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Greves e protestos de massa liderados por professores irrompem na Argentina

Publicado originalmente em 12 de junho de 2023

Na província argentina de Salta, na fronteira com a Bolívia e o Chile, a legislatura local aprovou uma lei que criminaliza qualquer forma de protesto social que possa restringir outras liberdades, incluindo piquetes de grevistas, bloqueios de estradas e reuniões em massa.

A lei, indevidamente chamada de “Coexistência e conciliação cidadã”, tem como objetivo reprimir uma revolta massiva de professores e profissionais de saúde em Salta, que já envolve seis semanas de greves selvagens, bloqueios de estradas nas principais rotas de mineração e manifestações em massa.

“Antes heróis... Agora delinquentes.” Trabalhadores da saúde protestam em Salta [Photo: @Magnum_Buzz]

Projetos de lei semelhantes estão sendo discutidos por legisladores na vizinha Jujuy, onde os professores estão em greve há mais de uma semana e liderando manifestações que enfrentaram forte repressão.

Mesmo antes da aprovação da lei, os educadores de Salta foram repetida e brutalmente atacados pela polícia, ao mesmo tempo que supostos líderes da greve foram identificados, perseguidos e presos.

No sábado, uma assembleia de trabalhadores “autoconvocada”, organizada à revelia da burocracia sindical que se opõe às ações de protesto, votou pela continuidade da greve e das mobilizações e pela rejeição de uma oferta feita pelo governador de direita de Salta, Gustavo Saenz, que teria aumentado o salário mensal inicial dos professores para 203 mil pesos por mês e ignorado todas as outras reivindicações.

Esse valor está bem abaixo dos 320 mil pesos (ou US$ 662, segundo o mais preciso “dólar azul”, do mercado negro) e do ajuste automático de acordo com o custo da cesta básica exigido pelos professores. Os grevistas também exigiram a revogação do que chamaram de “lei antipiquete”, a retirada de todas as acusações contra os 19 grevistas que foram presos e posteriormente libertados e grandes aumentos orçamentários.

Embora os professores de toda a Argentina já estejam sendo reprimidos pelas autoridades estaduais e federais sem essa legislação, a aceleração da lei antipiquete pelas autoridades de Salta como resposta às exigências dos grupos empresariais representa um alerta aos trabalhadores do país inteiro e internacionalmente. O projeto de lei foi apoiado por legisladores das duas principais facções do establishment político, a coalizão do presidente peronista Alberto Fernandez e aqueles que pertencem à coalizão abertamente de direita liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri. O governador Saenz apoiou ambas as facções.

Quarenta anos após a queda da selvagem junta militar argentina, no contexto das demandas financeiras do Fundo Monetário Internacional e de Wall Street, bem como das demandas políticas do imperialismo norte-americano para se alinhar ao seu confronto com a Rússia e a China, a classe dominante está mais uma vez respondendo às crescentes lutas da classe trabalhadora com uma volta à ditadura e à repressão policial.

No momento, professores em greve estão se mobilizando em sete das 23 províncias da Argentina (Jujuy, Salta, Misiones e Formosa, no norte; Santa Cruz e Chubut, no sul; e Buenos Aires, no centro). Os protestos estão ocorrendo de forma independente e em oposição aos sindicatos que afirmam “representá-los”.

Os professores estão levantando demandas vitais em relação a salários e condições de trabalho, uma vez que a crise inflacionária crônica da Argentina se acelerou e prevê-se atingir 150% este ano, impactando de forma severa os índices de pobreza e o padrão de vida dos professores, mesmo com os preços das ações disparando no índice Merval da Bolsa de Valores.

O que também está em jogo nessas lutas é a defesa das escolas públicas e dos hospitais públicos, cujos serviços e infraestrutura estão sofrendo uma rápida deterioração para financiar essa transferência de riqueza para a elite dominante.

Os professores em greve de Chubut descreveram condições deploráveis em suas escolas na Patagônia, por exemplo, com salas de aula sem aquecimento e falta de transporte para os alunos. Os professores também relatam que estão com salários atrasados há meses e não conseguem pagar o aluguel e as contas de luz.

Um relatório recente da Universidade Católica Argentina (UCA), de Buenos Aires, mostra um número recorde de cidadãos em situação de pobreza, 18 milhões ou 43% da população. Mais de três milhões, ou 8% da população, enfrentam insegurança alimentar. Esses números vêm aumentando desde 2010. As verbas de assistência social do governo não acompanharam o aumento das taxas de pobreza.

Os professores também exigem mais dinheiro para os programas de nutrição nas escolas, que não acompanharam o aumento da pobreza e da fome observada pelos professores entre muitos de seus alunos. Outra demanda é a contratação de psicólogos infantis para atender às necessidades dos alunos; os professores relatam mais alunos com problemas psicológicos, inclusive depressão.

