Gustavo Petro, candidato da coalizão pseudoesquerdista Pacto Histórico, foi eleito presidente da Colômbia no último domingo. Com 50,44% dos votos, ele derrotou o candidato fascistoide Rodolfo Hernandéz, apelidado de o “Trump colombiano”, que recebeu 47,04%. O resultado foi anunciado como a primeira vitória de um “governo de esquerda” na história da Colômbia.
A eleição de Petro e sua vice, Francia Márquez, é considerada a mais nova conquista de uma nova onda da chamada “Maré Rosa” na América Latina. Todos os líderes identificados com esta tendência celebraram o acontecimento, entre eles o mexicano Andrés Manuel López Obrador, o argentino Alberto Fernández, o boliviano Luis Arce, o peruano Pedro Castillo e o chileno Gabriel Boric. O ex-presidente Lula, que pretende reassumir a presidência do Brasil nas eleições de outubro, declarou que a “vitória [de Petro] fortalece a democracia e as forças progressistas na América Latina”.
Petro assumirá o comando de um país atravessado pela mais profunda crise econômica, social e política. O atual presidente de extrema-direita, Iván Duque, deixa sua cadeira como um dos líderes mais odiados da história colombiana, com um índice de desaprovação que ultrapassa os 70%. Seu governo foi marcado por sucessivas greves nacionais e manifestações de rua massivas que contestaram os terríveis níveis de desigualdade social e a violência assassina do Estado colombiano.
A pandemia de COVID-19 representou uma drástica piora das condições sociais na Colômbia. O país teve um dos mais altos índices de mortalidade pelo coronavírus na região, com 140 mil mortos segundo os dados oficiais. No mesmo período, 3,6 milhões de colombianos foram lançados na pobreza, com o nível de desemprego atingindo seu máximo histórico em 2021.
A revolta social nas ruas, impulsionada por essas condições, foi brutalmente reprimida pelo governo Duque. Mais de 80 pessoas foram assassinadas durante as jornadas do Paro Nacional de 2021, segundo um levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e Paz (INDEPAZ). As mortes foram perpetradas diretamente por policiais e militares, que também colaboraram e assistiram elementos civis cometerem assassinatos e outros atos de violência contra manifestantes.
O aparato de violência do Estado colombiano, financiado pelo imperialismo americano sob o pretexto da guerra às drogas, foi exposto aos olhos de milhões como uma máquina de guerra da classe dominante voltada contra a juventude e a classe trabalhadora em luta.
A eleição de Petro é um reflexo distorcido dessa experiência de massas e da rejeição ao regime burguês colombiano. As paralisações nacionais foram desviadas pelo Comitê Nacional que as dirigiam de um choque direto com o governo Duque e o sistema capitalista. Ao invés disso, as centrais sindicais, organizações estudantis e de agricultores à frente do Comitê prometeram uma saída pelas urnas através da candidatura do Pacto Histórico.
Ao mesmo tempo que a campanha de Petro, um ex-membro do grupo guerrilheiro M-19 dos anos 1980, buscou canalizar os sentimentos das massas por trás de slogans abstratos como “defesa da vida” e “política do amor”, moveu-se cada vez mais à direita em busca de um “acordo nacional” para salvar o sistema capitalista colombiano em crise.
Em sua última semana de campanha, Petro publicou uma carta aberta aos “soldados e policiais da Colômbia”. Nela, proclamou que um dos pontos centrais de seu programa de governo “é fortalecer as forças de segurança e o bem-estar de seus membros ... para alcançar a paz total no território nacional”.
Esse aceno às forças repressivas foi interpretado na mídia como uma resposta à oposição e ataques públicos de militares contra Petro, que jamais foram contestados pelo candidato. O mais notável veio do comandante do Exército, Eduardo Zapateiro, que fez tuítes ameaçadores contra Petro, acusando-o de corrupto e exigindo seu respeito pelos militares.
O discurso do presidente eleito na Movistar Arena, em Bogotá, somente confirmou que o “primeiro governo de esquerda da Colômbia” terá na verdade um caráter bastante de direita. No ponto mais alto de sua fala, Petro respondeu à “campanha de mentiras” de que seu governo iria “destruir a propriedade privada”, anunciando: “Nós vamos desenvolver o capitalismo na Colômbia. Não porque o adoremos, mas porque temos primeiro que superar a pré-modernidade na Colômbia”.
