A Polícia Federal (PF) brasileira prendeu em 24 de maio os mandantes do assassinato de 2018 da vereadora do Rio de Janeiro do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Marielle Franco. Segundo a PF, os mandantes do crime são os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, figuras políticas conhecidas no Rio de Janeiro.
Domingos Brazão foi vereador, deputado estadual entre 1999 e 2015 e é atualmente conselheiro do Tribunal de Contas do estado do Rio de Janeiro. Antes de ser eleito deputado federal em 2018, Chiquinho Brazão foi vereador no Rio de Janeiro entre 2005 e 2017, ano em que atuou junto com Marielle Franco na Câmara de Vereadores. Durante a maior parte de suas carreiras políticas, eles foram membros do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o partido de oposição à ditadura militar brasileira apoiada pelos EUA (1964-1985) e que liderou a assim chamada “transição democrática” no Brasil.
Junto com os irmãos Brazão, a PF prendeu o ex-chefe da polícia civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, acusado de planejar o crime e obstruir as investigações. Ele foi nomeado para o cargo um dia antes do assassinato de Marielle Franco.
Ao todo, as investigações do caso Marielle tiveram cinco delegados da Polícia Civil, alguns deles também com indícios de obstrução das investigações. Em março do ano passado, o então ministro da justiça do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), Flávio Dino, determinou que a PF investigasse o caso Marielle. As prisões aconteceram após o Supremo Tribunal Federal homologar a delação premiada de Ronnie Lessa, um ex-policial militar que matou Marielle Franco e está preso desde 2019.
A morte de Marielle Franco seis anos atrás foi imediatamente conectada às milícias, forças paramilitares no Rio de Janeiro com múltiplas conexões com a Polícia Militar (PM) e inúmeros políticos, como os irmãos Brazão, e cujas origens remontam a grupos de extermínio a opositores da ditadura militar. Oferecendo serviços de gás, internet, luz e até assistência social em troca de taxas dos moradores, as milícias controlam hoje quase 60% da área do Rio de Janeiro, particularmente nas zonas oeste e norte da cidade, onde mora 33% da população.
A informação de que Marielle Franco estava sendo um obstáculo aos interesses dos irmãos Brazão, atuando inclusive junto à população da região contra um projeto de lei para que áreas de proteção ambiental na zona oeste do Rio de Janeiro fossem exploradas economicamente, foi obtida pelos dois membros da milícia controlada pelos irmãos Brazão que foram infiltrados no PSOL a partir do final de 2016. Além de monitorar as ações de Marielle e outros políticos do PSOL na região, a PF também apontou que a ação deles teve o objetivo de ajudar no crime.
A atuação de Marielle contra as milícias, assim como suas denúncias contra a brutal violência policial no Rio de Janeiro, começaram em meados dos anos 2000. Antes de ser eleita vereadora na eleição de 2016, Marielle Franco havia sido assessora parlamentar de Marcelo Freixo, que foi deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL entre 2007 e 2018. Em 2007 e 2008, ele presidiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a ação das milícias no Rio de Janeiro e foi coordenada por Marielle Franco.
Em meio a essas graves revelações, um dos elementos mais explosivos do relatório da PF levantou suspeitas sobre o comandante da inédita intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro entre fevereiro de 2018 e janeiro de 2019, o general Walter Souza Braga Netto. Significativamente, ele viria a ocupar dois ministérios no governo do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, e foi seu candidato a vice presidente na eleição de 2022. As relações de Bolsonaro e seus filhos com a PM, uma de suas mais importantes bases políticas e ligados a milícias no Rio de Janeiro, são notórias.
No controle da segurança pública do estado, incluindo durante o assassinato de Marielle Franco, Braga Netto trocou toda a cúpula da segurança pública do estado, nomeando o delegado Rivaldo Barbosa como chefe da Polícia Civil. Isso aconteceu mesmo após ele ter sido alertado pela subsecretaria de inteligência do estado que Barbosa possuía conexões com a milícia.
As manobras realizadas por Barbosa para impedir a investigação e levar o caso a uma conclusão prematura colocou nos holofotes da mídia corporativa nas últimas duas semanas a ampla corrupção da polícia militar e civil e o avançado grau da relação das milícias com as instituições de Estado. A real extensão das conexões de Braga Netto e outros militares com as milícias não são claras, pelo menos publicamente.
Entretanto, o que foi exposto pelo episódio é o avançado nível de apodrecimento da democracia burguesa no Brasil e o retorno dos militares ao centro da política no Brasil décadas após o fim da ditadura militar.
