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Terceira semana de protestos na Colômbia: Bogotá e Washington preparam intensificação da repressão

Publicado originalmente em 13 de maio de 2021

Na quarta-feira, todas as cidades de grande e médio porte da Colômbia foram palco de manifestações massivas, com dezenas de milhares de pessoas, bloqueios de estradas e outros protestos, no terceiro dia da "Greve Nacional" e décimo quarto dia de protestos no país sul-americano.

Uma manifestação de protesto na Colômbia, no último sábado (Fonte: Twitter)

A "greve" foi convocada pelo Comitê Nacional de Greve, que é composto pelas principais centrais sindicais e associações de agricultores, após ter suspendido as negociações com o governo do presidente de extrema-direita Ivan Duque após o primeiro dia do chamado "Diálogo Nacional" na segunda-feira.

Desde 2019, os sindicatos e o governo têm repetidamente realizado ciclos de conversas alternadas com chamados de "Greves Nacionais", durante as quais os sindicatos não mobilizam os poderosos setores petrolífero, automotivo e outros setores industriais, e trabalham para dissipar a raiva popular.

Na manhã de terça-feira, Duque visitou a terceira maior cidade e epicentro das manifestações, Cali. Lá ele se reuniu com a liderança dos militares colombianos, do Ministério do Interior e do Ministério da Justiça. Depois, ele anunciou que seu governo financiaria um semestre de aulas gratuitas para estudantes universitários dos estratos de menor renda social e apelou para o prosseguimento do "Diálogo Nacional".

O Comitê Nacional de Greve recusou-se deliberadamente a apresentar uma estratégia clara ou um conjunto de reivindicações, ao mesmo tempo que seus líderes dão declarações a seus contatos na mídia corporativa calculadas para soarem radicais, tentando exercer controle sobre as manifestações.

Entretanto, o movimento de protesto continua descentralizado, sem liderança e isolado do apoio massivo que tem em setores estratégicos da classe trabalhadora na Colômbia e internacionalmente, facilitando as manobras policiais do Estado para quebrá-lo.

Apesar de marcar uma etapa mais avançada da luta de classes, a revolta segue o mesmo caminho que os protestos em massa no Chile, Bolívia, Porto Rico, Honduras, Haiti e na própria Colômbia em 2019. As tentativas de elementos pseudoesquerdistas da classe média abastada para idealizar seu caráter espontâneo e sem liderança, ou para subordiná-la a apelos fúteis às burocracias sindicais, visam assegurar seu maior isolamento e desmobilização.

Em Cali, os maiores bloqueios de estradas e manifestações têm ocorrido nos bairros periféricos onde vivem os setores mais pobres da classe trabalhadora e onde as demandas se concentram em torno dos necessidades básicas, acesso a aulas on-line e serviços sociais.

De acordo com estatísticas governamentais, a área metropolitana de Cali viu sua taxa oficial de pobreza (os que vivem abaixo de US$ 87 por mês) aumentar de 21,9% para 36,6% entre 2019 e 2020. A crise da pandemia da COVID-19 tem sido particularmente devastadora para a quinta parte mais pobre da população de Cali, que viu sua renda real despencar radicalmente em 50,1 por cento. Nacionalmente, a taxa de pobreza subiu para 42,5%, e a quinta parte mais pobre viu uma queda de sua renda real ainda maior em Bucaramanga (55,1%), Ibagué (50,9%) e na capital Bogotá (50,3%).

Enquanto isso, os leitos de UTI estão lotados em Cauca, no grande Valle de Cauca e nas cidades de todo o país, uma vez que as mortes de COVID-19 permanecem em níveis recordes em nível nacional. Essa catástrofe social e sanitária que alimenta a crescente revolta popular não é de forma alguma exclusiva da Colômbia.

A mesma política de priorização dos lucros e da atração de capital estrangeiro, em detrimento da proteção das vidas e dos meios de subsistência dos trabalhadores, tem tido resultados semelhantes em toda a América Latina, onde as tensões sociais estão atingindo um ponto de ruptura. No ano passado, 34 milhões de empregos foram perdidos na região e 22 milhões de pessoas caíram sob a linha oficial de pobreza, com o número pobres crescendo para um terço dos 600 milhões de residentes da região. Enquanto isso, a América Latina soma 30% das mortes confirmadas por COVID-19 mundialmente, apesar de representar menos de 9% da população mundial.

