Esta é a quarta parte de uma série de artigos publicada originalmente no World Socialist Web Site entre maio e junho de 2008, quando se completaram 40 anos da greve geral de 1968 na França.
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Dando cobertura ao stalinismo
Os stalinistas do Partido Comunista Francês (PCF) e da Confederação Geral do Trabalho (CGT), apesar de odiarem o espírito rebelde da juventude e, consequentemente, os grupos estudantis de esquerda – aos quais chamavam de gauchistes (radicais de esquerda) e provocadores —, não eram incapazes de conviver politicamente com eles. As ações anarquistas de Daniel Cohn-Bendit mal ameaçavam a domínio dos stalinistas dentro da classe trabalhadora. O mesmo pode ser dito em relação aos maoístas e seu entusiasmo pela Revolução Cultural Chinesa e a luta armada.
Já os pablistas, evitaram cuidadosamente entrar em conflito com os stalinistas. Eles se abstiveram de qualquer ação política que tencionasse a relação entre a classe trabalhadora e a direção stalinista, o que poderia precipitar uma crise para ela. No ápice da crise de 1968, quando os trabalhadores rejeitaram o Acordo de Grenelle e a questão da tomada do poder estava na ordem do dia, a Jeunesse Communiste Révolutionnaire (JCR – Juventude Comunista Revolucionária) deu cobertura aos stalinistas. Vinte anos após esses eventos, Alain Krivine e Daniel Bensaid publicaram uma retrospectiva de 1968 que, mesmo se esforçando em apresentar a JCR de maneira favorável, expõe claramente seu verdadeiro papel. [11]
A JCR participou das duas grandes marchas convocadas pelos socialdemocratas e stalinistas no auge do movimento de massas: o enorme encontro de 27 de maio, no estádio Charléty, organizado pela União Nacional dos Estudantes da França (UNEF), pela central sindical Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT) e pelo Partido Socialista Unificado (PSU); e a manifestação de massas do PCF e da CGT em 29 de maio.
O objetivo do encontro no estádio Charléty era preparar o terreno para um governo transitório sob controle do experiente político burguês Pierre Mendès-France, então membro do PSU. A tarefa a ser cumprida por tal governo seria a de controlar a greve, restaurar a ordem e preparar uma nova eleição.
Até setores da imprensa de direita estavam, naquele momento, convencidos de que somente um governo de “esquerda” seria capaz de salvar a ordem existente. Conforme escreveu o jornal financeiro Les Echos, em 28 de maio, a única escolha era entre reforma e revolução, ou a “anarquia”. Com a manchete “Uma saída deve ser encontrada”, o jornal comentou:
“Ninguém mais está disposto a ouvir ou acreditar em alguém. Até agora, parecia que a CGT era um bastião da ordem e da disciplina. Mas, neste momento, ela foi desestabilizada por um bando de populares revoltosos, cuja rebelião ela havia subestimado. Os dirigentes sindicais foram desbancados pelos grevistas que não acreditam mais em nenhuma promessa, independente de quem a faça. Isso sem falar do governo... ‘Sim à reforma, não à desordem’ foi dito pelo General [de Gaulle] recentemente, de forma infeliz. Hoje temos tanto a reforma quanto a anarquia, sob condições nas quais não fica claro qual delas sairá vitoriosa.”
Naquele momento, o PCF estava bem-preparado para fazer parte de um governo burguês. Seu secretário-geral, Waldeck Rochet, propôs, no dia 27 de maio, que ele e François Miterrand se encontrassem imediatamente a fim de discutir as condições para uma “substituição do regime Gaullista por um governo popular de unidade democrática, erguido sobre a base de um programa comum.” Para aqueles acostumados com a terminologia stalinista, não poderia haver dúvida que o significado de um “governo popular de unidade democrática” seria um governo burguês dedicado a defender a propriedade capitalista.
O PCF temia, porém, que Miterrand e Mendès-France formassem um governo sem ele. Assim, em conjunto com a CGT, organizou sua própria manifestação de massas no dia 29 de maio, sob a bandeira de um “Governo Popular”. Essa reivindicação adaptava-se ao estado de espírito revolucionário das massas, ainda que o PCF nunca sonhasse em tomar o poder pela derrubada do capitalismo e somente aspirasse a um governo de coalizão com Miterrand ou algum outro político burguês.
