Publicado originalmente em 16 de julho de 2022
Entre 24 de junho e 6 de julho, a seção ucraniana da Liga Internacional Socialista (LIS) publicou um documento de oito páginas em sua página do Facebook assinado por seu dirigente e também líder do sindicato Zakhyst Pratsi (Defesa do Trabalho), Oleg Vernyk. A postagem, que já foi publicada em inglês, espanhol, francês e ucraniano, foi uma resposta às revelações feitas pelo WSWS sobre a integração da LIS à guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia e a promoção por Oleg Vernyk de figuras e documentos dos fascistas da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN).
A postagem confirma plenamente os alertas do WSWS sobre a orientação pró-imperialista, pró-capitalista e de extrema direita desta tendência nacionalista pequeno-burguesa. No início de sua declaração, a LIS afirma abertamente se guiar pelo “princípio básico” da “defesa da Ucrânia como sujeito político” e “da luta pela preservação da integridade do Estado”. Essas não são palavras de uma tendência de esquerda, muito menos revolucionária ou socialista, mas de uma organização que se dedica conscientemente à defesa do Estado capitalista ucraniano – primeiramente e acima de tudo, contra a classe trabalhadora.
Em uma “Carta a um jovem trotskista na Rússia”, David North, presidente do World Socialist Web Site, expôs a natureza reacionária da linha política da LIS e refletiu sobre os princípios do internacionalismo revolucionário e a continuidade histórica do marxismo, sobre os quais o movimento trotskista baseia sua oposição à guerra imperialista por procuração contra a Rússia na Ucrânia e ao regime de Putin.
A política da LIS está em oposição direta a estes princípios marxistas e internacionalistas. Através de um amálgama extraordinário de mentiras, omissões e distorções históricas, a LIS e Vernyk buscam encobrir os crimes do fascismo ucraniano e justificar sua aliança atual com a extrema direita – as principais tropas de choque da guerra imperialista por procuração contra a Rússia na Ucrânia.
A fraude da “democratização” de 1943 da OUN e o papel de Petro Poltava
Em sua postagem, a LIS defende a divulgação feita por Vernyk de materiais de membros da OUN-B e UPA, dizendo:
Ele (Oleg Vernyk) nunca fez propaganda a favor da Organização dos Nacionalistas Ucranianos. Pelo contrário, ele sempre propôs fazer uma análise profunda do movimento de libertação e nacionalista da Ucrânia e da dinâmica de sua evolução, considerando suas alas tanto de direita como de esquerda, e defendeu que não se ignore as complexidades e problemas que caracterizavam estes movimentos. Além disso, Oleg Vernyk sempre foi muito crítico da figura de Stepan Bandera, que foi precisamente o líder do setor de direita ultrarradical da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), manifestando-se também fortemente contra a democratização da figura política de Bandera e sua conversão em líder esquerdista.
Essas alegações são desmentidas pela própria postagem. Na verdade, o que é apresentado pela LIS não passa de uma reedição das mesmas mentiras e mitos históricos propagados por décadas pela OUN-B e o UPA e seus defensores. Mais impressionante é que ao longo de toda a postagem os termos “fascismo”, “nazismo”, “genocídio”, “pogrom”, “antissemitismo” e “racismo” não são usados uma única vez em relação à OUN ou ao UPA. Não há discussão sobre as origens ou ideologia da OUN, que foi fundada em 1929 como uma organização fascista e terrorista com o objetivo explícito de destruir as conquistas sociais da Revolução de Outubro e fundar um Estado ucraniano “etnicamente puro”.
Também não há qualquer menção ao fato de que a OUN ajudou a Wehrmacht alemã a preparar sua invasão da União Soviética, e depois ajudou a instigar e executar pogroms contra judeus que resultaram em um número estimado de 13 mil a 35 mil vítimas. Apesar de a OUN ter se dividido em 1940 em uma ala liderada por Andrei Melnyk (OUN-M) e outra liderada por Stepan Bandera (OUN-B), ambas colaboraram com os nazistas. Mesmo quando os líderes da OUN-B foram presos pelos nazistas, que se opuseram à proclamação de um Estado ucraniano independente pela OUN-B, a base da OUN como um todo foi integrada à máquina da ocupação nazista e à polícia auxiliar, que desempenhou um papel importante no genocídio dos judeus liderado pelos nazistas.