As revelações no caso Marielle foram divulgadas em meio às revelações sobre a participação de múltiplos generais do governo Bolsonaro na tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023. O próprio general Braga Netto foi um dos principais organizadores do golpe, pressionando pelo apoio e participação de outras figuras de alto escalão nas Forças Armadas e ajudando a organizar a infiltração de militares no ataque à Praça dos Três Poderes.
A prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco fez o PT e o PSOL dobrarem suas apostas em uma “frente ampla” contra as milícias no Rio de Janeiro. O principal objetivo político deles é impedir que os trabalhadores e a juventude tirem as conclusões necessárias sobre a podridão da democracia burguesa no Brasil da mesma forma que fizeram ao longo de todo o governo Bolsonaro, paralisando toda a oposição política ao presidente fascistoide e a canalizando para as eleições e instituições do Estado burguês que abriram o caminho para a tentativa de golpe.
Isso tem sido defendido principalmente por Marcelo Freixo, que em 2022 trocou o PSOL pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) para ampliar suas alianças políticas eleitorais com políticos burgueses no combate ao bolsonarismo. Hoje, Freixo está usando as mesmas táticas no combate às milícias. No ano passado, ele ingressou no PT e, hoje, é presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) do governo Lula.
Em entrevista ao programa Sem Censura em 25 de março, ele respondeu à pergunta “O Rio de Janeiro tem solução?” declarando: “A solução está na política, nas instituições ... Ele tem saída, tem eleição [municipal] agora em 2024, tem eleição [estadual] em 2026, que esse episódio [revelação dos responsáveis pelo assassinato de Marielle] sirva de lição, que faça determinadas figuras entenderem que se pode fazer aliança, se deve fazer aliança, mas não se pode fazer aliança com o crime.” Ele também defendeu um “pacto” entre direita e esquerda envolvendo “o judiciário, a classe artística, a classe política, a população” para “salvar o Rio de Janeiro”.
Da mesma maneira, o PSOL lançou em 29 de março um manifesto intitulado “Com milícia não tem jogo”. Segundo ele, seu objetivo é “juntar todo mundo que sabe que não há justiça sem direitos e que com a milícia não tem jogo.” Afirmando que “é preciso enfrentar a estrutura política que tornou que tornou possível o assassinato” de Marielle, ele defende “refundar o Rio sob bases democráticas e socialmente justas”.
A falência dessa política, tanto nacionalmente quanto no Rio de Janeiro em nome do combate a Bolsonaro e às milícias, tem sido exposta repetidamente pelo PT e pelo PSOL. Hoje, o principal aliado do PT no Rio de Janeiro é o prefeito da capital, Eduardo Paes, do direitista Partido Social Democrata (PSD), cuja origem remonta ao partido de governo da ditadura militar. Paes levou quase uma semana para se manifestar sobre o fato de Chiquinho Brazão ter sido um dos secretários do seu governo até fevereiro, após o conteúdo da delação de Lessa ter sido divulgado.
Já o PSOL tem oferecido uma cobertura de esquerda ao PT e o pressionado para que rompa com Paes. Segundo o seu deputado federal Tarcísio Motta, Paes “representa o mesmo grupo político que há anos fomenta e emprega a milícia”. Entretanto, isso não impediu que o PSOL apoiasse Paes em 2020 contra o candidato apoiado por Bolsonaro na eleição municipal, e sem dúvida não impedirá que faça o mesmo neste ano.
Como leais defensores do capitalismo no Brasil, o PT e o PSOL são incapazes de explicar o assassinato de Franco e a situação no Rio de Janeiro, alegando pelo contrário que a saudável trajetória da democracia brasileira foi desviada pela eleição de Bolsonaro e a ação das milícias, ambas podendo ser combatidas por uma “frente ampla”. Na verdade, os assassinatos políticos e as milícias são “manifestações do declínio da democracia burguesa sob o peso das contradições do capitalismo mundial, principalmente o crescimento sem precedentes da desigualdade social e dos crescentes conflitos inter-imperialistas”, conforme explicou o WSWS em 2019.
Nos últimos anos, inúmeras manifestações e greves estouraram no Brasil contra os inúmeros ataques aos direitos sociais e democráticos, incluindo enormes protestos espontâneos contra o assassinato de Marielle Franco e a violência policial em 2018 e nos anos subsequentes. Em todos esses casos, o PT e o PSOL fizeram de tudo para abafar e subordinar esse movimento à política burguesa.
A luta da classe trabalhadora em defesa dos direitos sociais e democráticos e contra os preparativos para a ditadura no Brasil só pode ser levada adiante com uma exposição sistemática das políticas do PT, do PSOL e da pseudoesquerda, e com a construção de um movimento internacional da classe trabalhadora contra o sistema capitalista, a causa do colapso da democracia no Brasil.