A JCR participou da manifestação do PCF e da CGT com a palavra de ordem “Governo Popular, sim! Mitterrand, Mendes-France, não!”, apoiando, assim, a manobra do PCF. Krivine e Bensaid escreveram, em seu ensaio retrospectivo, o seguinte sobre essa palavra de ordem:
“A formulação jogava com ambiguidades. Contrapunha um governo popular, que poderia ser interpretado como a expressão mais combativa da greve, juntamente com seus organismos, a um governo de figuras políticas. Sem rejeitar por completo um governo de coalizão dos partidos de esquerda, atacava as figuras que eram desprovidas de qualquer ligação direta com a classe trabalhadora e estavam suscetíveis a usar sua autonomia institucional existente como base para a colaboração de classes... Apesar de sua proposital falta de clareza, a formulação ‘governo popular’ apontava para um governo de partidos de esquerda, sem entrar em mais detalhes.” [12]
Em outras palavras: a formulação utilizada pela JCR tinha como objetivo de fazer com que os “setores mais combativos” da classe trabalhadora acreditassem que um governo de esquerda burguês, que incluísse o PCF, seria o “resultado da greve e de sua organização”. Esta é uma confissão reveladora. Em um momento em que a crise revolucionária havia chegado ao seu ápice, com a CGT tendo perdido sua autoridade e de Gaulle desaparecido do mapa, isto é, em um momento em que era necessário tomar uma decisão de forma aberta e decisiva, a JCR jogava com “ambiguidades” e continuava sendo propositalmente vaga. Ela escapou da decisiva questão a respeito de quem seguraria o poder no país.
A reivindicação de um “governo popular”, tomada dos stalinistas pela JCR, recebeu um apoio considerável da população. Porém, a reivindicação permaneceu geral e evasiva. O Partido Comunista a interpretava como sendo por um governo de coalizão com os socialdemocratas e pequeno-burgueses radicais, cuja tarefa mais importante seria manter a ordem existente. Nada era mais distante do pensamento do PCF do que a tomada revolucionária do poder. Os pablistas, por sua vez, nunca questionaram essa posição e foram parar atrás das fileiras dos stalinistas.
O que a JCR deveria ter feito?
É claro que a JCR não possuía o apoio suficiente para assumir o poder por si mesma. No entanto, há inúmeros precedentes históricos que demonstram como os marxistas, mesmo em minoria, podem lutar por seu programa e ganhar a maioria dos trabalhadores para o seu lado.
No início de 1917, na Rússia, a base de apoio aos bolcheviques de Lenin era consideravelmente menor do que a dos mencheviques e a dos socialistas-revolucionários (SR). No entanto, usando uma política principista e habilidosa, os bolcheviques trabalharam para conquistar o apoio da classe trabalhadora e tomar o poder em outubro. Trotsky, quando esteve exilado na França, entre 1933 e 1935, se interessou intensamente pelas atividades da seção e apresentou propostas detalhadas de como ela poderia lutar por um programa revolucionário, mesmo sendo minoria. A questão central sempre foi a da independência política da classe trabalhadora em relação aos aparatos reformistas (e mais tarde também aos stalinistas) e a construção de um partido revolucionário independente.
Quando Lenin voltou à Rússia, em 1917, após o exílio, ele atacou a atitude centrista dos bolcheviques diante do governo provisório burguês, em que os mencheviques e socialistas-revolucionários haviam assumido postos ministeriais. Ele insistiu numa oposição resoluta, assim como em um programa que se dirigisse à tomada do poder através dos sovietes.
