. Eles defenderam não um movimento global da classe trabalhadora contra o capitalismo e o sistema ultrapassado de estados nacionais, mas um conjunto de lutas nacionais separadas, sob o controle das burocracias sindicais de cada país, para reverter a globalização e reviver as antigas economias nacionais.
Isso foi dito de forma muito direta por Cesar Orta, um sindicalista mexicano do Sindicato Independente dos Trabalhadores da Audi México (SITAUDI). Esse é um dos novos sindicatos “independentes” criados com o apoio do Departamento de Estado dos EUA no México nos últimos anos para enfrentar a crescente rebelião contra os tradicionais sindicatos mexicanos. De fato, no início de seu discurso, Orta agradeceu ao Centro de Solidariedade da AFL-CIO, que passou décadas trabalhando com a CIA contra as lutas dos trabalhadores em toda a América Latina.
Durante a sessão de encerramento de domingo, Orta promoveu o nacionalismo do tipo America First (EUA em Primeiro Lugar) declarando: “essas empresas estão usando a distância e os baixos salários [no México] para nos dividir. É por isso que temos que nos unir para manter os empregos dos EUA nos EUA [ênfase adicionada] e melhorar os salários e as condições de trabalho dos trabalhadores no México.”
Em suma, esse é o programa de Trump, assim como também tem sido o programa dos burocratas sindicais americanos há décadas. Ele nunca salvou um único emprego, mas apenas semeou a animosidade nacional e racial e permitiu que as empresas chicoteassem os trabalhadores americanos e mexicanos uns contra os outros.
A conferência foi incapaz de lidar com questões de princípio, e foi de fato hostil a elas. Um refrão repetido ao longo das sessões foi que “temos nossas diferenças, e isso nos torna mais fortes”.
Em parte, essa foi uma tentativa de encobrir a total falta de qualquer acordo de princípio entre os participantes. Os jovens que se opõem ao genocídio em Gaza participaram da conferência ao lado de seus incentivadores e apoiadores diretos, como Fain e Johnson.
No fundo, “aceitar as diferenças” significa que os jovens e os trabalhadores que estão se movendo para a esquerda devem aceitar a “unidade” com os democratas e os burocratas sindicais pró-guerra. Isso significa defender o “direito” do próprio Labor Notes e das organizações que ele apoia de dizer uma coisa e fazer outra, desencorajando os trabalhadores e os jovens a refletir sobre as questões políticas até a sua conclusão e a extrair as lições necessárias delas.
“Autorreforma” burocrática vs. comitês de base
Acima de tudo, a conferência do Labor Notes foi dirigida contra o surgimento de uma rebelião de base contra a burocracia sindical e a luta por um programa socialista independente na classe trabalhadora.
Desde a sua fundação, há quase 50 anos, o Labor Notes rejeitou qualquer análise mais profunda sobre as causas sociais e econômicas das traições da burocracia sindical. Ao invés disso, eles argumentavam que tudo o que era necessário era substituir os burocratas “ruins” por “bons”, que supostamente organizariam os sindicatos “de baixo para cima, não de cima para baixo”.
Isso estava ligado à sua rejeição da “política”, pela qual sempre se referiam à política socialista. Isso nunca os impediu de estabelecer os vínculos mais estreitos com os políticos capitalistas.
A análise sobre as causas da transformação da burocracia foi efetivamente realizada pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional. Para ele, isso esteve fundamentalmente ligado ao seu programa nacionalista, pró-capitalista e antissocialista, que se tornou completamente inviável com o surgimento da economia globalizada.
A partir disso, o CIQI concluiu que a burocracia não poderia ser reformada, mas apenas esmagada e substituída por novos órgãos de poder, comitês de base, que lutariam para unir os trabalhadores através das fronteiras nacionais e de diferentes categorias em um poderoso movimento contra o sistema de lucro.
Hoje, o Labor Notes funciona como uma empresa de consultoria e relações públicas para a burocracia, especializada em como encobrir suas traições por meio de sua de sua retórica de esquerda e militante.
Um elemento do discurso enganoso de Fain soou verdadeiro: sua ênfase na influência do Labor Notes em sua própria atuação política. Em um determinado momento, ele segurou o Troublemaker’s Handbook (Manual do Desordeiro, em tradução livre) do Labor Notes, que chamou de sua “bíblia”, e o abriu em um capítulo sobre “sindicalismo empresarial”, mostrando à plateia suas anotações escritas à mão e passagens destacadas. Isso revelou mais do que ele pretendia.
O apoio do Labor Notes à política capitalista e às traições da burocracia irão expô-la diante de trabalhadores e jovens. Na verdade, eles mesmos já estão se antecipando a isso. Seu primeiro webinário após a conferência é intitulado “What To Do When Your Union Breaks Your Heart” (“O Que Fazer Quando seu Sindicato Partir seu Coração”).
A tarefa que os trabalhadores de fato enfrentam é uma luta contra a burocracia sindical, por meio do desenvolvimento de comitês de base e da luta pelo internacionalismo socialista.