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Socialismo em um só país ou Revolução Permanente

O texto abaixo é a exposição realizada por Bill Van Auken no encontro do curso de verão do Socialist Equality Party/ World Socialist Web Site, ocorrido entre 14 e 20 de agosto de 2005, em Ann Arbor, Michigan.

20 anos desde a cisão no Comitê Internacional

Considerando a questão do socialismo em um só país contra a revolução permanente estamos tratando dos próprios andaimes teóricos do movimento trotsquista. A questão teórica essencial que nasceu na luta entre estas duas perspectivas opostas apareceu não só na segunda metade da década de 1920, quando Trotsky conduziu a sua luta histórica contra a burocracia stalinista. Mas, além disso, a mesma questão sempre ressurgiu nas lutas posteriores dentro da própria Quarta Internacional e desempenhou ali também papel fundamental.

Comecemos abordando a questão a partir do nosso próprio movimento. Hoje, passaram-se vinte anos desde que o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) rompeu com a direção da seção inglesa, aquela do Workers Revolucionary Party (WRP) [1].

O próprio significado daquele rompimento somente pode ser compreendido se partirmos da compreensão da luta originária do Comitê Internacional. O CIQI foi fundado em 1953, na luta contra o revisionismo pablista, tendência criada por Michel Pablo.

O ICQI, na época de sua fundação, se opôs veementemente à tese desenvolvida por Pablo e seus partidários de que o stalinismo era capaz de uma auto-reforma e também se opôs à tese de que o stalinismo poderia desempenhar ainda qualquer papel revolucionário. Do mesmo modo, o CIQI recusava, com isto, a concepção pablista relacionada àquelas teses: a sustentação de que o nacionalismo burguês nos países coloniais fosse capaz de comandar a luta contra o imperialismo. A combinação dessas teses pablistas, acima enumeradas, constituía uma perspectiva de liquidação dos quadros historicamente reunidos sobre a base da perspectiva revolucionária, a perspectiva elaborada e construída por Leon Trotsky, quando fundou a Quarta Internacional em 1938.

Em 1963, a direção da seção britânica do CIQI— então Socialist Labour League (SLL)—conduziu corretamente a luta contra a unificação do seção americana, Socialist Workers Party (SWP), com a corrente internacional dirigida por Pablo e Mandel [2]. Na época, a seção americana se unificou com os pablistas [3]. Esta unificação se baseava sobre a aceitação de que o movimento guerrilheiro nacionalista pequeno-burguês de Fidel Castro havia estabelecido um estado operário em Cuba. A aceitação de Cuba como estado operário, para os pablistas, supostamente provava que mesmo forças não-proletárias poderiam realizar uma revolução socialista.

Naquela época, a Revolução Cubana teve um grande impacto, e aparecia como impossível não fazer o elogio a Che Guevara, à guerra de guerrilhas e à revolução no chamado “Terceiro Mundo”. A seção inglesa do CI, a SLL, no entanto, não acompanhou tal caminho e combateu essas concepções, justamente a partir da defesa da teoria da revolução permanente de Trotsky [4].

Para rever os aspectos mais profundos dessa teoria, é preciso compreendê-la como uma análise fundamental da dinâmica revolucionária do capitalismo moderno mundializado. Foi assim que tal teoria foi desenvolvida por Leon Trotsky: o ponto de partida da Revolução Permanente não é o desenvolvimento econômico ou as relações internas de classes em um dado país, mas a luta de classes em escala mundial e o desenvolvimento internacional da economia capitalista. As condições nacionais são uma expressão específica desta tendência. Este é o significado histórico-mundial desta perspectiva, e é isto que constitui o fundamento para a construção de um verdadeiro partido revolucionário internacional.

Em relação aos países atrasados e outrora coloniais, a perspectiva da Revolução Permanente demonstrou que a burguesia—vinculada ao imperialismo e temendo a força da sua própria classe operária—não podia levar muito longe a posição de realizar a sua própria revolução “burguesa” [5].

Somente a classe operária pode realizar as tarefas desta revolução e somente esta classe pode levá-la adiante através da implantação de sua própria ditadura, aquela do proletariado. O caráter permanente desta revolução jaz no fato que a classe operária, havendo tomado o poder, não pode ela própria limitar-se às tarefas democráticas, mas é obrigada a levar adiante medidas de caráter socialista.

As limitações para a construção do socialismo impostas pelo atraso e isolamento de um país, somente podem ser superadas através do desenvolvimento da revolução pela classe operária nos países capitalistas avançados, culminando com a revolução socialista mundial, assim assumindo a revolução um caráter permanente em um segundo sentido.

Os princípios políticos essenciais que resultam desta perspectiva—o internacionalismo proletário e a independência política da classe trabalhadora—foram rejeitados pelos pablistas em sua adaptação ao stalinismo e nacionalismo burguês.

Já na década precedente à cisão do CIQI [6], a liderança do WRP da Inglaterra vinha se afastando bastante das conquistas teóricas importantes que havia realizado, em sua anterior defesa do trotsquismo contra os revisonistas pablistas [7].

No início dos anos 80, o afastamento dessa perspectiva trosquista levada adiante pelo WRP começou a provocar uma preocupação sempre crescente no interior Workers League, a seção americana do Comitê Internacional [8].