Ignorando completamente o papel da OUN na Segunda Guerra Mundial, a LIS e Vernyk buscam criar a impressão de que houve uma separação política e ideológica entre Bandera e a OUN a partir de 1943.
Defendendo a publicação feita por Vernyk do panfleto “Quem são os banderistas e pelo que lutam” de Petro Poltava (Fedun), um dos principais ideólogos do UPA e da OUN-B, a postagem clama:
Petró Poltava narra neste trabalho como começou a propagar ideias absolutamente contrárias à ideologia de Stepan Bandera. Precisamente as ideias que foram proclamadas no 3º Congresso Regional da Organização dos Nacionalistas Ucranianos em 1943 foram descritas por Stepan Bandera como ideias “bolcheviques”, dizendo que o Congresso fora organizado por alguns “bolcheviques” e que ele (S. Bandera) jamais aceitaria as resoluções aprovadas por aquele Congresso. S. Bandera, que naquela época estava preso em um campo de concentração alemão chamado “Sachsenhausen”, tinha compreendido perfeitamente que uma tendência à democratização começava a surgir nas fileiras da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), em direção às ideias da esquerda e ao incitamento a uma guerra simultânea contra o nacional-socialismo alemão e o stalinismo. Obviamente, esta posição foi firmemente rejeitada por Bandera e pelos outros membros do setor de direita da Organização dos Nacionalistas Ucranianos.
Estas são mentiras gritantes. Apesar da prisão de Bandera em Sachsenhausen – onde permaneceu em condições altamente privilegiadas e pôde manter-se informado do trabalho da OUN – ele continuou sendo o líder reconhecido (providnik, a tradução ucraniana de Führer) da OUN-B.
E longe de propagar “ideias que eram absolutamente contrárias à ideologia de Stepan Bandera”, o panfleto de Poltava orgulhosamente proclamava que os banderistas tinham “seu nome derivado do glorioso filho do povo ucraniano, o obstinado lutador revolucionário pela liberdade e independência do Estado da Ucrânia, o líder da Organização Revolucionária dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) – Stepan Bandera”. [1]
Na realidade, historiadores têm frequentemente citado este conhecido panfleto como um exemplo dos esforços propagandísticos da OUN-B e do UPA para apagar seus próprios crimes durante e após a Segunda Guerra Mundial, pois ele nega explicitamente qualquer massacre genocida pela OUN e sua colaboração com os nazistas. Sua demagogia “socialista” fraudulenta fez parte das tentativas da OUN de apelar para camadas do campesinato ucraniano oriental, que eram esmagadoramente hostis à própria ideia de restauração do capitalismo apesar dos imensos crimes do stalinismo.
A postagem da LIS segue a tradição desta propaganda de extrema-direita. Ela apresenta a demagogia nacional socialista de Poltava como de “esquerda” e até mesmo “bolchevique”. Na verdade, as origens políticas e ideológicas do “nacional-socialismo” da OUN-B e sua violência fascista estão na reação ao programa internacionalista e marxista da Revolução de Outubro. Em um ensaio de 1946 intitulado “Os elementos revolucionários do nacionalismo ucraniano”, o próprio Poltava deixou isso bem claro, escrevendo:
O nacionalismo ucraniano também luta contra todos os epígonos do socialismo de 1917-20 em solo ucraniano, que defendem a posição do internacionalismo, que lutam por uma libertação de classe que se eleva acima da luta pela libertação nacional, sem entender que a destruição da opressão social na Ucrânia só pode vir como resultado da libertação nacional. [2]
É esta oposição nacionalista à Revolução de Outubro e ao marxismo que forças nacionalistas pequeno-burguesas como a LIS e Oleg Vernyk compartilham com Poltava e a OUN-B. Sua insistência em que o ano de 1943 representa um ponto de virada na suposta evolução da OUN-B rumo à “democracia” e à “esquerda” não se baseia apenas em mentiras históricas. Ela revela, acima de tudo, sua própria orientação política em direção a uma aliança com o imperialismo e sua prontidão a tolerar e negar os crimes do fascismo em nome da defesa do “Estado ucraniano”.
