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Após denunciar genocídio em Gaza, Lula se reúne com secretário de Estado de Biden

Publicado originalmente em 1º de março de 2024

As declarações feitas pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), durante uma viagem diplomática à África, denunciando a natureza genocida da guerra israelense em Gaza, provocaram repercussão internacional.

Secretário de Estado dos EUA Anthony Blinken se reúne com presidente Luiz Inácio Lula da Silva. [Photo: US Department of State]

Durante coletiva de imprensa na Etiópia no dia 18 de fevereiro, Lula comparou o massacre de palestinos por Israel ao extermínio dos judeus europeus pelo Terceiro Reich nazista: “O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”.

A viagem de Lula ao Egito e à Etiópia, países que recentemente se juntaram ao grupo BRICS, foi promovida pelo governo do PT como um marco na política externa brasileira na África, com o objetivo de fortalecer a influência política do chamado Sul Global.

As falas de Lula provocaram ampla condenação por contradizer a narrativa oficial imposta pelo imperialismo americano e europeu defendeno o massacre em Gaza com a fraudulenta justificativa da guerra “defensiva” de Israel.

O governo fascista israelense de Benjamin Netanyahu, que possui um papel chave como “cão de ataque” do imperialismo mundial no Oriente Médio, respondeu às declarações de Lula com uma série de denúncias do governo brasileiro. O governo israelense convocou o embaixador brasileiro para uma humilhante reprimenda no Museu do Holocausto em Jerusalém, declarando Lula “persona non grata” e rotulando-o “negacionista do Holocausto”.

No Brasil, Lula tornou-se alvo de uma ampla campanha da imprensa e de amplos setores do establishment político com base em acusações histéricas de “antissemitismo” e demandas para que o presidente se retratasse.

Os aliados do fascista ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que enfrenta um processo judicial sob a acusação de tentativa de golpe de Estado, usaram o episódio para lançar um pedido de impeachment contra Lula no Congresso brasileiro com base na acusação de “antissemitismo”. Essas forças fascistas cultivam relações estreitas com o governo israelense, que continua a promover Bolsonaro como o principal representante de seus interesses na política brasileira.

O banho de sangue promovido por Israel e seus apoiadores imperialistas em Gaza, acompanhado pela reabilitação do fascismo e de todas as formas de reação política em todo o mundo, está provocando contínuas ondas de oposição em massa entre a classe trabalhadora e a juventude internacionalmente.

Enquanto Israel se prepara para levar adiante um grande assalto militar contra Rafah no sul da faixa de Gaza, que irá ampliar o extermínio e limpeza étnica dos palestinos, protestos massivos estão acontecendo ao redor do mundo. Londres teve mais um fim de semana de protestos com 250 mil pessoas nas ruas. Nos EUA, onde seções crescentes da população identificam Joe Biden como “Genocide Joe” (Joe genocida, em tradução livre) pela sua responsabilidade principal na guerra. As suas aparições públicas se tornaram ocasiões para constantes protestos nos últimos meses.

Em sua viagem, Lula atravessou o Norte da África, palco de protestos por milhões de trabalhadores. Contrários às políticas de conciliação com Netanyahu dos regimes despóticos árabes, eles exigiram desde o início dos bombardeios que seus governos abandonassem todas as relações com Israel.

Nessas condições explosivas, as declarações de Lula nada mais são do que uma tentativa cínica de explorar a revolta popular em massa contra a guerra criminosa em Gaza. Com uma carreira política de mais de meio século dedicada a trair as lutas da classe trabalhadora, o ex-líder sindical e presidente do Brasil pela terceira vez lamenta as atrocidades contra os palestinos enquanto encobre na prática seus principais autores.

Em resposta a um dos piores crimes na história moderna, Lula está defendendo a esvaziada “solução de dois Estados”, que foi usada em todo o período pós-Segunda Guerra para desviar a luta dos trabalhadores e oprimidos na região de uma luta contra o imperialismo e as burguesias árabe e israelense.

Essa “solução” segue os mesmos princípios ilusórios da proposta de Lula de acabar com a guerra na Ucrânia por meio da formação de um “clube da paz” que reúna os EUA, seus aliados da OTAN, a Rússia e a China. Tudo o que seria supostamente necessário é pressão suficiente sobre Washington e as capitais europeias para que elas abandonem sua já avançada campanha de guerra global como se fosse simplesmente um grande mal-entendido.

A falência da perspectiva de Lula foi exposta pelo próprio contexto em que ele iniciou suas denúncias da guerra em Gaza, quando estava acompanhado do ditador egípcio Abdel Fatah al-Sisi. Na mesma semana, foi revelado que al-Sisi, o “açougueiro de Cairo”, estava discutindo a construção de campos de concentração no deserto para os palestinos expelidos do seu território por Israel, colaborando com a operação de limpeza étnica de Israel.