Como os pablistas no passado, a partir da década de 70, as lideranças do WRP, de forma crescente, também foram abandonando a rigorosa avaliação científica de que o stalinismo, a social-democracia e o nacionalismo burguês representavam, em última instância, agências do imperialismo no interior do movimento operário. Em sentido contrário, começaram a atribuir um papel potencialmente revolucionário, a pelo menos alguns aspectos dessas tendências políticas.

Em 1982, a Workers League começou uma luta no interior do Comitê Internacional, desenvolvendo uma extensa crítica à degeneração política do WRP, centrada na questão da revolução permanente.

Em novembro de 1982, no apêndice à sua “Crítica dos Estudos de Materialismo Dialético de Gerry Healy”, o camarada David North recapitulou as relações políticas estabelecidas pela direção do WRP, durante o período precedente, no Oriente Médio. Lá escreve North: “A defesa marxista dos movimentos de libertação nacional e a luta contra o imperialismo foram colocadas de maneira oportunista, apoiando não criticamente os vários regimes nacionalistas burgueses”.

“Em todas as tentativas e situações, continua ele, “a teoria da revolução permanente foi tratada como inaplicável nas presentes circunstâncias”.

A resposta da direção do WRP, que possuía naquela época ainda uma imensa autoridade dentro do ICFI, devido às suas lutas anteriores pelo trotskismo, não foi uma defesa política de suas posições, mas sim, uma ameaça de cisão organizativa.

Apesar disso, em 1984, a Workers League levantou novamente esses problemas. Em uma carta ao secretário geral do WRP, Michael Banda, o camarada North manifestou a crescente preocupação da Workers League, quanto ao desenvolvimento de alianças, pelo WRP, com movimentos de libertação nacional e regimes nacionalistas burgueses:

“O conteúdo desta aliança reflete muito pouco uma orientação clara sobre o desenvolvimento de nossas próprias forças como ponto central para a luta de estabelecer o papel de direção do proletariado na luta dos países anti-imperialistas. As concepções similares sustentadas pelo SWP, com relação à Argélia e Cuba, que atacamos tão vigorosamente no começo dos anos sessenta, aparecem com crescente freqüência no interior da nossa própria imprensa”.

E, em fevereiro de 1984, North apresentou um relatório político ao Comitê Internacional começando com uma crítica a um discurso do dirigente do SWP, Jack Barnes [9], que havia explicitamente repudiado a teoria da revolução permanente, por outro lado, o texto de North concluía com uma síntese das relações oportunistas do WRP com o nacionalismo burguês, com os trabalhistas ingleses (Labourities) e com a burocracia sindical, que na prática chegavam a ter um resultado quase igual àquele de Barnes.

A direção do WRP opôs-se outra vez a uma discussão e ameaçou com um rompimento. Contudo, passado um pouco mais de um ano, irrompeu uma crise interna no próprio WRP que arrebentou a organização, conduzindo as diversas frações da antiga direção inglesa a romperem com o CI e mesmo a repudiarem o trotskismo.

A perspectiva subjacente que guiou a liderança do WRP foi aquela do anti-internacionalismo. No decurso da cisão de 1985, Cliff Slaughter foi o campeão na defesa da autonomia nacional da seção inglesa, rejeitando a necessidade de subordinar a luta de frações no interior do WRP a uma clarificação internacionalista que visasse construir o partido mundial.

Nessa direção, em uma carta de dezembro de 1985, Cliff Slaughter rejeitou a autoridade do Comitê Internacional e declarou que “o internacionalismo consiste precisamente em estabelecer apenas linhas de classe e lutar por elas”.

Em sua resposta, a Workers League colocou a seguinte questão: “Mas como determinar essas ‘linhas de classe’? Para essa prática é necessária a existência da Quarta Internacional? A definição do camarada Slaughter sugere—e este é o conteúdo explícito do todo de sua carta—de que qualquer organização nacional pode elevar-se à plataforma do internacionalismo, estabelecendo, por si própria, as ‘linhas de classe” e lutar através delas”.

Estas questões dirigem-se ao coração mesmo da perspectiva do movimento trotskista. A tendência que estava rompendo com o trotskismo reproduzia a percepção nacionalista que caracterizou o stalinismo desde as suas origens, ao passo que aqueles que defendem a perspectiva desenvolvida historicamente pela Quarta Internacional agiram sempre do ponto de vista do internacionalismo.

Stalinismo e social-reformismo

É importante entender que as perspectivas que guiaram o stalinismo não foram um fenômeno político unicamente russo.

As origens do próprio stalinismo situam-se no surgimento contraditório do primeiro estado dos trabalhadores em um país isolado e atrasado.

A exaustão da classe trabalhadora russa, como uma conseqüência da guerra civil, combinada com as derrotas sofridas pela classe operária européia e a estabilização temporária do capitalismo, contribuíram para o crescimento de uma perspectiva nacionalista no interior do estado soviético e de seu partido dirigente.

Esta perspectiva expressava os específicos interesses materiais de uma burocracia, a qual emergiu como o administrador da desigualdade social persistente, mesmo após a revolução, como conseqüência do atraso econômico e isolamento que atormentaram o primeiro estado operário.

