Publicado originalmente em 21 de junho de 2024
Na quarta-feira, a imprensa francesa informou que o presidente Emmanuel Macron pode invocar o artigo 16 da constituição para dissolver o parlamento e assumir poderes emergenciais. Isso expõe de forma contundente as questões críticas apresentadas aos trabalhadores pela guerra na Ucrânia e pelas eleições antecipadas no Reino Unido e na França: a ameaça de um governo autoritário não vem apenas das forças de extrema direita, como o Reagrupamento Nacional (RN) na França. Todo o establishment capitalista, desesperado para escalar a guerra com a Rússia e a guerra de classes em casa, está discutindo uma guinada para a ditadura.
Os trabalhadores não podem combater essas ameaças se estiverem subordinados às forças socialdemocratas e pseudoesquerdistas, como a Nova Frente Popular, que apoia a guerra com a Rússia. A ameaça de Macron de dissolver o parlamento expõe a promessa da Nova Frente Popular para lutar contra Macron e o RN nas urnas e conquistar uma maioria parlamentar formando um novo governo capitalista como vazia e falida.
O artigo 16 da constituição da França, se invocado pelo presidente, concede a ele “poderes emergenciais” indefinidos para dissolver o parlamento e governar de maneira irrestrita. Segundo esse artigo:
Se as instituições da República, a independência da Nação, sua integridade territorial ou o respeito a seus compromissos internacionais forem gravemente ameaçados e o funcionamento normal das autoridades constitucionais for interrompido, o Presidente da República tomará as medidas exigidas por essas circunstâncias, consultando oficialmente o primeiro-ministro, os líderes das casas do parlamento e o Conselho Constitucional. Ele informa a Nação em uma mensagem.
Nenhuma razão foi dada publicamente por Macron para invocar esse artigo. A rádio Europe1 diz que ele teme “excessos” nos protestos após a eleição de 7 de julho, enquanto o canal de extrema direita CNews diz que isso pode ser necessário “se nenhum partido obtiver maioria [parlamentar] após as eleições”. Seja qual for a justificativa, invocar o artigo 16 seria uma tentativa inconstitucional de Macron de se tornar ditador pelo direito divino dos bancos.
A questão decisiva nas eleições antecipadas de Macron, assim como a convocação de eleições antecipadas para 4 de julho no Reino Unido pelo primeiro-ministro Rishi Sunak, é a guerra da OTAN contra a Rússia. Essas eleições têm como objetivo realizar uma reestruturação de extrema direita da política oficial antes da cúpula da OTAN de 9 de julho em Washington, que aprovará uma escalada maciça da guerra.
As classes dominantes das potências da OTAN sabem que há uma oposição popular esmagadora a suas conspirações, principalmente na classe trabalhadora. Uma pesquisa do Eurasia Group de 9 de junho revelou que 94% dos americanos e 88% dos europeus ocidentais querem que a OTAN negocie a paz com a Rússia na Ucrânia.
Mas a OTAN está determinada a prosseguir com seus planos de guerra declarados para uma “derrota estratégica” da Rússia como parte de uma estratégia mais ampla de conquista mundial. Os líderes da OTAN pretendem forçar uma mudança de regime em Moscou, saquear o petróleo e os minerais críticos da Rússia, forçar a Rússia a retirar o apoio militar da Síria e de outros países alvos da OTAN e, por fim, usar a Rússia como base para uma guerra neocolonial contra a China. O plano de ditadura de Macron é um alerta: a classe capitalista não pretende permitir que a democracia ou os trabalhadores impeçam sua agenda de guerra global.
Os trabalhadores não podem parar a guerra votando na Nova Frente Popular, a aliança entre o Partido Socialista (PS) do grande capital, o stalinista Partido Comunista Francês (PCF), e os Verdes, que foi convocada por dirigentes do partido França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon. A Nova Frente Popular faz parte da reorganização de direita do establishment político que a classe dominante está tentando realizar por meio das eleições antecipadas.
A Nova Frente Popular não é a Frente Popular de 1934-1938, que reuniu os partidos de massas dos trabalhadores – o partido socialdemocrata Seção Francesa da Internacional Operária (SFIO) e o stalinista PCF – com o liberal burguês Partido Radical.