A “democratização” da OUN-B em 1943 foi uma fraude política, destinada a lançar as bases do que se tornou uma aliança de décadas da extrema-direita ucraniana com o imperialismo americano e britânico. Foi também o início do esforço em andamento para encobrir e “lavar” os crimes genocidas do fascismo ucraniano.
Após a derrota da Wehrmacht alemã em Stalingrado no inverno de 1942-43, os fascistas ucranianos perceberam que sua única esperança para o estabelecimento de um Estado-nação capitalista ucraniano estava em uma aliança com os EUA e a Grã-Bretanha. A OUN-B realizou certas mudanças em seu programa, mas que constituíam, como observou o historiador John-Paul Himka, em uma “vitrine programática” com o objetivo de garantir “ajuda americana e britânica para sua causa”. [3]
Assim, em seu Congresso, em agosto de 1943, a OUN anunciou publicamente o reconhecimento da igualdade de direitos para as minorias e baixou o tom de sua retórica antissemita e racista. Mas, poucos dias antes do Congresso, os membros da SB (organização de segurança) da OUN-B receberam ordens “para aniquilar todos os ‘inimigos do UPA’, o que deveria ser entendido como todos os poloneses, tchecos, judeus, membros do Komsomol, oficiais do Exército Vermelho, trabalhadores da milícia e todos os ucranianos com a mais leve simpatia pelo poder soviético”. [4]
Mais importante ainda, na primavera de 1943, a OUN/UPA havia iniciado uma campanha genocida contra a população polonesa de Volhynia e da Galícia, que tirou entre 70 mil e 100 mil vidas em 1943-44, a maioria delas em 1943.
Aldeias inteiras foram apagadas do mapa; seus moradores foram queimados vivos, baleados ou torturados até a morte. O UPA também forçou frequentemente os ucranianos que haviam casado com poloneses a assassinar seus cônjuges ou filhos poloneses. Os corpos dos mortos eram frequentemente mutilados de forma terrível. O historiador Gregorz Rossoliński-Liebe escreve:
O UPA era o exército que os líderes da OUN-B esperavam para “limpar” a raça ucraniana. Talvez como resultado desta convicção, atos de sadismo patológico ocorreram com frequência. Em maio de 1943 na aldeia Kolonia Grada, por exemplo, os partidários do UPA mataram duas famílias que não conseguiram escapar como as demais depois de perceberem que a UPA estava atacando a aldeia vizinha de Kolonia Łamane. Os partidários mataram todos os membros dessas duas famílias, cortaram a barriga de uma mulher grávida, tiraram o feto e suas entranhas e os penduraram em um arbusto, provavelmente para deixar uma mensagem para outros poloneses que haviam escapado do ataque e poderiam voltar à aldeia. [5]
O UPA também caçava e assassinava sistematicamente os poucos judeus que até então haviam conseguido sobreviver ao Holocausto. Havia até mesmo uma ordem para matar qualquer um que tivesse escondido judeus. Ao final da guerra, 98,5% dos judeus de Volhynia, o centro das atividades da OUN-B, haviam sido assassinados, uma das mais altas taxas de mortalidade em toda a Europa.
Não há uma única nota no documento de oito páginas da LIS que mencione, e muito menos condene, qualquer um desses crimes horríveis. Em vez disso, a LIS alega que em 1943, ou seja, no auge de seus massacres genocidas, o UPA se voltava “para as ideias da esquerda e ao incitamento de [uma] guerra simultânea contra o nacional-socialismo alemão e o stalinismo”. Isso também é uma mentira.
Enquanto o UPA, que fora fundado em 1942 independentemente da OUN, se envolvera em algum nível de guerra partisan contra a Wehrmacht, em 1943, o UPA foi violentamente tomado pela OUN-B. A liderança da organização consistia então, nas palavras do historiador Per Anders Rudling, “de implacáveis ativistas da OUN(b), a maioria deles treinada pela Alemanha nazista, e muitos deles profundamente envolvidos com o Holocausto”. [6] Além disso, na primavera de 1943, cerca de 5 mil membros dos 12 mil homens da polícia auxiliar ucraniana, que tinham desempenhado um papel central no Holocausto, aderiram ao UPA.
