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Lula apoia impeachment de Castillo no Peru em nome do imperialismo

A queda do presidente peruano aclamado pela pseudoesquerda, Pedro Castillo, destituído e preso há uma semana, é um evento político com profundas implicações para a América Latina.

No período de um ano e meio em que permaneceu no poder, o ex-professor e sindicalista peruano enfrentou um esforço constante da oposição de extrema-direita para tirá-lo ilegalmente da presidência.

O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa do evento de encerramento dos trabalhos do Gabinete de Transição, no dia 13 de dezembro. [Photo: Valter Campanato/Agência Brasil]

Castillo perdeu rapidamente qualquer apoio popular após implementar as mesmas políticas pró-capitalistas que prometera combater e desencadear uma onda brutal de repressão contra as lutas crescentes da classe trabalhadora.

Como todas as medidas reacionárias que Castillo tomou para conquistar o apoio da classe dominante peruana, dos militares e das potências imperialistas, seu ato final de desespero – convocar a dissolução do Congresso e a instauração de um Estado de exceção – foi um presente para extrema-direita que conspirava contra seu governo.

O impeachment e prisão de Castillo, assim como a nomeação da sua vice, Dina Boluarte, como presidente do Peru, foram aprovados a toque de caixa por um Congresso com ainda menos aprovação popular que o presidente deposto. Contudo, sua decisão foi prontamente reconhecida pela União Europeia e Washington.

A avidez das potências imperialistas para consolidar Boluarte tem como principal motivação o temor de que o processo de transferência de poder totalmente pelas costas da população peruana desperte uma explosão social no país com o potencial de se espalhar pela região.

Esses esforços contrarrevolucionários do imperialismo encontraram o apoio imediato do recém-eleito presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT).

Na noite de quarta-feira, 7 de dezembro, Lula publicou uma carta apoiando a destituição de Castillo e garantindo que “tudo foi encaminhado no marco constitucional”. Apresentando o episódio como uma lição para a América do Sul, o líder brasileiro saudou Boluarte e lhe desejou “êxito em sua tarefa de reconciliar o país e conduzi-lo no caminho do desenvolvimento e da paz social”.

A posição de Lula, desesperado pelo apoio das potências imperialistas e da classe dominante reacionária de seu próprio país, diferiu daquelas de outros líderes latino-americanos, que ou se calaram ou assumiram a defesa de Castillo.

A atitude de Lula diante da crise peruana sinaliza uma ruptura evidente com as políticas diplomáticas perseguidas em seus mandatos anteriores como presidente do Brasil, entre 2003 e 2010. Naquele momento, o ex-sindicalista brasileiro integrava um grupo de governos nacionalistas burgueses na América Latina, a chamada Maré Rosa, que buscavam se apresentar como uma oposição viável à miséria capitalista e a opressão imperialista que historicamente dominou a região.

Em 2008, ao lado de figuras como Hugo Chávez da Venezuela, Nestor Kirchner da Argentina e Evo Morales, da Bolívia, Lula fundou a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). O pretenso objetivo dessa união era forjar uma unidade econômica, política e militar que permitiria um inédito desenvolvimento do continente oprimido.

Em uma suposta demonstração de independência do imperialismo americano, os países sul-americanos responderam conjuntamente a uma insurreição policial contra Rafael Correa do Equador em 2010. Em uma reunião de emergência no mesmo dia dos acontecimentos, a UNASUL condenou a tentativa de golpe no Equador e aprovou uma resolução para coibir futuras articulações golpistas no continente.

Em uma década, a UNASUL naufragou por completo, ao mesmo tempo que os governos da Maré Rosa e suas pretensões de um caminho alternativo latino-americano ao socialismo.

Apesar de Lula prometer em seu novo programa de governo que retomará esforços de

“integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe” e fortalecer iniciativas como a UNASUL, sua resposta à crise no Peru mostra uma determinação a conseguir uma acomodação unilateral com as potências imperialistas.

O veredito de Lula sobre o processo antidemocrático de deposição de Castillo – “tudo foi encaminhado no marco constitucional” – é ainda mais hipócrita se considerada sua resposta ao impeachment da presidente Dilma Rousseff do PT em 2016. A deposição de Dilma e a nomeação de seu vice de direita, Michel Temer, à presidência, executada através de acusações fraudulentas por um Congresso determinado a removê-la antidemocraticamente do poder, foi caracterizada pelo PT como um inequívoco “golpe de Estado”.

Castillo enfrentou uma conspiração ainda mais inescrupulosa e aberta da extrema-direita. Determinada primeiro a subverter o voto popular, em seguida a oposição agiu furiosamente para sabotar o funcionamento básico do governo e depor o presidente sob alegações absolutamente reacionárias como “traição da pátria”. Neste caso, contudo, Lula diz que assim funciona um processo constitucional. O sucesso que desejou a Boluarte “em reconciliar o país” poderia bem ter sido voltado a Michel Temer!

A prontidão de Lula para atirar Castillo aos leões é uma expressão de sua própria fraqueza política tremenda diante de condições análogas às que minaram o governo pseudoesquerdista do Peru.

O novo governo do PT se esforça para assumir o poder enquanto é confrontado por uma conspiração autoritária do atual presidente Jair Bolsonaro, apoiada por setores militares. Assim como Keiko Fujimori, derrotada por Castillo no Peru, o fascistoide Bolsonaro e seu Partido Liberal recusam-se a reconhecer o resultado das urnas e exigem que o poder político seja mantido em suas mãos.

Na última sexta-feira, Bolsonaro pronunciou-se pela terceira vez em público desde a confirmação de sua derrota, há 40 dias. Ele instou seus apoiadores a permanecer mobilizados, frisando ser “o chefe supremo das Forças Armadas”, que definiu como “o último obstáculo para o socialismo”. Seu discurso foi seguido, três dias depois, por violentos protestos de seus apoiadores fascistas contra a diplomação de Lula em Brasília.

Há um ano, quando o Peru assistia a protestos de extrema-direita por um golpe militar para impedir a posse de Castillo, o World Socialist Web Site escreveu:

Se o governo de Castillo sobreviver a estes desafios, seu empossamento não significará um renascimento da 'Maré Rosa' na América Latina e uma nova era de reformas sociais, mesmo de caráter mínimo. Tendo garantido a santidade da propriedade privada e os interesses das multinacionais de mineração, suas políticas serão ditadas pela burguesia peruana e pelos mercados internacionais, mesmo enquanto a direita peruana e os militares prepararam um golpe.  

Esse alerta, além de atestar a imensa presciência do WSWS sobre o desenvolvimento da crise política no Peru, em suas linhas gerais se aplica plenamente à atual encruzilhada política no Brasil e demais países da América Latina.

As condições econômicas do boom das commodities no início dos anos 2000, sob as quais os governos da Maré Rosa original chegaram ao poder e que lhes permitiram adotar um tom político “rosa”, foram profundamente alteradas.

Governos como os de Luis Arce na Bolívia, Gabriel Boric no Chile, Gustavo Petro na Colômbia e agora Lula no Brasil subiram ao poder em meio a uma explosão de oposição social contra as persistentes condições de crise, agravadas pela pandemia da COVID-19. Eles já estão desempenhando um mesmo papel político criminoso que Castillo: implementando os ataques capitalistas contra a classe trabalhadora, fazendo concessões contínuas à extrema direita e aos militares e abrindo o caminho para golpes fascistoides.

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