Ondas de protestos e greves de educadores, nesse país de 46 milhões de habitantes, têm sido ininterruptas desde a reabertura das escolas em 2021 (após o fechamento no início da pandemia da COVID-19). A reabertura afetou muito a saúde e a vida de professores e alunos. Nos distritos mais pobres, os professores foram forçados a voltar a trabalhar em escolas velhas, muitas em colapso, em condições nas quais o distanciamento social era impossível e num momento em que muitos alunos e professores não haviam sido vacinados. Essas regiões também carecem de clínicas e leitos hospitalares.

A reabertura das escolas causou um aumento dramático das infecções por COVID-19, de 2,3 milhões em março de 2021 para 5,5 milhões no final do ano letivo (dezembro de 2021) e 9 milhões em março de 2022.

Os governos provincial e federal responderam às demandas dos trabalhadores com a mesma desculpa – “não há dinheiro” – enquanto aumentavam a repressão e contavam com as traições do aparato sindical corporativista.

Há um mês, os professores da província de Santa Cruz se mobilizaram e exigiram uma greve nacional. Desde então, educadores, trabalhadores do transporte e portuários entraram em luta, levantando o espectro do Cordobazo de 1969, que desencadeou uma das maiores insurreições populares da história da América Latina. Essa crise revolucionária foi traída pela burocracia e pelos partidos sindicais peronistas e seus satélites stalinistas e morenistas, que desviaram a oposição por meio de ilusões no governo peronista e prepararam o terreno para o golpe de 1976, que instalou uma junta militar brutal apoiada pelos EUA.

Nos dias 30 e 31 de maio, após semanas de greves selvagens, dezenas de milhares de professores, profissionais da saúde, funcionários públicos e seus apoiadores realizaram manifestações em massa e bloqueios de estradas em Salta, caracterizados pelo jornal Página 12 de Buenos Aires como “Salteñazo do século XXI”, em alusão a 1969.

Assim como há 54 anos, hoje a burocracia sindical peronista está se dedicando a suprimir o levante que emerge em toda a Argentina. Enquanto isso, cada um dos principais partidos de pseudoesquerda está convocando conferências de suas próprias facções dentro dos sindicatos de professores para discussões de emergência.

Em última análise, cada tendência busca canalizar os protestos por meio de suas próprias manobras com setores da classe dominante. Isso foi demonstrado pelo apelo do Partido Obrero e do morenista Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST) a “toda a esquerda e a todos os envolvidos nas lutas” para que participem de uma “plenária nacional” em Buenos Aires antes das eleições presidenciais deste ano. Embora ambos os partidos estejam fazendo campanha para suas próprias chapas dentro da chamada coalizão Frente de Esquerda dos Trabalhadores-Unidade (FIT-U), o evento discutirá como “unir as forças de todas as lutas populares” e apresentar “uma alternativa de poder”.

Isso significa que eles estão intensificando seus esforços para formar uma coalizão com seções do governo peronista. Isso já se deu em manifestações conjuntas, sob uma “frente única” fraudulenta com as forças em torno do candidato presidencial peronista Juan Grabois, o funcionário do governo Emilio Pérsico e os movimentos que eles dirigem.

Em Salta e em outros lugares, o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), que também faz parte da FIT-U, está apelando à burocracia sindical peronista da CTA, que apoia o governo Fernández, para que convoque uma greve geral. Enquanto isso, a Tendência Classista dos Professores de Salta, do partido de pseudoesquerda Política Obrera – uma facção expulsa do Partido Obrero e liderada por Jorge Altamira – tem desempenhado um papel importante em orientar os trabalhadores autoconvocados para as negociações com o governador de direita Saenz.

Em 31 de maio, após as manifestações em massa, a Tendência escreveu em uma declaração: “Que o próprio Saenz nos receba, reconheça nossos delegados eleitos e revogáveis como a representação exclusiva dos professores e que ele cumpra imediatamente nossa lista de reivindicações, já que ele tem o poder de fazer isso”.

Os trabalhadores precisam se opor a essas propostas oportunistas, que só levarão a novas traições. Nada pode ser resolvido por meio de apelos pessoais ao governador Saenz, a qualquer outro governador ou ao presidente Fernandez, os quais todos deixaram claro seu compromisso de empobrecer ainda mais os trabalhadores e deixar que a infraestrutura e os serviços sociais entrem em colapso contra a vontade da maioria trabalhadora. Todos eles devem ser derrubados pela classe trabalhadora, organizada independentemente das facções peronistas e facções de pseudoesquerda da burocracia sindical.

Acima de tudo, os trabalhadores precisam entender que seu movimento faz parte de um ressurgimento global da luta de classes contra o capitalismo e a guerra, cujos custos e efeitos estão sendo colocados nas costas dos trabalhadores em todos os lugares. Os professores e outros setores dos trabalhadores que lutam na Argentina só podem defender seus direitos sociais e democráticos por meio de uma luta internacional com seus irmãos e irmãs de classe em todo o mundo. O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) está lutando para construir a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base como um órgão democrático para coordenar e executar essa contraofensiva necessária da classe trabalhadora em todo o mundo.

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