Contudo, o stalinismo e sua perspectiva nacionalista estavam inquestionavelmente relacionados com uma tendência política internacional mais ampla, e sua ideologia se enraizava nas primeiras formas do revisionismo. Em última análise, o stalinismo representou uma forma determinada de reformismo trabalhista que assumiu um caráter peculiar e nefasto enquanto uma reação à Revolução de Outubro no interior do próprio estado soviético dos trabalhadores.

No entanto, o stalinismo compartilhava muita coisa em comum com o movimento trabalhista oficial dos países capitalistas, visando o desenvolvimento do estado nacional e da indústria e economia nacionais como a fonte de progresso e reforma—mas, não o movimento revolucionário internacional da classe operária.

A concepção da “construção do socialismo em um só país” não se originou na Rússia, mas sim na Alemanha, onde foi propagada pelo social democrata de direita Georg Von Vollmar. Em 1879 publicou um artigo intitulado “O estado socialista isolado”, lançando os fundamentos ideológicos para o crescimento posterior do social-patriotismo no interior da na Social-Democracia Alemã. Finalmente, o Partido Social Democrata Alemão deu apoio ao governo alemão na Primeira Guerra Mundial sob a justificativa de que a Alemanha detinha as melhores condições para a construção do socialismo.Vollmar previu um período prolongado de “coexistência pacífica” entre o estado socialista isolado e o mundo capitalista, durante o qual o socialismo provaria sua superioridade através do desenvolvimento tecnológico e do rebaixamento dos custos de produção.

1. A cisão ocorreu em 1985, quando o WRP optou pelo nacional-trotsquismo.
2. Em 1953, Cannon (do SWP americano), Lambert (França) e Healy (Inglaterra) romperam com Pablo e Mandel. Os primeiros fundaram o Comitê Internacional da QI. Os pablistas se denominavam Secretariado Internacional.
3. Foi então, em 1963, a partir da unificação do SWP com Pablo/Mandel que os pablistas passaram a se denominar Secretariado Unificado da QI.
4. Portanto, naquela ocasião os healistas mantiveram as posições principistas de 1953
5. Ainda que o Brasil não deva ser tratado como país “atrasado” devido, sobretudo, à potencialidade do seu proletariado, a questão ficou amplamente demonstrada no Brasil. Na década de 1960, vimos como João Goulart foi incapaz de realizar as chamadas “reformas de base”, e depois vimos os limites da ditadura militar pseudo-nacionalista, assim como, os limites, a seguir, dos múltiplos governos civis. Nenhum deles conseguiu realizar nenhuma revolução “burguesa”. Sendo que o governo do operário Lula é última e derradeira demonstração do fracasso absoluto da chamada “revolução burguesa” brasileira.
6. A cisão que o autor se refere é aquela ocorrida em 1985. Portanto, a década precedente seria aquela dos anos 70.
7. Portanto, os healistas já nos anos 70 começaram a se afastar dos ensinamentos de 1953 e 1963, quando, sem dúvida, souberam defender o trotsquismo.e a teoria da revolução permanente.
8. A Workers League surgiu de um combate contra a degeneração do SWP, seção que outrora fora dirigida por Cannon.
9. Dirigente revisonista do SWP que foi um dos principais entusiastas da Revolução Cubana.

A campanha contra a revolução permanente

A proposição desenvolvida por Bukkarin e Stalin, em 1924, de que o socialismo poderia ser construído na União Soviética embasado nas reservas nacionais e independente do destino da revolução socialista internacional representou uma revisão fundamental da perspectiva que guiou a direção soviética e a Internacional Comunista sob o comando de Lênin . Este desprendimento da perspectiva futura da União Soviética do desenvolvimento da revolução socialista mundial representou um ataque direto à teoria da revolução permanente, sobre a qual estava embasada a própria Revolução de Outubro de 1917.

Trotsky escreveu em seu Resultados e Perspectivas: “A teoria do socialismo em um só país, que cresceu no fermento da reação contra o Outubro, é a única teoria que consistentemente e de forma conseqüente se opõe à teoria da revolução permanente”.

O que ele quis dizer com isto? Que a Revolução Permanente era uma teoria que começou, desde o início, a partir de uma perspectiva revolucionária internacional; que o socialismo em um só país era uma receita utópica e reformista para um estado nacional socialista.

A Revolução Permanente tomou como seu próprio ponto de partida de socialismo a economia mundial e a revolução mundial. O socialismo em um só país, ao contrário, partiu do ponto de vista de socialismo como significando um certo desenvolvimento nacional.

Esta questão é o ponto central da crítica de Trotsky, em 1928, ao programa esboçado pela Internacional Comunista. Esta crítica está contida no livro A Terceira Internacional depois de Lênin. Gostaria de citar em pormenores certas passagem desta crítica, que esclarecem de forma precisa os fundamentos da aproximação marxista para a elaboração de uma perspectiva. O brilhantismo imperecível desta análise é ainda hoje mais claro—perante a mais ampla integração global do capitalismo, que temos acompanhado com muita atenção para o desenvolvimento da perspectiva do CI.