Trotsky alertou contra o papel contrarrevolucionário dessa aliança, que prendeu os trabalhadores ao liberalismo burguês. Ela subordinou as massas de trabalhadores da SFIO e do PCF a frações corruptas do Partido Radical, lideradas por figuras como Edouard Herriot e Edouard Daladier. Depois de trair a greve geral francesa de 1936 e bloquear a luta dos trabalhadores pelo poder do Estado e pelo socialismo, a Frente Popular entrou em colapso e abriu caminho para a colaboração da elite dominante francesa com o nazismo em 1940.
No entanto, os trotskistas conseguiram, por um tempo, ingressar na SFIO e, apesar da amarga hostilidade da direção da SFIO, trabalhar entre a base do partido. De fato, os partidos operários da então Frente Popular adotaram políticas impensáveis para a Nova Frente Popular de hoje. Eles formaram a milícia operária Sempre Prontos Para Servir (TPPS, na sigla em francês) para combater os ataques ao movimento sindical por grupos fascistas como o Cagoule e propuseram grandes reformas sociais, como a jornada de oito horas e férias remuneradas.
A Nova Frente Popular reúne o PS, um partido burguês de longa data do imperialismo francês desde sua fundação em 1971, com partidos da classe média abastada. Isso inclui a burocracia do PCF, que perdeu sua base da classe trabalhadora ao longo das décadas desde a dissolução stalinista da União Soviética em 1991, e o partido “populista” França Insubmissa. Essa frente não propõe nenhuma reforma social significativa e sinaliza de forma agressiva o apoio à guerra da OTAN contra a Rússia.
Seu programa eleitoral defende o “envio apropriado de armas” e o de “forças de paz” para a Ucrânia “para derrotar a guerra de agressão do [presidente russo] Vladimir Putin”.
Enquanto Mélenchon declara seu desejo de “jogar nossas diferenças no rio” e se reconciliar com o PS pró-austeridade, os dirigentes da Nova Frente Popular estão defendendo um aumento maciço nos gastos militares, que só poderiam ser financiados por ataques profundos aos salários e aos programas sociais. Perguntado sobre sua política em relação à Rússia, François Ruffin, dirigente da França Insubmissa, que lançou o primeiro chamado para formar a Nova Frente Popular, disse:
Que isso comece, de forma muito simples, com a construção de nossa indústria bélica. A Europa precisa recuperar sua soberania em termos de armas, caças, toda a gama de armamentos, materiais e tecnologia; ela não deve mais depender dos americanos. E deve ser adotado os meios para isso. ... Para o esforço de guerra, devemos cuidar atentamente da unidade da nação.
O apelo de unidade nacional de Ruffin a fim de desviar recursos para a máquina de guerra é totalmente reacionário. Isso também revela por que a França Insubmissa apoiou os protestos explosivos e as greves de massas das burocracias sindicais contra a reforma da previdência de Macron no ano passado. Essa reforma retirou dezenas de bilhões de euros dos aposentados para financiar o aumento recorde do orçamento militar de Macron, uma política que Ruffin apoia.
As burocracias sindicais que apoiam a Nova Frente Popular não representam nenhum obstáculo a uma guinada para a direita na política oficial. Quando os jornalistas preocupados da BFM-TV perguntaram se haveria uma greve geral se o Reagrupamento Nacional assumisse o poder em 7 de julho, a secretária da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Sophie Binet, os tranquilizou:
A CGT, em todos os seus 130 anos de história, nunca convocou uma greve geral. ... Não posso lhes dizer o que faríamos em 8 de julho. Nós nos reuniríamos e tomaríamos a decisão mais coletiva possível.
A escalada da OTAN contra a Rússia provocará uma oposição explosiva. Mas esses eventos são um alerta urgente: um movimento contra a guerra e a ditadura só pode ser construído de baixo para cima, mobilizando os trabalhadores de base independentemente das burocracias e contra elas.
Em meio a uma crise mortal do capitalismo mundial, o que é necessário, acima de tudo, é a construção do Parti de l’égalité socialiste (PES), a seção francesa do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), como a oposição trotskista à Nova Frente Popular. Assim como não pode haver socialismo sem democracia, não haverá democracia sem uma luta dos trabalhadores na França e internacionalmente pelo socialismo.
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