Ao longo de 1943, mesmo quando a aliança formal com os nazistas pela OUN foi suspensa, os acordos feitos entre os dois lados preveniram ataques do UPA contra as forças alemãs, reduzindo-os a um mínimo. Em 1944, a aliança com a Alemanha nazista foi reavivada por iniciativa de Bandera, e quando os nazistas se retiraram da Ucrânia “eles deixaram à OUN/UPA toneladas de armas e munições. O exército alemão considerou esta cooperação como um bom investimento na guerra contra a União Soviética”. [7]
Após o fim da Segunda Guerra Mundial e a incorporação da Ucrânia Ocidental na União Soviética, a OUN/UPA continuou uma insurreição contra o domínio soviético no início dos anos 1950, matando cerca de 20 mil civis ucranianos, a maioria deles agricultores de fazendas coletivas e trabalhadores. Nesta guerra civil, o UPA e a OUN contaram com o apoio logístico e armas dos EUA e do Reino Unido, cujos serviços secretos haviam estabelecido relações estreitas com Bandera e outros líderes da OUN.
A resposta da burocracia soviética a esta insurgência foi ao mesmo tempo falida e politicamente criminosa: temendo nada mais do que uma mobilização da classe trabalhadora que ameaçaria seu próprio domínio e poderia dar base para uma prolongação internacional da Revolução de Outubro, a burocracia recorreu a violentas medidas de repressão para frustrar a insurgência. Centenas de milhares de pessoas foram deportadas da Ucrânia Ocidental, e estima-se que 150 mil pessoas foram mortas pela NKVD.
Esta repressão violenta se demonstrou uma mão na roda da propaganda da direita ucraniana. Acima de tudo, ela serviu para dividir e confundir a classe trabalhadora. Mais de três décadas depois, quando a burocracia stalinista sob Mikhail Gorbachev tomou ações para restaurar o capitalismo e destruir a União Soviética em 1985, as forças latentes da extrema-direita ucraniana, tanto na diáspora como dentro da União Soviética, assumiu violentamente a dianteira, tornando-se, mais uma vez, uma ferramenta central para a intervenção do imperialismo na região.
Usando os crimes do stalinismo para expiar o fascismo: o papel de Danylo Shumuk e a revolta de Norilsk de 1953
No documento fundador do Comitê Internacional da Quarta Internacional, James P. Cannon insistiu que os trotskistas deveriam “saber combater o imperialismo e todas as suas agências pequeno-burguesas (tais como formações nacionalistas ou burocracias sindicais) sem capitular ao stalinismo; e, inversamente, saber combater o stalinismo (que em última análise é uma agência pequeno-burguesa do imperialismo) sem capitular ao imperialismo”. [8]
A LIS vira esses princípios do avesso. Ela explora cinicamente os crimes do stalinismo para justificar sua aliança com a extrema direita e o imperialismo. No centro destes esforços se encontra a figura de Danylo Shumuk, um veterano do UPA e líder da revolta do Gulag de Norilsk de 1953.
Quando jovem, Shumuk foi membro do Partido Comunista da Ucrânia Ocidental (PCUO), que então funcionava como uma organização autônoma sob o controle do Partido Comunista Polonês (PCP). Em 1938, como parte do Grande Terror na URSS, sob o qual dezenas de milhares de revolucionários de toda a Europa foram assassinados, Stalin dissolveu o PCP e os partidos comunistas da Bielorrússia Ocidental e da Ucrânia Ocidental junto com ele.
Usando os crimes do stalinismo para justificar o giro de Shumuk ao fascismo, a LIS escreve:
Danylo Shumuk esperou até 1943, quando o “UPA” (Exército Insurgente Ucraniano) começou sua guerra em duas frentes, ou seja, contra o nacional-socialismo alemão e contra o stalinismo. Foi quando ele se alistou nas fileiras do “UPA”. Infelizmente, os carrascos de Stalin já haviam tirado a vida de Trotsky em 1943. Portanto, é muito difícil para nós prever que tática e estratégia Leon Davydovich poderia ter proposto aos comunistas da Ucrânia ocidental, considerando o complexo contexto daquela época. Ele deixou essa questão para futuras discussões entre os camaradas.