“Em nossa época”, escreveu Trotsky, “que é a época do imperialismo, isto é, da economia mundial e da política mundial sob a hegemonia do capital financeiro, nenhum partido comunista pode estabelecer o seu programa procedendo somente ou principalmente das condições e tendências dos desenvolvimentos de seu próprio país. O mesmo se mantém inteiramente para o partido que controla o poder de estado nas fronteiras da URSS. Em 4 de agosto de 1914,[10] soou o sino funeral para os programas nacionais de todos os tempos. O partido revolucionário do proletariado pode apoiar-se somente sobre um programa internacional que corresponda ao caráter da época atual, a época do apogeu e do colapso do capitalismo. Um programa comunista internacional não é, em caso algum, uma soma de programas nacionais ou nem uma combinação de aspectos comuns. O programa internacional deve proceder diretamente de uma análise das condições e tendências da economia mundial e do sistema político mundial como um todo, com todas as suas conexões e contradições, isto é, da interdependência contraditória mútua de suas partes isoladas. Na época atual, em maior extensão que no passado, a orientação nacional do proletariado pode e deve resultar somente da orientação internacional e não vice-versa. Nisto consiste a diferença básica e primária entre o internacionalismo comunista e todas as variantes do socialismo nacional”.

Como continuava ele: “Unindo países e continentes que se situam em diferentes níveis de desenvolvimento, unindo-os em um sistema de dependência mútua e antagonismo, nivelando os vários estágios de seu desenvolvimento e ao mesmo tempo aumentando as diferenças entre eles, e brutalmente contrapondo um país a outro, a economia mundial tornou-se uma realidade poderosa que sacode a vida econômica de países individuais e continentes. Esta situação fundamental, por si mesma, investe a idéia do partido comunista mundial como sendo a suprema realidade”.

Antes da morte de Lênin em 1924, ninguém na direção de um Partido Comunista, nem na União Soviética nem internacionalmente, havia proposto que uma sociedade socialista auto-suficiente pudesse ser construída sobre solo soviético ou sobre qualquer outro país.

Na verdade, ainda naquele mesmo ano, o próprio Stalin resumiu ainda corretamente a visão de Lênin. Assim, em “Os Fundamentos do Leninismo”, a respeito da construção do socialismo, Stalin escreveu:

“A derrubada do poder da burguesia e o estabelecimento de um governo proletário em um país não constitui ainda a garantia da completa vitória do socialismo. A principal tarefa do socialismo—a organização da produção socialista—permanece adiante. Pode essa tarefa ser cumprida, pode a vitória final do socialismo em um país ser atingida, sem os esforços conjuntos do proletariado de diversos países avançados? Não, isto é impossível. Para derrubar a burguesia os esforços de um país são suficientes—a história de nossa revolução manifestou isso. Para a vitória final do socialismo, para a organização da produção socialista, os esforços de um país, particularmente de um país camponês como a Rússia, são insuficientes. Por isso os esforços do proletariado de muitos países avançados são necessários”.

“De uma maneira geral, tais são os aspectos característicos da teoria leninista da revolução proletária”.

Antes do fim daquele ano, no entanto, os “Fundamentos do Leninismo” seriam republicados em uma edição revisada. Justamente a passagem que citei foi reformulada para o seu oposto, afirmando que o “o proletariado pode e deve construir a sociedade socialista em um país,” e a passagem foi seguida pela mesma garantia que isso constituía a “teoria leninista de revolução proletária”.

Essa revisão abrupta e grosseira de perspectiva refletia o crescimento do peso social da burocracia e seu despertar consciente em relação aos seus próprios e específicos interesses sociais, os quais a burocracia viu como associados com o desenvolvimento firme de uma economia nacional.

Além disso, o chamado para a construção do “socialismo em um só país” ecoou com força entre uma classe operária soviética exaurida que tinha visto seus elementos mais avançados sacrificados na guerra civil ou atraídos para o aparato de estado. A derrota sofrida na Alemanha como resultado da capitulação do Partido Comunista Alemão durante a crise revolucionária de 1923, reforçou a descrença nas esperanças de uma ajuda próxima vinda da revolução mundial e deixou os trabalhadores soviéticos suscetíveis diante da promessa de uma solução nacional.

Como Trotsky esclareceu em sua crítica do esboço de programa para o Sexto Congresso da Internacional Comunista e em outros escritos, a teoria do socialismo em um só país representou um ataque direto contra o programa da própria revolução socialista mundial.

Trotsky esclareceu que se fosse realmente o caso de sustentar que o socialismo poderia ser terminado na Rússia sem se preocupar com o acontecia com a revolução socialista em qualquer parte do mundo, a União Soviética deveria voltar-se de uma política revolucionária internacionalista para uma política puramente defensiva.

A lógica inevitável dessa mudança era a transformação das seções da Internacional Comunista em guardiãs de fronteira—instrumentos de uma política externa soviética toda voltada para a segurança da URSS, e conduzida através de meios diplomáticos que preveniam o ataque imperialista enquanto esta preservava o status quo global.

Como Trotsky preveniu profeticamente em 1928, a tese que o socialismo podia ser construído na solitária Rússia, caso se desse a ausência de uma agressão estrangeira, era uma estratégia que levaria inevitavelmente a “uma política colaboracionista em relação à burguesia estrangeira com o objetivo de prevenir a intervenção”.

