Publicado originalmente em 5 de janeiro de 2021
O pedido de extradição de Julian Assange do Reino Unido para os Estados Unidos foi negado por uma decisão judicial cuidadosamente redigida que mantém a armação grotesca do Departamento de Justiça dos EUA.
O fundador do WikiLeaks enfrentava a extradição para os EUA sob a Lei de Espionagem e uma possível condenação de 175 anos por publicar informações expondo crimes de guerra, complôs de golpes, espionagem estatal, corrupção, tortura e abusos dos direitos humanos em todo o mundo.
A juíza regional Vanessa Baraitser recusou o pedido de extradição dos EUA alegando que seria “opressivo” por causa da saúde mental comprometida de Assange e do risco de suicídio se ele fosse detido e preso nos EUA.
Os advogados de acusação disseram que irão recorrer da decisão, o que devem fazer dentro de 14 dias. A defesa apresentará um pedido de liberdade condicional na quarta-feira de manhã. Pelo menos até lá, Assange permanece detido na prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, em meio a uma crescente pandemia de COVID-19.
A decisão de Baraitser foi totalmente inesperada. O editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, disse à AFP no domingo que ele estava “quase certo” de que o tribunal decidiria contra Assange. A noiva de Assange, Stella Moris, começou seus comentários em frente ao tribunal após a audiência observando: “Eu tive que reescrever meu discurso”.
As forças e considerações que motivaram a decisão ficarão mais claras nos próximos dias e semanas. O que já é evidente é que foi tomada uma decisão eminentemente política que mantém a ameaça aos direitos democráticos da acusação e deixa Assange em perigo de contínua perseguição. É preciso intensificar a campanha para garantir sua liberdade.
Ao negar a extradição exclusivamente por causa do estado de saúde mental de Assange, Baraitser endossou em sua totalidade a restrição da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa da acusação, e suas justificativas de flagrante abuso ao devido processo legal e dos direitos humanos de Assange.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos respondeu com o comentário sinistro: “Embora estejamos extremamente desapontados com a decisão final do tribunal, estamos satisfeitos que tenham sido acatados todos os pontos legais levantados pelos Estados Unidos. Em particular, o tribunal rejeitou todos os argumentos do Sr. Assange em relação à motivação política, ofensa política, julgamento justo e liberdade de expressão. Continuaremos buscando a extradição do Sr. Assange para os Estados Unidos.”
O World Socialist Web Site publicará nos próximos dias uma análise completa dos argumentos endossados por Baraitser. As principais conclusões da juíza foram que Assange não poderia reivindicar a proteção do Artigo 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos – garantindo a liberdade de expressão, de opinião e de imprensa – e que os Estados Unidos procederam de forma totalmente legal ao persegui-lo. Baraitser até justificou a espionagem do estado americano sobre Assange e seus advogados na embaixada do Equador por motivos de “segurança nacional”.
Ela retratou Assange como um hacker imprudente “sem qualquer relação com o jornalismo de investigação”, se utilizando também das “denúncias caluniosas” do Guardian e do New York Times contra ele e o WikiLeaks. Justificando a espionagem americana da embaixada equatoriana, Baraitser se referiu a uma matéria da CNN que afirmava injustamente: “Assange transformou uma embaixada em um posto de comando para intromissão eleitoral”.
Baraitser procurou manter em sua decisão o máximo possível do precedente antidemocrático estabelecido por este caso, retratando vingativamente Assange como um indivíduo danoso cujas publicações através do WikiLeaks eram uma ameaça à segurança nacional dos EUA.
Jennifer Robinson, advogada de Assange, deu uma entrevista após a audiência, alertando que Baraitser havia decidido contra a extradição “com o argumento estreito de que sua extradição é opressiva, não com base na liberdade de imprensa, mas por causa da condição médica específica e da deterioração da saúde mental e das condições específicas da prisão que ele enfrentaria enquanto detido nos Estados Unidos...
“Isso ainda é muito preocupante e os grupos de defesa da liberdade de expressão ainda devem estar atentos. Nos próximos dias estaremos analisando muito atentamente o julgamento. Ela concordou com o Ministério Público americano em todos os outros pontos, inclusive em relação aos argumentos da liberdade de expressão que havíamos levantado sobre a aplicação da Primeira Emenda, a natureza sem precedentes deste caso e o fato de que Julian não teria um julgamento justo uma vez nos Estados Unidos.”