É difícil pensar em uma mentira mais descarada. Leon Trotsky não apenas liderou a luta do Exército Vermelho contra forças nacionalistas contrarrevolucionárias, particularmente na Ucrânia, numa guerra civil de 1918 a 1921 para defender e estender as conquistas da Revolução de Outubro. O movimento trotskista historicamente sempre insistiu que a oposição ao stalinismo se baseasse na defesa dos princípios internacionalistas do marxismo contra o programa contrarrevolucionário e nacionalista do “socialismo em um só país” defendido pela burocracia. E longe de promover alianças com forças nacionalistas, muito menos fascistas, os trotskistas lutaram para construir uma direção revolucionária independente para a classe trabalhadora internacional.
Sejam quais forem os elementos trágicos da vida de Shumuk e os crimes do stalinismo, é preciso dizer claramente que ele jamais teve algo que ver com Trotsky e sua luta pelo internacionalismo e pela independência política da classe trabalhadora. Suas memórias, que foram publicadas em inglês em 1984, há muito tempo formam parte importante da mitificação histórica da OUN e do UPA pela diáspora ucraniana de extrema-direita no Canadá e nos EUA.
Em suas memórias, Shumuk não menciona, e muito menos condena, o genocídio de mais de 1 milhão de judeus ucranianos liderado pelos nazistas, no qual a OUN/UPA estava profundamente implicada. Ao invés disso, ele justifica os crimes (não especificados) da OUN-B como uma “resposta aos crimes da NKVD”, o argumento típico da extrema-direita da Europa Oriental. [9] A glorificação por Shumuk da hierarquia do UPA e sua insistência de que ele mesmo sempre foi motivado por nada além de “verdade, bondade e amor” se enquadram diretamente na categoria de propaganda e fabricação de mitos. [10] Ele mesmo reconhece ter trabalhado como instrutor político para a unidade de elite e a mais violenta da OUN-B, a SB, e liderou uma grande unidade do UPA com muitos membros da OUN-B e da SB em um período em que a UPA estava envolvida em massacres genocidas.
Apesar do sinistro histórico de Shumuk, a LIS dobra a aposta, defendendo as postagens Vernyk sobre as memórias deste nacionalista de direita convicto e seu envolvimento na revolta do Gulag de Norilsk de 1953. Tentando defender Shumuk e criar a impressão de que ele trabalhou ao lado da “esquerda”, eles escrevem que “os prisioneiros trotskistas desempenharam um papel fundamental na organização e execução do plano” para a revolta do Gulag de Norilsk de 1953, no qual Shumuk foi um dos líderes.
Novamente, a LIS recorre a distorções históricas e amálgamas para fins políticos definidos. Dos dois indivíduos que menciona para provar sua alegação sobre o suposto envolvimento de “trotskistas”, os registros históricos indicam que uma, Maria Shimanskaya, não estava envolvida na de Norilsk, mas em outra revolta num Gulag um ano depois. [11] A outra referência, a um certo “Klichenko”, também é enganosa. Os documentos históricos publicados sobre esta revolta não contêm tal nome, mas mencionam um certo Ivan Pavlovich Kliachenko. E a única referência existente a uma conversa política com Kliachenko feita por outro prisioneiro indica que seu grupo estava em minoria e “limitado ao status de oposição” aos planos dos nacionalistas ucranianos que dominaram o comitê de greve. [12] Em ambos os casos, não está claro se algum deles foi em algum momento membro da Oposição de Esquerda de Trotsky, cujos membros foram assassinados quase inteiramente durante o Grande Terror dos anos 1930.
Com estas referências e declarações enganosas, a LIS busca semear confusão sobre o caráter das forças políticas envolvidas na revolta e borrar as linhas divisórias entre a oposição de esquerda e de direita ao stalinismo.