Essa mudança fundamental no eixo estratégico do programa do partido foi acompanhado por uma substituição, em grande escala, da velha direção no interior do Comintern (a Internacional Comunista) e nas seções nacionais. Através de uma série de purgas, expulsões e golpes políticos, a burocracia de Moscou obteve uma equipe que foi treinada para colocar a defesa do estado soviético como seu eixo estratégico, muito menos do que a revolução socialista mundial.

A URSS e a economia mundial

As diferenças sobre as relações entre a Rússia e as revoluções no mundo eram inseparáveis do conflito que tinha ocorrido anteriormente no interior da própria União Soviética, aquele que vivenciara o partido a respeito de política econômica.

A direção, sob o comando de Stalin, adaptando-se pragmaticamente ao imediato crescimento produzido pela Nova Política Econômica, sustentou a preservação do status quo no interior das fronteiras soviéticas, assim como, continuou a expandir concessões ao campesinato e comerciantes privados.

Trotsky e a Oposição de Esquerda elaboraram uma detalhada proposta para desenvolver a indústria pesada, prevendo que sem um crescimento do setor industrial, haveria um sério risco de que relações capitalistas no campo inviabilizassem os fundamentos socialistas.

Acima de tudo, Trotsky rejeitou o argumento avançado em conjunção com o “socialismo em um só país” que o desenvolvimento econômico da União Soviética, de alguma forma, poderia ocorrer separadamente da economia mundial e da luta travada mundialmente entre capitalismo e socialismo.

Bukharin havia declarado: “Construiremos o socialismo ainda que seja a passos de tartaruga”, enquanto Stalin insistia que não havia “necessidade de injetar o fator internacional no nosso desenvolvimento”.

A falsa concepção stalinista que o único perigo para a construção do socialismo na URSS era aquele da intervenção militar ignorava a imensa pressão exercida sobre o país pelo mercado capitalista mundial.

Em oposição a essa pressão, o estado soviético estabeleceu o monopólio do comércio exterior. Enquanto um indispensável instrumento de defesa, o próprio monopólio expressava a dependência soviética do mercado mundial e sua relativa fragilidade em termos da produtividade do trabalho em relação às principais potências capitalistas.Embora o monopólio regulasse a pressão de bens mais baratos vindos do capitalismo ocidental, esse monopólio não eliminava tal pressão.

Trotsky lutou por um crescimento industrial mais rápido para se opor a essa pressão, enquanto ao mesmo tempo rejeitava a concepção de uma economia autárquica. O desenvolvimento de um planejamento puramente nacional que falhasse em levar em conta as relações entre a economia soviética e o mercado mundial estava condenado ao fracasso. Insistiu que a URSS tiraria vantagens da divisão mundial do trabalho, ganhando acesso a tecnologia e recursos econômicos dos países capitalistas avançados, para desenvolver a sua própria economia.

A tentativa de desenvolver uma economia “socialista” auto-suficiente baseada nos recursos da Rússia atrasada estava condenada, não meramente pelo atraso da Rússia, mas porque isso representava uma regressão em relação à economia mundial já criada pelo capitalismo. Em sua introdução à edição alemã de A Revolução Permanente, Trotsky escreveu:

“O marxismo toma o seu ponto de partida da economia mundial, não como uma soma das partes, mas como uma realidade poderosa e independente que foi criada pela divisão internacional do trabalho e pelo mercado mundial, que na nossa época domina de forma imperiosa os mercados nacionais. As forças produtivas da sociedade capitalista há bom tempo têm crescido além das fronteiras nacionais. A guerra imperialista (de 1914-1918) foi uma das expressões deste fato. Nesse sentido, a técnica produtiva da sociedade socialista deve representar um estágio mais alto do que aquele atingido pelo capitalismo. Visar construir uma sociedade socialista isolada nacionalmente significa, apesar de todos os êxitos ocorridos, impulsionar as forças produtivas para trás mesmo em relação ao capitalismo. Independentemente, das condições geográficas, culturais e históricas de desenvolvimento do país, que constitui uma parte da unidade mundial, tentar realizar um encerramento de todos os ramos da economia no interior de uma estrutura nacional, significa perseguir uma utopia reacionária”.

A luta da direção stalinista para impor a ideologia do “socialismo em um só país” inevitavelmente tomou a forma de um luta viciosa contra o “trotsquismo” e em particular contra a teoria da revolução permanente.

Em sua autobiografia, Minha Vida, Trotsky explicou a psicologia política do que ele descreveu como “o ataque totalmente filisteu, ignorante e simplesmente estúpido contra a teoria da revolução permanente”:

“Tagarelando ao lado de uma garrafa de vinho ou retornando do balé um burocrata presunçoso diz ao outro: ‘Aquele tem sempre só a revolução permanente nacabeça’. Conectadas cerradamente com esse humor específico eram acrescentadas as acusações de insociabilidade, de individualismo, de aristocratismo. O sentimento de ‘Não tudo e sempre pela revolução, a gente deve pensar também em si próprio’ foi traduzido como ‘Abaixo a revolução permanente’. A revolta contra as reivindicações teoricamente exatas do marxismo e contra as reivindicações políticas rigorosas da revolução gradualmente assumiram, aos olhos desses indivíduos, a forma de luta contra o ‘trotskismo’. Sob esta bandeira procedeu-se a liberação do ignorante no interior do bolchevique.”