Baseados nesse programa, os bolcheviques usavam a tática de distanciar os trabalhadores de seus líderes reformistas, com o objetivo de, no limite, fazer com que rompessem com a liderança. Os bolcheviques exigiam que os SR e os mencheviques rompessem com a burguesia liberal e tomassem o poder em suas próprias mãos. Ainda que eles fossem incapazes de formar um governo independente da burguesia, Trotsky comentou mais tarde sobre essa experiência no Programa de Transição, quando escreve que “a reivindicação dos bolcheviques endereçada aos mencheviques e socialistas-revolucionários – ‘rompam com a burguesia, tomem em suas mãos o poder’ – tinha, para as massas, um enorme valor educativo. A recusa obstinada dos mencheviques e socialistas-revolucionários de tomar o poder, que se revelou tão tragicamente nas jornadas de julho, perdeu-os definitivamente no espírito do povo e preparou a vitória dos bolcheviques.” [13]
Em 1968, a JCR se encontrou na posição de exigir que o PCF e a CGT tomassem o poder, baseados nas mobilizações da greve geral. Junto com uma agitação sistemática contrária à atitude conciliadora dos stalinistas em relação aos partidos burgueses, essa reivindicação teria tido um enorme peso político. Ela teria acirrado o conflito entre a classe trabalhadora e a direção stalinista, ajudando os trabalhadores a romper politicamente com eles. No entanto, nada estava mais distante da mente dos pablistas do que colocar os stalinistas numa situação difícil. Tendo a crise revolucionária atingido seu ápice, eles provaram ser um sustentáculo confiável para a burocracia stalinista.
Os pablistas, no entanto, não podiam simplesmente ignorar o papel contrarrevolucionário cumprido pelos stalinistas num momento em que isso era discutido abertamente pela imprensa burguesa. Em junho de 1968, Pierre Frank acusou o PCF e a CGT de terem “traído 10 milhões de trabalhadores em troca de 5 milhões de votos”. Ele chegou a comparar essa “traição da direção do PCF” com a traição histórica do Partido Social Democrata Alemão: “Se esta liderança até agora não agiu da mesma forma como os Noskes e os Eberts agiram contra a revolução alemã de 1918-1919, é simplesmente porque a burguesia não teve necessidade disso. Mas sua atitude em relação aos ‘ultra-esquerdistas’ não deixa dúvidas de que estão prontos para fazê-lo caso seja necessário”. [14]
Porém, a JCR, ao concentrar toda sua energia política em ações aventureiras e ao defender os estudantes como vanguarda revolucionária, evitava, assim, a questão mais importante: a construção de uma nova direção revolucionária na forma de uma seção da Quarta Internacional. Eles se recusaram, propositalmente, a questionar a dominação dos stalinistas. A perspectiva liquidacionista de entrismo nos partidos stalinistas, que levou ao racha de 1953 na Quarta Internacional, também constituía a base da política pablista em 1968.
Eles não defenderam a ruptura com o stalinismo e tampouco lutaram pela construção da Quarta Internacional. Ao invés disso, sua política baseava-se na convicção de que as movimentações dos estudantes e da juventude poderiam superar espontaneamente a traição stalinista e resolver a crise de direção da classe trabalhadora. Assim, a própria JCR se transformou no pior obstáculo ao desenvolvimento da verdadeira vanguarda revolucionária.
Em 1935, Leon Trotsky defendeu a construção de comitês de ação na França para se oporem à frente popular, caracterizada por ele como uma “coalizão entre o proletariado e a burguesia imperialista na forma do Partido Radical”.
“Em dias de luta, cada duzentos, quinhentos ou mil cidadãos aderindo à Frente Popular em uma dada cidade, distrito, fábrica, quartel e vila elegem seus delegados ao comitê de ação local”, escreveu ele. Entre aqueles que podem fazer parte das eleições dos comitês de ação, incluem-se não somente trabalhadores, “mas também servidores públicos, funcionários, veteranos de guerra, artesãos, pequenos comerciantes e camponeses. Assim, os comitês de ação estão em harmonia com as tarefas da luta do proletariado para influenciar mais a pequena-burguesia. Eles dificultam ao máximo, desta forma, a colaboração entre a burocracia operária e a burguesia”. Trotsky ressaltou que “não é a representação democrática formal de todos e quaisquer setores das massas, mas sim a representação das massas em luta. O comitê de ação é um aparato de luta”. É a “única maneira de quebrar a oposição contrarrevolucionária de partido e aparelho sindical” (ênfase no original). [15]
Em 1968, os pablistas adotaram a reivindicação por comitês de ação. No dia 21 de maio, por exemplo, a JCR distribuiu um panfleto que fazia um chamado à construção de comitês de ação nas universidades e nos subúrbios. O panfleto chamava a construção de um governo operário e enfatizava: “O poder que queremos deve vir dos comitês de greve e de ação de trabalhadores e estudantes.”