Na mesma ocasião, Lula afirmou: “O Brasil condenou de forma veemente a posição do Hamas no ataque a Israel e o sequestro de centenas de pessoas e chamamos de ato terrorista”, dando crédito à suja alegação do “direito de autodefesa” de Netanyahu usada para justificar o bombardeio de hospitais, escolas e toda a infraestrutura civil de Gaza.

Porém, a hipocrisia de Lula se apresentando como um herói dos palestinos e todos os povos oprimidos pelo imperialismo foi completamente exposta durante a amigável visita do secretário de Estado americano Anthony Blinken, realizada durante o encontro dos ministros de Relações Exteriores do G20 no Brasil, dias após a visita de Lula à África.

Em sua reunião com o principal representante diplomático de Washington, Lula não apenas se limitou a enfatizar seus pontos de vista e interesses comuns com o governo Biden, mas procurou apresentar o imperialismo dos EUA, o principal defensor do genocídio palestino, da guerra na Ucrânia e dos crescentes conflitos em todo o mundo, como um agente da paz mundial. Lula tuitou sobre sua discussão com Blinken: “Conversamos sobre o @g20org, a iniciativa pela melhoria da condição dos trabalhadores que lançamos com o presidente Biden, a proteção do meio ambiente, a transição energética, a ampliação dos laços de investimento e cooperação entre nossos países e sobre a paz na Ucrânia e em Gaza”.

Ao encobrir o papel central do governo Biden e do imperialismo norte-americano no massacre em Gaza e na transformação de praticamente todos os cantos do globo em uma zona de guerra, Lula presta um serviço criminoso contra a classe trabalhadora internacional. Justamente por isso, as organizações de pseudoesquerda da classe média no Brasil e internacionalmente se uniram em defesa de Lula e de sua reacionária perspectiva nacionalista burguesa.

A revista Jacobin, apoiada pelos Socialistas Democráticos do EUA (DSA), elogiou as declarações de Lula, retratando-o como o “líder do Sul Global” que “abriu caminho na América Latina ao responsabilizar Israel”. Contrastando sua posição com o que eles chamaram de “cumplicidade vergonhosa” do governo Biden, a Jacobin elogiou Lula por exigir que os EUA se tornem um dos “agentes da paz” em vez de “promotores da guerra”. Os discursos inconsequentes de Lula ajudam convenientemente os DSA, uma fração do Partido Democrata, a lavar as mãos depois de apoiar os crimes do imperialismo americano em Gaza e na Ucrânia, e a promover ilusões em uma reorientação pacifista da política de Washington.

Enquanto a Jacobin elogia abertamente Lula como o grande líder da “esquerda” mundial, outras seções da pseudoesquerda procuram se apresentar falsamente como uma oposição de esquerda ao presidente brasileiro, exigindo que ele tome medidas mais radicais.

Essa postura foi exemplificada pelos morenistas brasileiros do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Em resposta às declarações de Lula e suas repercussões, o PSTU lançou a campanha “Lula tem que romper relações com Israel, já!”, alegando que “Lula acerta em denunciar o genocídio, mas é preciso ir além das palavras”. Apesar de parecer radical, essa demanda é apenas uma variação ultraesquerdista de uma perspectiva nacionalista burguesa reacionária em resposta à crise do imperialismo.

Essas diferentes tendências de pseudoesquerda desempenham seus papéis específicos em uma divisão de trabalho político direcionada a desorientar a classe trabalhadora internacional. As ilusões que elas promovem em uma resposta liderada pelo chamado Sul Global ao feroz imperialismo americano e europeu, seja por meios pacifistas ou agressivos, baseiam-se nos interesses de classe das burguesias nacionais desses países em sua busca por uma acomodação mutuamente lucrativa com o imperialismo.

Lula representa setores das elites dominantes brasileiras e latinas que, com base nas relações econômicas e comerciais desenvolvidas especialmente com a China nas últimas décadas e aceleradas pela iniciativa Cinturão e Rota, possuem expectativas de consolidar essas relações sob uma nova ordem “multipolar”. Na Etiópia, Lula argumentou que “A consolidação do BRICS como principal espaço de articulação dos países emergentes é uma avanço inegável”.

Ao contrário dessas ilusões, o declínio relativo da influência econômica dos Estados Unidos está sendo respondido com uma explosão de violência imperialista em uma escala ainda maior do que nas duas guerras mundiais, como já foi mostrado. Essa trajetória só pode ser alterada com a derrubada do sistema capitalista mundial, a causa raiz de todos os males fundamentais da sociedade global.

A questão crucial é construir um movimento politicamente consciente e unificado na classe trabalhadora internacional contra a guerra e pelo socialismo. Esse movimento não possui como aliados Lula e nos representantes burgueses do “Sul Global”, mas inimigos ferozes, cujo medo do movimento revolucionário da classe trabalhadora excede muito sua fingida oposição aos crimes do imperialismo.

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