10. Em 4 de agosto de 1914 a Social-Democracia Alemã votava os créditos para a guerra imperialista traindo o programa internacionalista. Após essa traição Lênin rompe com a II Internacional.

A reação contra o Outubro de 1917

A campanha contra a revolução permanente foi uma expressão necessária do crescimento do nacionalismo no interior do Partido Bolchevique e o começo da reação contra a Revolução de Outubro, que foi realizada embasada nessa teoria.

Aqueles que, como Stalin, denunciaram Trotsky em 1924 pela falta de crença na construção, em Rússia, do “socialismo em um só país”, o tinham atacado entre 1905 e 1917 como um revolucionário utópico por sustentar que o proletariado russo podia chegar ao poder antes dos trabalhadores da Europa Ocidental. Insistiam eles, naquele tempo, que a Rússia era um país muito atrasado.

Trotsky tinha assegurado que a natureza da Revolução Russa seria determinada, em última análise, não pelo nível de desenvolvimento da sua própria economia nacional, mas sim, pela dominação da Rússia pelo capitalismo mundial e pela sua crise internacional. Em países como a Rússia, com um desenvolvimento capitalista tardio, com uma integração na economia capitalista mundial e com um crescimento da classe trabalhadora, se tornara impossível para a burguesia levar até o fim as tarefas associadas com a revolução burguesa.

Resumiu sua teoria em artigo de 1939, “Três concepções da Revolução Russa”: “A completa vitória da revolução democrática na Rússia é inconcebível de outra maneira que na forma de ditadura do proletariado embasado ele próprio sobre o campesinato. A ditadura do proletariado, que colocará inevitavelmente na ordem do dia não somente as tarefas democráticas, mas também as tarefas socialistas, proporcionará ao mesmo tempo um forte impulso à revolução socialista internacional. Somente a vitória do proletariado no Ocidente protegerá a Rússia de uma restauração burguesa e lhe assegurará a construção do socialismo de forma acabada”.

Rejeitando os fundamentos internacionalistas dessa teoria—confirmados na experiência da Revolução de Outubro- a direção de Stalin se embasou em um caminho formalmente nacionalista, dividindo o mundo em diferentes tipos de países fez suposições se estes possuíam ou não as pré-condições necessárias para uma construção socialista.

Trotsky denunciou esse caminho como duplamente enganoso. Ressaltou que o desenvolvimento da economia capitalista mundial não somente coloca a questão da conquista do poder pela classe trabalhadora nos países atrasados, como também torna irrealizável a construção do socialismo no interior das fronteiras nacionais mesmo nos países capitalistas avançados.

Escreveu ele: “Os lineamentos desse programa esquecem a tese fundamental da incompatibilidade entre as atuais forças produtivas e as fronteiras nacionais, e disto se segue que forças produtivas altamente desenvolvidas não significam um inferior obstáculo para a construção do socialismo em um só país do que forças produtivas menores, embora em razão inversa, ou seja, enquanto no último caso as forças produtivas são insuficientes para servirem como base do socialismo, estas mesmas forças são a base que limitará as primeiras”.

Ou seja, os países coloniais carecem de uma base econômica/industrial, enquanto em um país capitalista avançado a economia capitalista há muito tempo cresceu para além das fronteiras nacionais. A Inglaterra, como salientou Trotsky, devido ao desenvolvimento de suas forças produtivas, precisou de matérias primas e mercados do mundo inteiro. Uma tentativa de construir o socialismo sobre uma ilha conduziria necessariamente para um retrocesso econômico irracional.

Socialismo em um só país e China

Na verdade, o tempo não nos permite fazer uma análise mais detalhada sobre as conseqüências da política do “socialismo em um só país” para as seções da Internacional Comunista. Todavia, penso que é necessário se referir, embora de forma sumária, à traição da Revolução Chinesa de 1925-27. Esta traição aconteceu em plena luta de Trotsky contra a teoria retrógrada de Stalin e representou uma confirmação terrível de sua advertência de que a concepção stalinista somente poderia conduzir a derrotas catastróficas para a classe operária internacional.

Escrevendo em 1930, Trotsky descreveu esta “segunda” Revolução Chinesa como o “maior acontecimento da história moderna depois da Revolução Russa de 1917”. A onda nascida da luta revolucionária da classe operária e camponesa chinesas, assim como, o rápido crescimento numérico do Partido Comunista Chinês e de sua autoridade política, após sua recente fundação em 1920, ofereceram à União Soviética a possibilidade mais oportuna para romper o cerco e o isolamento.

No entanto, havendo repudiado a Revolução Permanente e ressuscitado a teoria menchevique dos “dois estágios” para a revolução nos países coloniais e semi-coloniais, a direção stalinista insistiu que a classe trabalhadora chinesa precisava subordinar sua luta ao Kuomintang, organização burguês-nacionalista sob o comando de Chiang Kai-shek.

Contra a oposição de Trotsky, o Partido Comunista Chinês foi instruído a entrar no Kuomintang e submeter-se à sua disciplina organizativa. Ao mesmo tempo, Chiang Kai-shek havia sido eleito como membro honorário do comitê executivo do Comintern (a Internacional Comunista), com apenas um voto contrário, a saber, aquele de Trotsky.