No entanto, a adaptação dos pablistas aos stalinistas e aos radicais pequeno-burgueses esvaziou essa reivindicação de qualquer conteúdo revolucionário. Ela, isolada da construção de uma nova direção revolucionária, quando levantada pelos pablistas, somente fazia ressoar os ruídos daquilo que, na realidade, eram suas posições políticas totalmente oportunistas. [16]
Trotsky contra Pierre Frank
Essa não foi a primeira vez em que Pierre Frank cumpriu tal papel na política. Trotsky o havia criticado ferozmente em 1935 por razões semelhantes, quando acabou sendo expulso do movimento trotskista. Naquela época, ele liderava um grupo junto com Raymond Molinier em torno da revista La Commune, que, em nome da “ação revolucionária”, propôs a unificação com movimentos centristas – em particular a Esquerda Revolucionária, liderada por Marceau Pivert. Pivert era um centrista incorrigível. Ao mesmo tempo em que tendia a usar uma fraseologia revolucionária, ele era, na prática, a ala esquerda do governo de Frente Popular liderado por Léon Blum, que estrangulou a greve geral de 1936.
Trotsky se opunha resolutamente ao centrismo de Pivert e às manobras de Molinier e Frank. “A essência da tendência de Pivert é somente esta: aceitar slogans ‘revolucionários’, mas sem tirar deles as conclusões necessárias, que são: romper com Blum e Zyromsky [um socialdemocrata de direita], criar um novo partido e uma nova internacional. Sem isso, todos os slogans ‘revolucionários’ tornam-se nulos e vazios.” Ele acusou Molinier e Frank de tentarem “conquistar a simpatia da Esquerda Revolucionária através de manobras pessoais, negociações nos bastidores e, acima de tudo, abandono dos nossos slogans e da crítica aos centristas”. [17]
Em artigo posterior, Trotsky descreveu a postura adotada por Molinier e Frank como um crime político. Ele os acusou de esconderem o programa e submeterem aos trabalhadores “falsos passaportes. Isso é um crime!” Ele insistiu que a defesa de um programa revolucionário tinha prioridade sobre a atividade prática unificada. “‘Jornal de massas’? Ação revolucionária? Comunas em todos os lugares?... Muito bem, muito bem... Mas o programa em primeiro lugar!”. [18]
“Sem um partido revolucionário, o proletariado francês está fadado à catástrofe”, prosseguiu ele. “O partido do proletariado somente pode ser internacional. A Segunda e a Terceira Internacional se tornaram o maior obstáculo à revolução. É necessário criar uma nova Internacional – a Quarta. Devemos proclamar isso abertamente. Eles são centristas pequeno-burgueses que vacilam a cada passo antes de sofrer as consequências de suas próprias ideias. O trabalhador revolucionário pode ser paralisado por sua ligação tradicional à Segunda ou Terceira Internacional, mas, assim que ele compreender a verdade, passará diretamente à bandeira da Quarta Internacional. É por isso que devemos apresentar às massas um programa completo. Através de fórmulas ambíguas só poderemos servir Molinier, que, por sua vez, serve Pivert, que dá cobertura a Léon Blum. E esse último dispende todas as suas energias apoiando o [fascista] de la Rocque...”. [19]
Três décadas depois, Pierre Frank não havia aprendido nada desse conflito com Trotsky. Na verdade, ele se posicionou mais à direita em 1968 do que em 1935. Dessa vez, ele não somente buscou a unidade com centristas como Marceau Pivert, mas também com os anarquistas, os maoístas e outras tendências antioperárias. A reprovação de Trotsky ao “crime político” de 1935 era ainda mais justificável em 1968. Os pablistas constituíram o obstáculo crucial que impediu os trabalhadores e a juventude de voltarem-se ao marxismo revolucionário.