A revolta de Norilsk de 1953 foi a primeira de uma série de revoltas nos Gulags que ocorreram em meio a uma crise profunda da burocracia stalinista, acelerada pela morte de Stalin em 5 de março de 1953. Após anos de repressão reiterada na União Soviética, incluindo perseguições abertamente antissemitas e uma sangrenta repressão contra grupos de jovens de esquerda, uma série de greves e revoltas – principalmente na Alemanha Oriental em junho de 1953 – abalou as burocracias stalinistas. A esmagadora maioria da classe trabalhadora e da juventude soviética manifestava uma profunda lealdade aos ideais e conquistas da Revolução de Outubro que tinham acabado de defender contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial, e o sentimento dominante era o de buscar um retorno ao “verdadeiro Lenin”.
Temendo o desenvolvimento de um movimento de esquerda mais amplo na classe trabalhadora, a burocracia respondeu com extraordinária violência a estes acontecimentos, inclusive às revoltas dos Gulags.
No entanto, apesar de as forças políticas envolvidas nessas revoltas serem extremamente heterogêneas, desde grupos genuinamente de esquerda e anarquistas, passando por seitas religiosas, até a extrema-direita, documentos históricos indicam que, tragicamente, foram as forças de direita e nacionalistas que conseguiram dominar e dirigir muitas destas revoltas, especialmente a de Norilsk. Em 1953, a extrema-direita ucraniana, em particular, havia estabelecido uma sofisticada rede subterrânea em muitos campos. Ela incluiu uma reconstrução da temida organização secreta banderista (SB), um Estado-maior, assim como “grupos de combate e grupos para a execução de atos terroristas, educação política e provisões materiais”. [13]
Em Norilsk, onde a população carcerária incluía um contingente particularmente grande de nacionalistas ucranianos e bálticos, Shumuk criou uma “organização de autoajuda” composta de ex-membros do UPA anos antes da revolta. Junto com outras forças nacionalistas de direita, entre elas colaboradores nazistas russos e bálticos, eles conseguiram dominar o comitê de greve – muitas vezes por meios completamente antidemocráticos – e escolheram um ex-funcionário do ministério de propaganda nazista para cumprir o papel de “ministro de propaganda”. O hino da revolta foi composto por um nacionalista bielorrusso ao som de uma canção do UPA e se voltava contra a “tirania do bolchevismo”. [14]
A principal responsabilidade por permitir que a extrema-direita desempenhasse um papel tão importante, que de longe ultrapassava seu apoio popular real, é do stalinismo. O Grande Terror dos anos 1930 de Stalin havia resultado no massacre de gerações inteiras de socialistas e revolucionários, incluindo a oposição trotskista à burocracia soviética. Este assassinato em massa, que culminou no assassinato de Leon Trotsky em 1940, decapitou politicamente a classe trabalhadora não apenas na União Soviética, mas na Europa como um todo e criou imensos danos à consciência socialista e histórica de gerações de trabalhadores.
Qualquer um comprometido com a luta pelo socialismo hoje deveria ver como sua tarefa básica estabelecer o verdadeiro registro histórico desses eventos e dos crimes do stalinismo a fim de armar politicamente a classe trabalhadora. A LIS faz o contrário: emprega os métodos stalinistas de falsificação e criação de amálgamas históricos para semear a confusão sobre a história e encobrir os crimes da extrema direita.
Como sempre, a falsificação histórica serve ao propósito da reação política – neste caso, é o cimento ideológico para o alinhamento da LIS ao imperialismo e à extrema-direita ucraniana.
De fato, poucos dias após a publicação desse documento na página do Facebook da LIS, em 29 de junho, Vernyk participou de uma discussão de 45 minutos num programa ucraniano com Oles Vakhnyi, um dos mais notórios skinheads neonazistas da Ucrânia. Vakhnyi endossou publicamente os ataques fascistas do terrorista norueguês Anders Breivik, que matou mais de 77 pessoas, e fez a saudação “Heil Hitler” em frente a câmeras de TV francesas. Em sua “discussão” com este capanga fascista em frente a uma bandeira ucraniana, Vernyk expressou seu apoio ao banimento dos partidos de oposição e das greves pelo governo ucraniano.