A direção stalinista qualificou o Kuomintang como o “bloco de quatro classes”, consistindo na classe operária, no campesinato, na pequena burguesia e na burguesia nacional.

Stalin defendeu a posição que a China ainda não estava madura para uma revolução socialista, e que faltava ao país o “mínimo suficiente” de desenvolvimento para a construção do socialismo. Por isso, a classe trabalhadora não poderia lutar pelo poder político.

Como estabelece a resolução do Komintern de fevereiro de 1927: “O atual período da revolução chinesa é um período de revolução democrático-burguesa, que não foi completado nem do ponto de vista econômico (revolução agrária e aniquilação das relações feudais), nem do ponto de vista da luta nacional contra o imperialismo (a unificação da China e o estabelecimento da independência nacional), nem do ponto de vista da natureza de classe do estado (ditadura do proletariado e do campesinato)”.

Trotsky ressaltou que tudo nessa resolução sobre a China ecoava a posição sustentada pelos mencheviques e mesmo por muitos da direção bolchevique—Stalin inclusive—nos momentos seguintes à Revolução Russa de Fevereiro de 1917. Naquela época, estes insistiam que a revolução não poderia saltar o estágio democrático-burguês de seu desenvolvimento e chamavam por uma sustentação condicional do governo burguês provisório. Eles rejeitaram como “trotsquismo” as teses anunciadas por Lênin, em abril de 1917. Nestas teses afirma-se que as tarefas essenciais da revolução democrático-burguesa somente poderiam ser completadas pela classe operária tomando o poder e estabelecendo a sua própria ditadura.

A direção stalinista insistiu que a opressão imperialista sofrida pela China—e na verdade por todos os países coloniais e semi-coloniais—unificou conjuntamente todas as classes, do proletariado à burguesia em uma luta comum contra o imperialismo, justificando sua unificação em um partido comum.

Contra esta concepção, Trotsky estabeleceu que a luta contra o imperialismo, a qual desfrutava de muitos laços com a burguesia nativa, somente intensificava a luta de classes. “A luta contra o imperialismo, precisamente devido ao poderio econômico e militar deste, exige um poderoso empenho das forças mais profundas do povo chinês”, escreveu ele. “Porém, tudo que coloca em movimento as massas oprimidas de trabalhadores, inevitavelmente, impele a burguesia nacional a um bloco aberto com o imperialismo. A luta de classes entre a burguesia e as massas de trabalhadores e camponeses não é enfraquecida, mas, ao contrário, é agravada pela opressão imperialista, ao ponto de guerra civil sangrenta em todo conflito mais sério”.

Stalin foi hábil para impor a política menchevique na China, contra a vontade do Partido Comunista Chinês, o qual foi instruído a frear tanto os trabalhadores na cidade como a revolução agrária no campo. Finalmente, ordenou que estes entregassem suas armas ao exército de Chiang Kai-shek. O resultado foi um massacre de aproximadamente 20 mil comunistas e trabalhadores praticado exatamente por este exército, em Shangai, no dia 12 de abril de 1927.

A direção stalinista, então, insistiu que o massacre tinha somente confirmado sua linha e que Chiang Kai-shek somente representava a burguesia, não os “nove décimos” do Kuomintang formados por operários e camponeses. O líder legítimo destes “nove décimos”, proclamaram agora os stalinistas, era Wang Ching-wei, que comandou o governo de “esquerda” do Kuomintang em Wuhan, a quem ordenaram que deveria subordinar-se novamente o PCC. Em julho de 1927, após Wang haver realizado um acordo com Chiang Kai-shek, repetiu-se o massacre dos trabalhadores e comunistas assistido em Shangai.

É digno de nota que esse líder da “esquerda” do Kuomitang—proclamado por Stálin o cabeça de uma “ditadura democrática revolucionária”—mais tarde, tornou-se o chefe do regime marionete da ocupação japonesa em Nanking.

Em uma rápida tentativa de acobertar as conseqüências catastróficas do oportunismo do Comintern em Shangai e Wuhan, Stalin insistiu que a revolução chinesa estava ainda em ascenso e sancionou uma revolta aventureira em Cantão, que terminou ainda em outro massacre.

O resultado foi a aniquilação física do Partido Comunista Chinês e a derrota daquela que tinha sido a mais promissora oportunidade revolucionária desde 1917.

O oportunismo da direção stalinista na China baseava-se sobre a concepção de que o sucesso do Kuomintang podia servir como um contrapeso para o imperialismo e, por isso, conceder à União Soviética um tempo de fôlego para o projeto de construir o “socialismo em um só pais”.

Como se vê, a política oportunista e anti-marxista na China originou-se dos mais íntimos suportes nacionalistas da teoria do “socialismo em um só país”. Aplicado à China, este método analisou a revolução nacional isolada da revolução mundial. Disto resultou, por um lado, a visão da China como insuficientemente madura para o socialismo e, de outro, dotou a burguesia nacional e a própria forma do estado nacional de um papel historicamente progressista.

Trotsky rejeitou ambas as concepções, insistindo que o caráter da revolução chinesa era determinada pelo desenvolvimento mundial do capitalismo, o qual, como na Rússia, em 1917, colocava a tomada do poder pela classe operária como a única possibilidade de resolver as tarefas democráticas e nacionais da revolução.