Hrafnsson resumiu o resultado como “uma vitória para Julian Assange, mas... não necessariamente uma vitória para o jornalismo”.
A vitória pessoal de Assange não está garantida. Sua detenção contínua em uma prisão de segurança máxima se tornou ainda mais revoltante e insustentável devido à recusa de extraditá-lo aos EUA. Ele não enfrenta nenhuma acusação em nenhum lugar, exceto nos Estados Unidos, onde o tribunal britânico decidiu agora que não pode ser julgado justamente. Não há o menor fundamento para sua prisão.
A decisão de Baraitser é também uma admissão de fato da criminalidade do governo britânico e de seu sistema legal. O fato de Assange ser, em suas palavras, um “homem deprimido e às vezes desesperado, verdadeiramente temeroso de seu futuro” e com “risco considerável” de suicídio não se deve apenas pelo medo do que o espera nos Estados Unidos, mas pelo tratamento sádico que está recebendo do estado britânico.
Em maio de 2019, o Relator Especial da ONU sobre Tortura Nils Melzer visitou Assange com um médico e um psicólogo. Ele anunciou naquele mês que Assange havia sofrido nove anos de “abuso persistente e progressivamente violento” pelos EUA, seus aliados e a mídia, resultando em sintomas clinicamente verificáveis de “tortura psicológica”. O governo do Reino Unido rejeitou suas conclusões.
Em novembro de 2019, um grupo internacional de médicos assinou uma carta aberta alertando que Assange “poderia morrer” na prisão devido às condições de sua prisão e insistindo que ele fosse avaliado e tratado em um “hospital universitário devidamente equipado e com pessoal especializado”. O grupo criou a campanha Médicos para Assange, que condenou a “tortura” e a “negligência médica” a Assange.
Baraitser agora se refere às evidências de sintomas psicológicos graves, tais como alucinações, ideias suicidas e planos para cometer suicídio, ao justificar sua recusa em extraditar Asange. A única conclusão a ser tirada de sua decisão é que o fundador do WikiLeaks deve ser imediatamente libertado e receber cuidados e apoio médicos adequados, com total compensação pela monstruosa perseguição que sofreu nas mãos dos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Suécia.
A conclusão de Baraitser de que as condições no sistema prisional dos EUA levariam Assange ao suicídio é uma condenação ao imperialismo americano e ao bárbaro aparato de segurança estabelecido sob a bandeira da “Guerra ao Terror”.
Em sua decisão, ela explicou: “O Sr. Assange enfrenta a perspectiva sombria de condições de detenção severamente restritivas, destinadas a eliminar o contato físico e reduzir ao mínimo a interação social e o contato com o mundo exterior”. Ela citou o depoimento da testemunha de defesa Maureen Baird, uma funcionária do Departamento Prisional dos EUA por 27 anos, que disse na audiência de setembro que a prisão onde Assange ficaria “não foi construída para a humanidade”.
A luta para defender Assange deve continuar até que a ameaça desta punição brutal e vingativa seja totalmente retirada. Stella Moris, falando em frente ao tribunal, alertou: “Enquanto Julian tiver que suportar o sofrimento e o isolamento como um prisioneiro não condenado na prisão de Belmarsh e enquanto nossos filhos continuarem a ser privados do amor e afeto de seu pai, não podemos comemorar...
“Hoje é o primeiro passo em direção à justiça neste caso. Estamos satisfeitos que o tribunal tenha reconhecido a seriedade e a desumanidade do que ele tem suportado e do que ele enfrenta. Mas não esqueçamos que a acusação nos EUA não foi arquivada.
“Estamos extremamente preocupados que o governo dos EUA tenha decidido recorrer desta decisão. Ele continua querendo punir Julian e enviá-lo ao buraco mais escuro do sistema prisional dos EUA para o resto de sua vida.”
A equipe jurídica de Assange e seus apoiadores em todo o mundo merecem ser parabenizados. A decisão de segunda-feira é uma vitória para todos que tomaram uma posição no caso jurídico mais importante do século XXI, e um passo necessário para acabar com a perseguição a Assange.
Mas não há espaço para a complacência. A liberdade de Assange deve ser conquistada e o ataque aos direitos democráticos, dos quais seu caso é a ponta de lança, deve ser derrotado. Isso somente será garantido através da mobilização de camadas cada vez mais amplas da classe trabalhadora internacional e de todos os defensores dos direitos democráticos.
Agora, a demanda urgente deve ser: Pela liberdade imediata de Julian Assange!
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