Continuando sua atuação traidora desde a posse do presidente fascistoide Jair Bolsonaro em 2019, a União Nacional dos Estudantes (UNE) respondeu ao último ataque do governo federal à educação pública isolando a luta dos estudantes brasileiros do crescente movimento da classe trabalhadora e a desviando em direção ao Estado burguês, particularmente a eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva.
Como parte do assalto geral do governo Bolsonaro aos direitos sociais e à educação, que inclui ataques à autonomia universitária com a nomeação de reitores aliados e a criação de um clima de caça às bruxas nas universidades contra uma suposta doutrinação esquerdista, em 5 de outubro ele anunciou um amplo corte no orçamento federal, cuja área mais afetada foi o ensino superior. Segundo a associação de reitores das universidades federais, o corte de 5,8% no orçamento discricionário colocava “em risco” o sistema de 107 universidades e institutos federais, ameaçando “inviabilizar [seu] funcionamento”.
No mesmo dia do anúncio, começaram a estourar protestos espontâneos da juventude universitária brasileira. Em São Paulo, estudantes do Instituto Federal ocuparam o restaurante universitário diante do aumento de 40% das refeições por causa do corte realizado. Nos estados da Bahia, Alagoas e Paraíba, além do Distrito Federal, foram realizadas massivas manifestações de rua. Diante dessa mobilização inicial e temendo suas consequências políticas para a disputa no segundo turno da eleição presidencial de 30 de outubro, o governo Bolsonaro cancelou o corte em 7 de outubro.
Antes, a UNE correu para aliviar a crescente pressão da juventude brasileira e impedir que saísse de seu controle. Em 6 de outubro, ela chamou um protesto nacional contra os cortes apenas para o dia 18 de outubro, ao mesmo tempo que anunciou o apoio ao candidato do PT, Lula, no segundo turno da eleição presidencial com o objetivo de desviar os protestos à sua campanha eleitoral. Além de organizações da juventude do PT, a UNE é dirigida pelo maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e tendências pablistas do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que fazem parte da chapa eleitoral de Lula.
Apesar das manifestações marcadas para o dia 18 de outubro terem levado dezenas de milhares de estudantes brasileiros às ruas em 73 cidades de 19 estados brasileiros e do Distrito Federal, elas foram muito menores do que manifestações anteriores, particularmente as de maio de 2019, quando estudantes se juntaram a protestos massivos de professores contra a reforma da previdência do governo Bolsonaro.
Os cortes do início de outubro do governo Bolsonaro atingiram também uma série de outras áreas sociais, e foram anunciados depois de enviar ao Congresso Brasileiro o orçamento federal para o ano que vem. Os orçamentos da educação infantil e da infraestrutura das precárias escolas brasileiras foram reduzidos em alarmantes 96% e 97%, respectivamente. Na saúde, foi reduzido o orçamento de 12 programas que compromete o tratamento de pacientes de câncer e AIDS, a saúde indígena e o programa nacional de imunização, ameaçando o único controle ainda restante contra a pandemia no Brasil e o retorno de inúmeras doenças infecciosas.
Mesmo diante desse amplo ataque, a UNE e os sindicatos de professores e de profissionais da saúde brasileiros, a grande maioria deles dirigidos pelas mesmas organizações que controlam a UNE, trabalharam para isolar a luta dos estudantes. Depois de inúmeras greves de professores municipais e estaduais ter sido isolada no primeiro semestre, os sindicatos de professores se recusaram a realizar um chamado aos professores mesmo com os protestos da UNE acontecendo logo depois do Dia dos Professores, 15 de outubro, um dia histórico de luta em defesa da educação pública no Brasil.
Ao longo de setembro, dois enormes protestos de profissionais de enfermagem neste terceiro ano da pandemia foram realizados pelo cumprimento do salário-mínimo nacional da categoria, a mesma reivindicação que tinha levado os professores à greve no primeiro semestre. No final de setembro, 35 mil funcionários de hospitais de universidades federais também entraram em greve contra os baixos salários. Na sexta-feira passada, um protesto inédito de pacientes de AIDS foi realizado em São Paulo contra os cortes do governo Bolsonaro.
Os últimos acontecimentos repetiram a atuação da UNE ao longo de todo o governo Bolsonaro. Desde a sua posse, a UNE tem defendido que os protestos contra os ataques de Bolsonaro à educação assumam um caráter nacionalista, substituindo o vermelho identificado com a esquerda pelo verde e amarelo da bandeira nacional. Isso se articula com a caracterização que a UNE faz dos ataques à educação e do governo Bolsonaro como uma ameaça à “soberania nacional” e ao capitalismo brasileiro, a principal denúncia feita pelo PT. Por isso, a UNE tem sido uma das principais defensoras de uma “frente ampla” contra Bolsonaro com um setor direitista dissidente da burguesia brasileira, que tem servido para desmobilizar a oposição a Bolsonaro e a desviá-la a canais seguros do Estado capitalista.
Essa política foi expressa de maneira clara a partir de maio do ano passado, quando enormes manifestações lideradas pela juventude brasileira estouraram contra a resposta genocida do governo Bolsonaro à pandemia. A UNE, assim como o PT, o PSOL e o PCdoB, defenderam que a direita participasse dessas manifestações para supostamente massificá-las. Ao mesmo tempo, eles começaram a se articular nos bastidores com figuras reacionárias da direita brasileira, como a organização liberal MBL ligada aos irmãos Koch e que apoiou a eleição de Bolsonaro em 2018, para subordinar as manifestações ao Congresso, seja pressionando-o a pautar um reacionário “super” pedido de impeachment contra Bolsonaro ou ajustando o calendário das manifestações aos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava a atuação do governo federal na pandemia.