As advertências anteriores de Trotsky sobre as conseqüências da política do “socialismo em um só país” haviam se confirmado, porém, como Trotsky preveniu aqueles que dentro da Oposição de Esquerda viam isso como um golpe mortal para Stalin, o impacto objetivo da derrota na China sobre as massas de trabalhadores soviéticos somente reforçou a mão da burocracia. Logo após a derrota, o próprio Trotsky foi expulso do partido em novembro de 1927 e, alguns meses mais tarde, banido para Alma Ata, fronteira entre a China e a Rússia.

A significação política da adoção da perspectiva de Stalin-Bukharin do “socialismo em um só país” combinada com a campanha contra a Revolução Permanente e a supressão de Trotsky e de seus co-pensadores foi muito bem compreendida pelos órgãos mais conscientes da classe burguesa mundial.

Assim, o New York Times publicou uma especial reportagem escrita por seu inefável correspondente em Moscou, Walter Duranty, em junho de 1931, declarando: “A característica essencial do ‘stalinismo’, que bruscamente define seu avanço e se diferencia do leninismo, é que visa francamente estabelecer com sucesso o socialismo em um só país, sem esperar pela revolução mundial”

“A importância deste dogma, que jogou um papel predominante na controvérsia amarga com Leon Trotsky, não pode ser exagerada. Trata-se do ‘slogan’ stalinista par excellence, e ele estigmatiza como heréticos ou ‘derrotistas’ todos os comunistas que se recusem a aceitá-lo, na Rússia ou fora dela”.

E continuou Duranty: “A teoria da ‘suficiência Socialista Soviética’, como isso pode ser chamado, envolve um certo decréscimo de interesse na revolução mundial—talvez, não de forma premeditada, mas por força das circunstâncias. A socialização stalinista da Rússia demanda, imperativamente, três coisas—toda pitada de esforço, cada centavo de dinheiro, e paz. Isto deixa o Kremlin sem tempo, dinheiro ou energia para a ‘propaganda vermelha’ no exterior, que, incidentalmente, seria uma causa provável de guerra, e, sendo uma força de destruição social, deve fatalmente chocar-se com o plano qüinqüenal que é uma força de construção social”.

De forma semelhante, o jornal francês Le Temps comentou dois anos depois: “Desde a remoção de Trotsky, que, com sua teoria da revolução permanente, representou um efetivo perigo internacional, a administração soviética encabeçada por Stalin aderiu à política da construção do socialismo em um só país, sem esperar a problemática revolução no resto do mundo”.

O artigo aconselhava então a classe dominante francesa a não levar muito a sério a retórica revolucionária da burocracia stalinista.

Trotsky propôs nesta época a criação de um “livro branco” copilando tais endossamentos do “socialismo em um só país” de parte da burguesia e um “livro amarelo” incluindo declarações de simpatia e sustentação da parte de social-democratas.

Oito décadas depois, podemos reconhecer claramente as implicações da luta entre a teoria da revolução permanente e a do “socialismo em um só país”. As advertências precisas e proféticas de Trotsky que a tentativa de separar o desenvolvimento socialista da União Soviética do desenvolvimento internacional e da revolução mundial somente poderia conduzir a uma catástrofe foram confirmadas na necessidade de redesenhar o mapa do mundo e no vasto empobrecimento da população trabalhadora da antiga URSS.

Somando-se à cisão no Comitê Internacional, o ano de 2005 marca também o vigésimo aniversário do início do programa da perestroika conduzido por Mikhail Gorbachov. Esta política marcou o acabamento da traição do stalinismo à Revolução de Outubro. Por trás do palavreado marxista, a burocracia já há muito tempo não mais considerava o socialismo como um programa para a derrubada revolucionária do capitalismo, mas, muito mais, como um meio de desenvolver uma economia nacional que fosse a base de seus próprios privilégios.

Foi para defender estes privilégios que a burocracia girou para uma política de restauração capitalista, que desencadeou um desastre de proporções histórico mundiais para o povo soviético. A mais forte manifestação disso é a implosão da população—nos últimos dez anos a população na Rússia diminuiu em aproximadamente 9,5 milhões de pessoas, apesar de que muitos milhares de russos regressaram das antigas repúblicas soviéticas. O número de crianças sem habitação é hoje muito maior do que nos piores momentos da Guerra Civil ou logo após a Segunda Guerra Mundial.

A dissolução da burocracia stalinista da URSS—uma resposta à pressão crescente do capitalismo globalmente integrado sobre a nacionalmente isolada economia soviética—representou a falência não do socialismo ou do marxismo, mas sim, aquela da tentativa da burocracia stalinista de manter em pé, isolada, uma economia nacional auto-suficiente—isto é, a perspectiva do socialismo em um só país.

A luta de Trotsky travada contra a teoria do socialismo em um só país proporcionou uma análise profunda dos fundamentos da reação contra a Revolução de Outubro e da sua significação para a classe trabalhadora internacional, no processo de elaborar um programa coerente para a construção do partido mundial da revolução socialista.

A defesa de Trotsky da Revolução Permanente e a concepção fundamental de que a economia mundial e a política mundial constituem o único fundamento objetivo para uma estratégia revolucionária representa, hoje, a pedra angular da perspectiva internacionalista do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

(Concluído)

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