O discurso reacionário de Petro reforça o que já foi demonstrado por seus pares na região, de Fernández na Argentina ao recém-eleito Boric no Chile. Em um período de crise das economias latinas exportadoras de commodities, seus novos líderes de “esquerda” assumem abertamente a tarefa de aprofundar as políticas de ajuste capitalista e escalar a repressão contra uma oposição social cada vez mais explosiva.
Através de suas garantias de preservar a propriedade privada e manter-se nos marcos do capitalismo, Petro busca abertamente se dissociar de figuras como Hugo Chávez, que o assombraram durante toda a campanha. O falecido presidente venezuelano, o líder mais emblemático da “Maré Rosa” original, buscou encobrir o caráter nacionalista burguês de seu governo com políticas limitadas de expropriação e a promessa do “socialismo do século XXI”.
Ao mesmo tempo, em seu clamor de que a Colômbia precisa superar resquícios “pré-modernos”, “feudais” e “escravistas”, Petro busca reeditar as justificativas corrompidas do stalinismo para apoiar regimes burgueses na América Latina e outros países economicamente atrasados. A teoria etapista do stalinismo (pregando que uma etapa burguesa-capitalista deveria anteceder a revolução socialista nos países atrasados) serviu para desarmar o proletariado latino-americano em sucessivas situações pré-revolucionárias ao longo do século XX, abrindo caminho para ditaduras militares sangrentas.
Esse argumento de Petro é uma tentativa nefasta de desorientar a juventude e a classe trabalhadora colombiana. A desigualdade social, a repressão estatal sangrenta, a política homicida de imunidade de rebanho em resposta à pandemia e a crise ambiental que castigam as massas colombianas não são expressões de resquícios “pré-capitalistas”. Na verdade, são os produtos diretos da dominação do sistema de lucro capitalista sobre a sociedade, que provam a necessidade urgente de sua abolição.
Ainda não é claro como o novo governo colombiano desenvolverá suas relações com os Estados Unidos, que tem na Colômbia sua principal base estratégica na América Latina. Logo após seu discurso de vitória, Petro conversou ao telefone com o secretário de Estado americano, Antony Blinken. Na sequência, Blinken tuitou: “Discutimos a parceria de longa data EUA-Colômbia e como podemos trabalhar juntos para aumentar a prosperidade econômica inclusiva, combater a mudança climática e aprofundar ainda mais nosso relacionamento”.
Acossado pela crise explosiva do capitalismo mundial e a constante ameaça de intervenção do imperialismo americano, e em sua tentativa de sustentar um “grande acordo” com a burguesia nacional, o governo Petro está em rota de colisão com as massas trabalhadoras colombianas. Não apenas ele e seu Pacto Histórico serão desmascarados, mas também os sindicatos corporativistas e organizações pseudoesquerdistas da classe média que os promoveram.
Entre esses últimos, estão os morenistas colombianos do Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) membro da LIT-QI. Hipocritamente declarando “voto crítico” em Petro, o PST fomenta há anos ilusões no caráter progressista de um governo do Pacto Histórico. Desta vez, promoveram fervorosamente Francia Márquez, desde sua disputa às prévias da coalização eleitoral. Baseados no fato de ser uma mulher negra e ativista, o PST declarou que “Reconhecemos em Francia a personificação da necessidade de mudança sentida por milhões de colombianos que protestam contra o governo Duque e o uribismo desde novembro de 2019”.
Essa opinião sobre Márquez é compartilhada por amplos setores da pseudoesquerda latino-americana e mundial. Um artigo publicado na edição latino-americana da Jacobin afirmava que “Márquez, além de encarnar as qualidades das mulheres do povo colombiano, bem como a resistência às diferentes opressões racistas, classistas e misóginas sofridas pela grande maioria, conseguiu articular um discurso emancipatório que engloba e abarca todas as lutas populares, todos os excluídos e oprimidos do nosso povo, conseguindo que, em seu rosto, possamos – nós, as ‘ninguéns’ – nos ver refletidas”.
Apesar de seus slogans pseudoradicais contra o racismo estrutural e o machismo, o “discurso emancipatório” da vice-presidente não propõe qualquer enfrentamento ao capitalismo e ao imperialismo. Ao contrário, como alega em seu site, Márquez tem trabalhado desde 2020 para a implementação na Colômbia de programas financiados pela USAID, uma agência do governo americano ligada à CIA.
O desenvolvimento de uma verdadeira política socialista na Colômbia e por toda a América Latina requer a construção de uma direção revolucionária que lute pela afirmação da independência política da classe trabalhadora e sua unificação através das fronteiras sob o programa da revolução socialista internacional. Isso significa a construção de uma seção colombiana do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).