Como resultado, a participação da juventude nas manifestações foi diminuindo à medida que aumentava a participação da direita, o que ajudou a expor ainda mais a UNE. Em setembro do ano passado, ela aceitou participar de um protesto esvaziado contra o governo Bolsonaro convocado pelo MBL e todos os partidos burgueses de oposição. Justificando a presença da UNE no protesto e deixando claro sua intenção de suprimir uma nova explosão da juventude brasileira, a presidente da UNE, Bruna Brelaz, disse numa entrevista na época: “acredito que precisamos construir uma frente ampla ... [com] diversos setores da esquerda, da direita e do centro. Nossa preocupação é: se Bolsonaro continuar no poder, o caos social tende a piorar.”
O fundamento da reacionária política da UNE é a teoria etapista stalinista, que é avançada pelo PCdoB, cuja ala juvenil dirige a UNE há décadas, mas também apoiada por setores do PT e pelas tendências pablistas do PSOL. A defesa da UNE de uma “frente ampla” contra Bolsonaro repete a política do PCdoB nos anos 1980 de ignorar as enormes greves de trabalhadores e subordinar a luta contra a ditadura militar (1964-1985) à sua oposição burguesa no MDB e à convocação de uma eleição direta e uma assembleia constituinte. Depois de apoiar o primeiro governo civil depois da ditadura liderado pelo MDB até 1988, o PCdoB encontrou no PT um substituto à altura para levar adiante sua política de “frente ampla”. Desde 1989, o PCdoB tem sido um aliado ininterrupto do PT nas eleições presidenciais, e este ano eles se uniram em uma federação partidária.
A luta pelo direito social à educação pública de qualidade como parte da luta pelo socialismo internacionalista
A juventude brasileira enfrenta uma crise social e econômica sem precedentes, que combina alto desemprego, falta de perspectiva no futuro e inúmeros problemas de saúde mental. A pandemia de COVID-19 tem intensificado ainda mais essa crise, ao mesmo tempo que tem radicalizado uma juventude que foi amplamente infectada pelo novo coronavírus, está agora sofrendo os efeitos da COVID longa e assistiu a seus entes queridos morrendo pela política de imunidade de rebanho implementada por todos os partidos da elite dominante brasileira, incluindo o PT.
Dados de agosto deste ano mostraram que 36% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos não trabalham nem estuda – muito acima da média dos países da OCDE, de 17%. Aqueles jovens empregados trabalham em condições crescentes de exploração, particularmente como entregadores de aplicativos e operadores de call center. Durante a pandemia, essas categorias protagonizaram inúmeras greves e paralisações contra os baixos salários e condições inseguras de trabalho, que foram ignoradas pelas organizações estudantis e os sindicatos controlados pelo PT, o PSOL e o PCdoB.
O Brasil tem hoje uma das taxas mais baixas do mundo de jovens de 17 a 24 anos matriculados no ensino superior (17%). Apesar de o número de estudantes em cursos de graduação ter triplicado de 2000 a 2019, passando de 2,7 milhões para 8,6 milhões, particularmente durante o boom das commodities sob os governos do PT (2003-2016), isso ocorreu principalmente em cursos de baixa qualidade em faculdades privadas, que canalizaram recursos públicos para os bolsos de magnatas bilionários da educação através de um programa de empréstimo estudantil. Longe de solucionar o acesso ao ensino superior ou a um bom emprego, esse programa criou uma geração de jovens de baixa remuneração e endividados - um total de 1,2 milhão de ex-alunos - que sem dúvida contribuiu para o recorde de 80% das famílias brasileiras que não conseguiram pagar todas as suas contas em setembro.
Ao mesmo tempo, o programa de empréstimo estudantil dos governos do PT ajudou a criar em 2013 o maior grupo educacional do mundo, Kroton, cujo presidente é um dos maiores entusiastas da candidatura de Lula no mundo empresarial. Nos últimos 10 anos, as faculdades privadas beneficiadas pelos governos do PT continuaram crescendo, com seus cursos à distância aumentando em mais de 400% suas matrículas. Em contraposição, houve nesse período uma diminuição de 14% nas matrículas de cursos presenciais, particularmente em universidades públicas federais que têm sofrido cortes e ataques seguidos do governo Bolsonaro.
Esta situação expôs completamente a campanha de décadas para a implementação de cotas raciais nas universidades públicas como uma saída para os jovens empobrecidos. Tal campanha só conseguiu esconder o problema da desigualdade social sem paralelo no Brasil, que se expressa no restrito acesso ao ensino universitário a poucos alunos privilegiados matriculados em escolas de elite, por trás da linguagem reacionária do racialismo. Seu objetivo é impedir uma luta unificada e independente da juventude multirracial brasileira contra a enorme desigualdade social no Brasil.
O direito da juventude à educação, assim como a um emprego bem pago, só será efetivado através da união das lutas da juventude com as da classe trabalhadora para expropriar a riqueza da elite dominante e aumentar massivamente o investimento em educação. Isso, por sua vez, é inseparável da luta para unir a juventude e a classe trabalhadora brasileira com suas irmãs em todos os países como parte da luta pelo socialismo internacionalista.
É essa a perspectiva que o Grupo Socialista pela Igualdade, que está lutando para construir a seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), defende. Como parte desse esforço, nós fazemos um chamado para a juventude brasileira se unir aos esforços da Juventude e Estudantes Internacionais pela Igualdade Social para construir um movimento global contra a ameaça de guerra nuclear, assim como estudar a longa luta do CIQI contra o stalinismo, incluindo sua variante maoísta, e todas as formas do revisionismo pablista que controlam uma grande parte das organizações estudantis no Brasil.