Eles transferiram, assim, a responsabilidade da traição cometida pelos stalinistas e a de seu próprio fracasso para as costas da classe trabalhadora. Cerca de 20 anos depois, Krivine e Bensaid escreveram: “Pode-se atribuir a fraqueza das forças revolucionárias no início do movimento aos crimes do stalinismo e da socialdemocracia. Mas, se não queremos nos perder em idealismos insanos, então, na verdade, e de forma distorcida, isso também é a expressão de uma condição mais geral da própria classe trabalhadora, de suas correntes combativas e de sua vanguarda natural nas fábricas e sindicatos”. Escrevem eles, também, que havia contradições entre a dinâmica da luta e a do Partido Comunista, “porém, elas continuavam em segundo plano... A massa de grevistas queria equilibrar o conflito social e se livrar do jugo de um regime autoritário. Deste ponto até uma revolução ainda havia um longo caminho a ser percorrido”. [20]
Passados mais 20 anos, Krivine é ainda mais claro. Em sua autobiografia de 2006, ele escreveu: “Certamente, na direção da JCR nós não sabíamos quão longe iria o movimento. Era uma revolta de tamanho sem igual, mas não era uma revolução. Não havia nem um programa nem organizações confiáveis preparadas para tomar o poder”. [21]
Essa linha de argumentação é típica do oportunismo pablista. Em sua polêmica com o POUM, Trotsky certa vez descreveu-o como uma “filosofia impotente que procura resignar-se diante das derrotas, como um elo necessário na cadeia da evolução cósmica, sendo completamente incapaz de reconhecer – e se nega a fazê-lo – que fatores concretos, tais como programas, partidos e personalidades, foram os organizadores da derrota”. [22]
A LCR hoje
O Ministro do Interior francês, Raymond Marcellin, baniu a JCR e sua organização sucessora, a Ligue communiste (Liga Comunista) em duas ocasiões: em 12 de junho de 1968, quando ele dissolveu um total de 12 organizações de esquerda, e em 28 de junho de 1973, logo após violentos confrontos com a polícia em um ato contra o fascismo, em Paris.
No entanto, após 1968, os elementos mais perspicazes da elite dominante estavam certos de que a LCR não representava ameaça alguma à ordem burguesa e de que eles poderiam contar com ela em tempos de crise.
Após a ressaca da onda revolucionária de 1968, a LCR e as organizações associadas tornaram-se um campo fértil de recrutamento para os partidos do establishment, a mídia burguesa, as universidades e os aparatos estatais. Antigos membros da LCR podem ser encontrados em posições de liderança no Partido Socialista (Henri Weber, Julien Dray, Gérard Filoche, etc.), ocupando cadeiras de filósofos (Daniel Bensaid) e em conselhos editoriais dos principais jornais burgueses.
Edwy Plenel, que ascendeu das fileiras da LCR a chefe do conselho editorial do renomado diário Le Monde, escreveu em suas memórias: “Eu não fui o único: éramos certamente dezenas de milhares – aqueles que, após terem sido militantes da extrema esquerda (trotskista ou não-trotskista) – rejeitaram as lições da militância e se voltaram de forma parcialmente crítica às nossas ilusões daquele período, sem deixar de manter certa lealdade ao nosso ódio original e sem esconder nossas dívidas ao treinamento que recebemos”. [23]
O anarquista Daniel Cohn-Bendit tornou-se o mentor político e amigo íntimo de Joschka Fischer, ministro do exterior alemão de 1998 a 2005. Cohn-Bendit é atualmente o líder do Partido Verde (PV) no Parlamento Europeu e pertence à ala direitista daquele que hoje é um partido completamente de direita.
Em 1990, o maoísta Alain Geismar se tornou chefe da “Inspection générale de l’administration de l’éducation nationale et de la recherche” (importante órgão do Ministério de Educação Nacional do Governo Francês) e preencheu inúmeras vagas de subsecretariado estatal em diversos ministérios comandados pelo Partido Socialista. A fundação do diário Libération também tinha suas raízes no maoísmo. Ele foi criado originalmente em 1973 como sendo uma publicação maoísta, tendo como editor-chefe Jean-Paul Sartre.