O governo Duque se prepara para intensificar a repressão, realocando centenas de tropas para Cali no domingo, enquanto o Ministro da Defesa Diego Molano colocou um alvo nas costas dos trabalhadores empobrecidos da cidade.

Na terça-feira, Molano tuitou: "Em 13 dias de protestos, os terroristas infiltrados em manifestações deixaram 849 policiais feridos". Ele acrescentou: "Em Cali, as organizações criminosas continuam incitando a violência".

Até hoje, já foram apresentadas 548 denúncias de manifestantes desaparecidos. O ombudsman do governo alega que 168 deles continuam desaparecidos, e a Unidade de Busca de Pessoas Desaparecidas dá o número de 379. Quarenta manifestantes foram mortos pela polícia e 1.003 foram submetidos a prisões arbitrárias, de acordo com a ONG Temblores.

A repressão está sendo realizada não apenas com o apoio do governo Biden em Washington, mas em estreita coordenação com o Pentágono.

O atual oficial militar colombiano integrado ao Comando Sul dos EUA, o coronel do Exército Héctor Iván Macías, explicou em 29 de março ao Diálogo Interamericano que, em coordenação estratégica diária com o Pentágono, os militares colombianos lançaram a "Operação San Roque" em resposta à pandemia.

Em uma admissão implícita de que a cooperação militar EUA-Colômbia se baseia na avaliação de que a pandemia apresenta uma crise potencial para o próprio governo capitalista, o coronel Macías disse que o plano busca "manter a governabilidade exercida pelo presidente da República, líderes e instituições locais".

Durante vários dias da repressão em curso, o conselheiro superior do Comando de Assistência de Segurança dos EUA, “A Face do Exército para o Mundo”, “promoveu engajamentos entre líderes-chave, briefings, reuniões e discussões jurídicas com os principais líderes militares colombianos", como relatado em 5 de maio pelo site do Exército dos EUA.

"A presença das forças dos EUA, vivendo e trabalhando diariamente com seus parceiros na base aérea colombiana [de Tolemaida], diz muito sobre o relacionamento entre os dois países enquanto trabalham lado a lado para melhorar as capacidades militares colombianas e promover a estabilidade regional", afirma o artigo, referindo-se a uma das sete bases militares utilizadas pelas forças dos EUA na Colômbia.

Isto se estende às operações cibermilitares, com o exército americano tendo tuitado na terça-feira sobre seu "primeiro intercâmbio virtual de ciberdefesa com as Forças Militares Colombianas". Isto ocorre num momento em manifestantes e jornalistas locais relatam o desligamento da Internet em meio à repressão.

Até agora, as mortes documentadas foram realizadas pela polícia, incluindo oficiais à paisana, e não soldados. Desde sua criação oficial nos anos 1950, no entanto, a Polícia Nacional tem operado dentro do Ministério da Defesa e foi desenvolvida pelo imperialismo americano como uma força contrainsurrecional para combater a guerrilha de esquerda e a oposição social.

O Comitê Nacional de Greve e a pseudoesquerda concentraram-se em exigir o desmantelamento da Esquadrão Móvel Antidistúrbios (ESMAD) e uma reforma da polícia. Essa perspectiva busca desviar os trabalhadores e a juventude da oposição ao Estado colombiano como um todo, seus patronos imperialistas norte-americanos e o sistema capitalista.

Além disso, ao se oporem aos lockdowns necessários e auxílio social suficiente aos trabalhadores durante a pandemia, os sindicatos colombianos e todo o establishment político têm demonstrado seu compromisso com a defesa das atividades lucrativas dos bancos e empresas colombianas, por sua vez dependentes de Wall Street.

A revolta colombiana é parte de uma contraofensiva dos trabalhadores de todo o mundo em oposição à política de "assassinato social" promovida pelas elites governantes capitalistas globalmente. O Comitê Internacional da Quarta Internacional convoca a construção da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base para organizar e unificar conscientemente esta luta com base na perspectiva da revolução socialista mundial.

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