O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela confirmou na quinta-feira, 22 de agosto, o resultado da eleição presidencial de 28 de julho emitido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que garantiu a reeleição do presidente Nicolás Maduro. Segundo o CNE, Maduro recebeu 52% dos votos contra 43% do candidato da oposição venezuelana apoiada pelo imperialismo americano, Edmundo González. O TSJ declarou que sua decisão é “de caráter inapelável e de cumprimento obrigatório”.
Num comício no mesmo dia no estado de La Guaira, Maduro saudou o “trabalho técnico, científico, profissional” do TSJ e caracterizou sua decisão de “histórica e contundente”. Ele completou dizendo: “Santa palavra, que haja paz, respeito absoluto pelos Poderes Públicos!”
Tanto González quanto a candidata fascistoide María Corina Machado, que foi barrada de concorrer na eleição presidencial, denunciaram no X/Twittter a decisão do Tribunal. González publicou que a decisão é “nula” e “A soberania reside intransferivelmente no povo”. Em um “ALERTA MUNDIAL”, Machado compartilhou uma publicação do Conselho de Direitos Humanos da ONU dizendo que o TSJ e o CNE “carecem de imparcialidade e independência” e denunciou o “golpe de Estado contra a Constituição” de Maduro.
Desde o anúncio pelo CNE da vitória de Maduro no dia da eleição, a oposição venezuelana tem acusado o regime chavista de fraude eleitoral por não apresentar as atas de todas as seções eleitorais. O CNE afirmou que ele foi impedido que publicá-las por um “ataque ciberterrorista” logo após o fim da eleição. Porém, mesmo depois da apuração do TSJ, as atas não foram publicadas.
Em 5 de agosto, González e Machado publicaram uma carta alegando que, segundo uma suposta apuração mais de 80% das atas, González venceu a eleição com 67% dos votos contra 33% de Maduro. Com base nesse resultado, González repetiu o movimento de 2019 do fantoche dos EUA Juan Guaidó e se declarou presidente eleito da Venezuela.
Em resposta, o Ministério Público da Venezuela iniciou uma investigação penal contra González e Machado por “instigação a desobediência das leis, instigação a insurreição, associação criminosa e conspiração”, entre outros crimes.
Os lados opostos de uma guerra mundial em desenvolvimento, que ameaça tornar a América do Sul um futuro campo de batalha, estão também apoiando as frações opostas da eleição venezuelana. China, Rússia e Irã, que possuem estreitos laços políticos, econômicos e militares com a Venezuela, desde o primeiro momento reconheceram e saudaram a vitória eleitoral de Maduro. Já os EUA e as potências europeias estão também exigindo a divulgação das atas eleitorais e reconheceram a vitória eleitoral de González.
Na América Latina, Bolívia, Cuba e Nicarágua reconheceram a vitória de Maduro, enquanto os presidentes fascistoides da Argentina, Javier Milei, e do Peru, Dina Boluarte, assim como o presidente pseudoesquerdista do Chile, Gabriel Boric, denunciarem o processo eleitoral e reconheceram a vitória de González.
Boric foi um dos primeiros a se manifestar contra a decisão do Tribunal Superior de Justiça da Venezuela, escrevendo no X/Twitter na tarde de quinta-feira: “Não há dúvida de que estamos perante uma ditadura que falsifica eleições, reprime quem pensa diferente e é indiferente ao maior exílio do mundo”.
Apesar do apoio total à oposição venezuelana, os EUA ainda não reconheceram González como presidente. Segundo declaração de 5 de agosto do porta-voz do Departamento de Estados dos EUA, Matthew Miller, isso “não é um passo que estamos dando hoje. Estamos em estreito contato com nossos parceiros na região, especialmente com o Brasil, o México e a Colômbia... continuamos a pedir aos partidos venezuelanos que iniciem uma transição pacífica de volta às normas democráticas.”
De fato, os presidentes da segunda onda da “Maré Rosa” na América Latina, Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT) do Brasil, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) do México e Gustavo Petro da Colômbia, estão atuando como mediadores do imperialismo para tentar distensionar a crise política na Venezuela. Ao mesmo tempo que não reconheceram nem a vitória de Maduro nem a de González, eles estão vocalizando a exigência da oposição venezuelana e do imperialismo americano para que as autoridades na Venezuela “divulguem publicamente os dados agregados por mesa de votação”, como escreveram em uma nota conjunta de 1˚ de agosto.
Porém, essa unidade dos três presidentes latino-americanos foi quebrada na semana passada, quando Lula e Petro passaram a defender a realização de novas eleições. AMLO disse que a ideia de novas eleições é “imprudente” e defendeu que o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela decida a questão.
Em 15 de agosto, Petro detalhou as condições para uma nova eleição, escrevendo no X/Twitter: “Levantamento de todas as sanções contra a Venezuela. Anistia geral nacional e internacional [a membros do governo Maduro e da oposição]. Garantias totais à ação política. Governo de coalizão transitório. Novas eleições livres”. Lula também tem defendido a participação de observadores internacionais. Tanto Maduro quanto a Machado rejeitaram a proposta.
No início dos governos nacionalistas burgueses da “Maré Rosa” na América Latina, Lula estabeleceu durante seus dois primeiros mandatos (2003-2010) uma relação próxima com o ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013). Desde que chegou ao poder para o seu terceiro mandato, no início do ano passado, Lula tem tentado reabilitar o governo chavista e foi um dos mediadores do acordo de Barbados entre Maduro e a oposição que abriu o caminho para a eleição presidencial de 28 de julho.