O grande número de radicais de 1968 que tiveram a chance de subir de carreira na França não pode ser explicado somente como sendo “o retorno dos filhos pródigos”. Isso é muito mais o resultado da perspectiva dos pablistas e seus aliados, que, apesar de sua retórica radical, sempre buscaram políticas oportunistas compatíveis com a ordem burguesa.
Diante da crise econômica e política que está, hoje, muito mais grave do que a de 1968, os serviços da LCR são mais necessários do que nunca. A globalização da produção, a crise mundial financeira e o aumento do preço do petróleo destruíram as bases dos compromissos sociais na França, assim como em todos os países. Nesse meio tempo, o PCF e a CGT são apenas uma pálida sombra do que costumavam ser e somente 7% da força de trabalho está organizada em sindicatos. O Partido Socialista, fundado em resposta aos eventos de 1968 e o mais importante sustentáculo do regime burguês nas últimas três décadas, está destroçado por suas divergências internas e rapidamente perdendo apoio. Conflitos sociais estão a ponto de entrar em erupção e, nos últimos 12 anos, o país tem sido abalado por seguidas ondas de greves e manifestações.
Sob tais circunstâncias, a elite dominante precisa de um novo sustentáculo de esquerda que seja capaz de desorientar o crescente número de trabalhadores e jovens que perderam a fé em uma solução reformista para a crise social, impedindo-os de optar por uma alternativa revolucionária. Esse é exatamente o papel que cumprirá o novo “Partido Anticapitalista”, que a LCR planeja fundar no fim do ano. Seu porta-voz, Olivier Besancenot (um apadrinhado de Alain Krivine), foi recebido positivamente pela mídia após a última eleição presidencial, na qual obteve 1,5 milhão de votos.
Os paralelos entre a JCR de 1968 e o “Partido Anticapitalista” da LCR de hoje são bem claros. A começar pela glorificação de Che Guevara, reconhecido por Besancenot como um importante modelo a ser seguido. Ele chegou a escrever um livro sobre Che Guevara no ano passado. Outros paralelos incluem a adaptação sem qualquer crítica a diversas correntes radicais pequeno-burguesas. De acordo com Besancenot, seu novo partido está aberto a “ex-membros de partidos políticos, ativistas do movimento sindical, feministas, opositores do liberalismo, anarquistas, comunistas ou antineoliberais.” Além disso, ele rejeita explicitamente qualquer ligação histórica com o trotskismo. Tal partido eclético e sem princípios, sem qualquer programa claro, pode ser facilmente manipulado e ajustado para servir aos interesses da classe dominante.
As lições que podemos tirar de 1968 não são de mero interesse histórico. Com a ajuda dos stalinistas e dos pablistas, a classe dominante foi capaz de retomar o controle e estabilizar seu domínio durante um período de crise revolucionária. A classe trabalhadora não permitirá ser enganada pela segunda vez.
Continua
Referências
11. Bensaid, Daniel; Krivine, Alain. Mai si! 1968-1988: Rebelles et repentis Montreuil: 1988.
12. Idem, p. 39-40.
13. Trotsky, Leon. Programa de Transição. 1936.
14. Frank, Pierre. Mai 68: première phase de la révolution socialiste française.
15. Trotsky, Leon. Frente Popular e Comitês de Ação. In: Aonde Vai a França?. 26 de novembro de 1935.
16. Jeunesse Communiste Revolutionnaire. Workers, Students. 21 de maio de 1968.
17. Trotsky, Leon. What is a ‘Mass Paper’?. In: The Crisis of the French section (1935-36). New York: 1977, pp. 98, 101.
18. Trotsky, Leon. Against False Passports in Politics. In: The Crisis of the French section (1935-36). New York: 1977, pp. 115, 119.
19. Idem, pp. 119-120.
20. Bensaid, Daniel; Krivine, Alain. Mai si! 1968-1988: Rebelles et repentis Montreuil: 1988, p. 43.
21. Krivine, Alain. Ça te passera avec l’âge. Flammarion: 2006, pp. 103-104.
22. Trotsky, Leon. Classe - Partido – Direção. Agosto de 1940.
23. Plenel, Edwy. Secrets de jeunesse. Editions Stock: 2001, pp. 21-22.