A acelerada orientação à extrema direita da LIS contém lições importantes para os trabalhadores de todas as partes. Sua promoção aberta das forças fascistas ucranianas é apenas a expressão mais extrema da rápida guinada à direita da ex-esquerda pequeno-burguesa internacional, que o CIQI vem documentando há anos. A LIS e o sindicato de Vernyk estão ligados a várias organizações na América Latina, Turquia e Europa, assim como a Internacional Progressista, cofundada pelo Instituto Sanders do senador do Partido Democrata americano Bernie Sanders, que votou a favor de dezenas de bilhões de dólares para o armamento do exército ucraniano e dos fascistas na guerra contra a Rússia.
Mas há também um outro lado desse desenvolvimento de classe: enquanto a pseudoesquerda pequeno-burguesa está sendo tragada para a máquina de guerra capitalista e se mobiliza em defesa do Estado-nação burguês, a classe trabalhadora está sendo levada a uma luta aberta contra a guerra imperialista e o capitalismo em escala mundial. Esta luta será travada em oposição direta a essas forças nacionalistas, com base nos princípios socialistas internacionalistas. A tarefa central agora é preparar a direção revolucionária necessária para esta luta, construindo as seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional trotskista, o partido mundial da revolução socialista, inclusive na Rússia e na Ucrânia.
Notas finais
[1] Petro Fedun (“Poltava”), “Khto taki banderivtsi ta za shho vony boriuts’sia,” in: Petro Fedun-”Poltava”, Kontseptsiia Samostiinoi Ukrainy, Tom 1: Tvory, L’viv 2008, p. 323.
[2] Petro Fedun (“Poltava”), “Elementy revoliutsiinosti ukrayins’kogo natsionalizmy”, in: Petro Fedun-”Poltava”, Kontseptsiia Samostiinoi Ukrayiny, Tom 1: Tvory, L’viv 2008, p. 122.
[3] John-Paul Himka, Ukrainian Nationalists and the Holocaust: OUN and UPA Participation in the Destruction of Ukrainian Jewry, 1941-1944, Stuttgart: Ibidem 2021, p. 368.
[4] Ibid., p. 372.
[5] Grzegorz Rossoliński-Liebe, Stepan Bandera: The Life and Afterlife of a Ukrainian Nationalist. Fascism, Genocide, and Cult. Stuttgart: Ibidem 2014, pp. 268-269.
[6] Per Anders Rudling, The OUN, the UPA and the Holocaust: A Study in the Manufacturing of Historical Myths, Carl Beck Papers No. 2107, November 2011, p. 10. Este paper está disponível online.
[7] Rossoliński-Liebe, Stepan Bandera, p. 284.
[8] James P. Cannon, “Carta Aberta aos Trotskistas de Todo o Mundo”. Disponível no WSWS: https://www.wsws.org/pt/articles/2021/11/19/open-n19.html
[9] Danylo Shumuk, Life Sentence. Memoirs of a Ukrainian Prisoner, Canadian Institute of Ukrainian Studies: University of Alberta, Edmonton, 1984, p. 346.
[10] Ibid., p. 100.
[11] Istoriia stalinskogo Gulaga. Konets 1920-kh—pervaia polovina 1950-kh godov. Tom 6. Vosstaniia, bunty i zabostvki zakliuchennykh, ed. by V. A. Kozlov, Moscow: ROSSPEN 2004,pp. 611, 626, 628. Este volume está disponível online: https://statearchive.ru/474
[12] A referência de um oficial do campo a Kliachenko como “trotskista” envolvido na revolta de Norilsk pode ser encontrada em um documento publicado em: Istoriia stalinskogo Gulaga, tom 6, p. 325. A discussão com ele é relatada por Hrycyak, um antigo membro da juventude da OUN que também liderou a revolta de Norilsk, em suas memórias, que foram publicadas por uma editora filiada à OUN. Yevhen Hyrcyak, The Norilsk Uprising. Short Memoirs, Institut für Bildungspolitik in München, Munich 1984, p. 23.
[13] Istoriia stalinskogo Gulaga, p. 81.
[14] Shumuk, Life Sentence, p. 213; “Gimn noril’skikh povstantsev”. Disponível online em: https://www.sakharov-center.ru/asfcd/auth/?t=page&num=7564
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