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Presidente do STF “vira a página” do envolvimento dos militares na tentativa de golpe de Bolsonaro

Em 6 de abril, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, participou da Brazil Conference, promovida anualmente na grande Boston promovida por estudantes de Harvard e do MIT. Recebendo autoridades e multimilionários do país, a conferência é orgulhosamente chamada de “Fórum de Davos brasileiro” por seus próprios organizadores afluentes.

Depois de participar de uma sessão com o famoso professor de Harvard, Steven Levitsky, sobre populismo, democracia e o papel dos tribunais constitucionais, Barroso deu uma entrevista coletiva na qual descreveu o papel dos militares brasileiros nos últimos 35 anos como “exemplar”. O juiz brasileiro criticou aqueles que alertam sobre o envolvimento dos militares na tentativa de golpe promovida pelo ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, afirmando que ele não participa “desse processo de desapreço às Forças Armadas, antes, pelo contrário”.

Ex-presidente Jair Bolsonaro e comandantes das Forças Armadas, almirante Almir Garnier Santos, general Paulo Sérgio Nogueira, e brigadeiro Carlos Baptista Júnior [Photo: Marcos Corrês/PR]

Depois de admitir, com um eufemismo, que “em alguns momentos dos últimos anos houve uma politização indesejada e incompatível com a Constituição” por parte dos militares, Barroso concluiu tranquilizando a imprensa de que “isso foi superado e na vida precisamos aprender a virar a página”.

Barroso estava falando menos de uma semana após o 60º aniversário do sangrento golpe de 31 de março de 1964, no qual os militares brasileiros, apoiados pelos EUA, derrubaram o presidente eleito João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), inaugurando uma ditadura de 21 anos que assassinou e torturou milhares de pessoas. Suas declarações ecoaram as do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), que ordenou o cancelamento de quaisquer cerimônias em memória do golpe, declarando que o país deve “saber tocar a história para frente, [ao invés de] ficar remoendo sempre, remoendo sempre”.

Enquanto o ministro Barroso falava em Cambridge, a Polícia Federal (PF) continuava sua investigação de pelo menos 18 oficiais de alta patente da ativa ou aposentados, incluindo ex-comandantes das forças armadas, por ajudar Bolsonaro a preparar um golpe de estado após sua derrota nas eleições gerais de 2022. A trama culminou no assalto fascista de 8 de janeiro de 2023 à sede dos três poderes em Brasília.

As tentativas de Barroso e Lula de encobrir o papel dos militares nas tentativas de golpe, seja há 60 anos ou no governo de Bolsonaro, revelam a podridão do governo burguês do Brasil como um todo. Assim, Bolsonaro e sua camarilha devem ser apresentados como isolados dos militares como uma instituição que, de acordo com eles, desempenha um papel estritamente constitucional.

Buscando neutralizar o efeito desestabilizador da tentativa de golpe de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, manter a salvo seus colaboradores no Congresso e entre os militares e os principais círculos empresariais, em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu suspender seus direitos políticos por oito anos – ou dois ciclos eleitorais presidenciais. Bolsonaro foi considerado culpado de abusar de seus poderes presidenciais para obter ganhos eleitorais ao convocar embaixadores estrangeiros em julho de 2022 para apresentar suas alegações infundadas de que o TSE estava se preparando para fraudar as eleições de outubro.

Em uma grande escalada da crise, em 15 de março, o STF levantou o sigilo dos depoimentos feitos sob juramento pelos ex-comandantes do Exército, General Marco Antônio Freire Gomes, e da Força Aérea, o Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Jr.. Ambos os ex-comandantes reconheceram que foi apresentada aos chefes militares a chamada “minuta do golpe”, ou seja, um documento preparatório pelo qual as Forças Armadas estabeleceriam um Estado de Sítio, garantindo a extensão do governo de Bolsonaro. Eles também declararam que o comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier, ofereceu suas tropas para a imposição do golpe.

No mais recente de uma série de depoimentos prestados sob juramento, o principal assessor de Bolsonaro, coronel Mauro Cid, declarou que ex-Ministro-Chefe da Casa Civil e ex-companheiro de chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022, General Walter Braga Netto, solicitou ao Partido Liberal (PL) recursos financeiros para mobilizar ilegalmente as forças especiais do Exército em apoio às manifestações dos fascistas partidários de Bolsonaro. A investigação da PF já havia apontado a participação de tais forças especiais – os chamados “kids pretos” – no ataque a Brasília em 8 de janeiro. As novas revelações sobre Braga Netto fornecem a primeira ligação direta entre a camarilha de Bolsonaro e o ataque de 8 de janeiro.

Braga Netto também foi recentemente implicado no caso do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2018. Em 24 de março, a PF prendeu dois conhecidos políticos do Rio de Janeiro, os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, e o ex-chefe da Polícia Civil do estado, delegado Rivaldo Barbosa, como mandantes da execução. Barbosa foi nomeado diretamente como chefe de polícia por Braga Netto, que na época comandava a inédita intervenção federal no Rio, que deu aos militares o controle das forças de segurança do estado. A nomeação de Barbosa foi feita contra a orientação dos órgãos de inteligência do estado, que haviam identificado ligações críveis entre ele e as chamadas milícias, gangues compostas principalmente por ex-policiais.

O rápido desenvolvimento da crise política fez com que as autoridades brasileiras enfrentassem uma situação delicada. Em 11 de abril, a Procuradoria Geral da República (PGR) decidiu não apresentar denúncia contra Bolsonaro por sua permanência na embaixada da Hungria em Brasília entre 12 e 14 de fevereiro, apenas quatro dias depois de entregar seu passaporte à PF. A polícia viu a estadia na embaixada como prelúdio de um possível pedido de asilo político e buscou denunciar Bolsonaro por obstrução de justiça – o que implicaria também a equipe diplomática húngara.

Em 6 de abril, os casos contra Bolsonaro também atraíram a intervenção do bilionário de extrema-direita Elon Musk, que iniciou uma série de postagens em seu X/Twitter apontando para os chamados “Arquivos do Twitter”, tornando públicas e criticando como “autoritárias” e “contra a Constituição brasileira” ordens judiciais para bloquear contas ligadas à extrema-direita brasileira na rede social. As ordens estavam diretamente ligadas às investigações contra Bolsonaro lideradas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que foi pessoalmente chamado de “ditador” por Musk.

A ação de Musk fez com que Moraes o incluísse no chamado “inquérito das milícias digitais”, uma investigação que começou formalmente para combater ameaças on-line a autoridades feitas pela extrema direita, e que permanece em sigilo por ordem do STF. Bolsonaro imediatamente endossou as “revelações” de Musk e há relatos de que seus advogados estão procurando uma maneira de usar as acusações de Musk como parte da defesa de Bolsonaro nos tribunais.

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