Porém, esse processo sofreu um revés desde o anúncio do resultado eleitoral. Na semana passada, Lula explicou em entrevista à Rádio T FM que a relação entre ele e o regime chavista “ficou deteriorada porque a situação política lá está ficando deteriorada”. Em outra entrevista à Rádio Gaúcha também na semana passada, ele ainda disse que “a Venezuela vive um regime muito desagradável. Não acho que é ditadura ... É um governo com viés autoritário”.
Outra iniciativa que colocou o Brasil contra a Venezuela foi a retomada, pelo governo de Maduro, da reivindicação venezuelana sobre a região de Essequibo, pertencente à Guiana, que remonta ao colonialismo britânico e espanhol no início do século XIX. Diante do avanço da Guiana em direção à exploração de petróleo em alto-mar, Maduro realizou em dezembro passado um referendo popular sobre Essequibo e mobilizou tropas perto da fronteiras com a Guiana. Em reposta, o governo Lula militarizou a região de fronteira entre o Brasil e a Venezuela, por onde uma possível invasão da Guiana possivelmente passaria.
Assim como na eleição venezuelana, o governo Lula tem trabalhado em estreito contato com o governo Biden para mediar a crise entre a Venezuela e a Guiana, mesmo com o Pentágono intensificando os exercícios militares dos EUA na Guiana e em suas águas disputadas.
A reivindicação de Essequibo – muito parecida com a da junta argentina em relação às Ilhas Malvinas, detidas pelos britânicos em 1982 – faz parte de um esforço do governo de Maduro para desviar para fora a enorme crise social e econômica da Venezuela. O fator predominante nesse processo é a pressão imposta pelo imperialismo americano, que busca acesso irrestrito aos ricos recursos naturais da Venezuela, incluindo as maiores reservas conhecidas de petróleo do mundo.
Incapaz de apelar para a classe trabalhadora, que tem se voltado cada vez mais contra o regime chavista, Maduro reforçou sua suposta “aliança militar-policial-popular” e aumentou seu caráter repressivo. De acordo com o próprio governo, cerca de 2.400 venezuelanos foram presos nos protestos que eclodiram após as eleições. Além disso, desde 8 de agosto, o X/Twitter foi bloqueado como parte da cruzada do governo de Maduro contra “campanhas de ódio” nas redes sociais.
Na Assembleia Nacional controlada pelos chavistas, está sendo discutido um projeto de lei para regulamentar as redes sociais e outro contra “fascismo, neofascismo e expressões semelhantes” que poderia levar ao banimento de partidos que “incitam o fascismo”. Como acontece em todo o mundo, projetos de lei como esses podem ser utilizados para atacar a classe trabalhadora que luta contra o capitalismo, com o regime chavista pintando toda a oposição de fascista.
As denúncias de repressão e perseguição políticas vão além da oposição apoiada pelos EUA e inclui trabalhadores militantes e setores rompidos com o chavismo, como o stalinista Partido Comunista da Venezuela (PCV). Em agosto do ano passado, o regime chavista praticamente colocou o PCV na ilegalidade e o impediu de concorrer na eleição presidencial deste ano.
Em 13 de agosto, o PCV e sua Frente Popular Democrática chamaram a atenção em uma declaração para a “mobilização massiva, popular e espontânea de indignação pelos resultados anunciados” que deram a vitória a Maduro e denunciaram que “a violência massiva contra os setores populares é acompanhada de ameaças permanentes, incitação ao ódio e execução de práticas de violência seletiva contra diferentes setores da oposição política”.
A crise na Venezuela sem dúvida irá escalar nas próximas semanas e meses. São cada mais numerosos os alertas de que o país pode enfrentar uma guerra civil ou até mesmo uma intervenção militar estrangeira “pró-democracia”.
Independente do que aconteça, os governos Lula e Petro já estão expostos como peças fundamentais nos esforços da oposição venezuelana apoiada pelo imperialismo para tirar o chavismo do poder. A ilusão que esses governos têm de que a crise na Venezuela pode ser resolvida na mesa de negociação representa uma cobertura às intenções golpistas de décadas da oposição venezuelana e do imperialismo americano enquanto eles ganham tempo para desacreditar o governo Maduro e avançar sua estratégia de mudança de regime.
Como o WSWS escreveu na Perspectiva de 2 de agosto, a eleição de 28 de julho “foi ilegítima desde o início, o produto não de qualquer demanda do povo venezuelano, mas de conversas a portas fechadas entre Caracas e os lacaios de Washington em Barbados”. Portanto, a exigência de que as atas sejam divulgadas, ecoada pelas potências imperialistas, os governos da “Maré Rosa” e grande parte da pseudoesquerda internacional, não oferece qualquer alternativa real e serve apenas aos interesses de Washington e da oposição de extrema direita na Venezuela.
A única alternativa para a classe trabalhadora venezuelana contra a ameaça da guerra e do fascismo é mobilizar sua própria força, independentemente de todas as frações da burguesia venezuelana, incluindo o chavismo e seus satélites, e forjar sua unidade com a classe trabalhadora latino-americana e mundial na luta pelo socialismo internacional.