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Trabalhadores da Embraer rejeitam proposta de contrato coletivo em meio à greve da Boeing nos EUA

Os trabalhadores da gigante da aviação brasileira Embraer rejeitaram em assembleia no dia 24 de setembro um novo contrato que retirava uma série de direitos e não oferecia nenhum aumento salarial real. Eles estão sem acordo coletivo desde 2017 e há cerca de dez anos sem aumento salarial real.

Trabalhadores da Embraer após assembleia na porta da fábrica. [Photo: sindmetalsjc/Roosevelt Cássio]

Entre outros ataques, o acordo proposto pela empresa retirava a obrigatoriedade de estabilidade no emprego para os trabalhadores com doenças ocupacionais e vítimas de acidentes de trabalho. Além de recusarem essa proposta e um aumento salarial de 5%, os trabalhadores estão exigindo o dobro do pagamento do benefício de vale-compras, atualmente de R$400.

Significativamente, os trabalhadores discutiram a possibilidade de entrar em greve, mas resolveram esperar uma nova proposta da empresa, o que ainda não aconteceu. Se fosse o caso, eles iriam se juntar aos 33 mil trabalhadores da Boeing nos EUA, que estão em greve desde 14 de setembro.

As posições que essas empresas ocupam na aviação comercial e militar mundial expressam a enorme potencialidade de uma luta unificada, ao mesmo tempo que têm deixado as elites dominantes cada vez mais preocupadas com a radicalização desses trabalhadores. A Boeing é a segunda maior produtora de aviões comerciais e militares do mundo, enquanto a Embraer é a terceira de aviões comerciais, com cerca de 10% de sua receita advinda da venda de aviões militares.

Um papel crucial em isolar e trair a luta dos trabalhadores da Embraer e de outras empresas na importante região industrial de São José dos Campos, no interior do estado mais rico e industrial do Brasil, São Paulo, tem sido cumprido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SindmetalSJC), filiado à central sindical CSP-Conlutas e dirigido por burocratas do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) morenista.

A luta dos trabalhadores da Embraer está acontecendo depois de os trabalhadores da GM em São José dos Campos também rejeitarem uma proposta de contrato e o SindmetalSJC forçar os trabalhadores a aceitarem um novo programa de demissão voluntária que já fez a fábrica perder mais de 700 trabalhadores no último ano.

Assim com aconteceu com a luta dos trabalhadores da GM, o SindmetalSJC está vendendo a ilusão que os trabalhadores da Embraer podem resolver suas questões candentes nas mesas de negociação e pressionando o governo do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) a realizar investimentos bilionários na empresa.

O programa nacionalista defendido pelo SindmetalSJC, a Conlutas e o PSTU, baseado em pressionar o Estado burguês, é inteiramente hostil aos interesses dos trabalhadores e tem significado uma agressiva piora dos padrões de vida da classe trabalhadora na última década. Hostis a uma estratégia internacional para enfrentar as corporações transnacionais, essas forças defendem a intensificação dos cortes para mantê-las operando no Brasil.

Sucessivas administrações nas esferas municipal, estadual e federal, incluindo aquelas do PT, defenderam, com o apoio dos sindicatos controlados por ele a pseudoesquerda, cortes de impostos e subsídios a empresas como a GM para supostamente garantir os empregos, colocando os trabalhadores de diferentes países e até mesmo de diferentes cidades em uma disputa até o fundo do poço.

A realidade tem se chocado frontalmente com essa perspectiva. Na GM de São José dos Campos, o número de trabalhadores colapsou de 12 mil no início dos anos 2010 para cerca de 3 mil hoje. Isso aconteceu mesmo depois de inúmeros subsídios tanto de sucessivos governos de São Paulo quanto de programas supostamente de proteção do emprego do governo da ex-presidente pelo PT, Dilma Rousseff (2011-2016). Enquanto isso, a GM no Brasil registrava lucros recordes.

A situação dos trabalhadores da Embraer não é diferente. Dados do Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) mostram que o número de trabalhadores da Embraer passou de 19.373 em 2015 para 15.214 em 2020, uma queda de 21,5%. Ao mesmo tempo, a porcentagem de trabalhadores terceirizados contratados diretos da empresa saltou de 26,5% em 2009 para 50,47% hoje.

Assim como o WSWS tem enfatizado na luta dos trabalhadores da Boeing, há importantes questões políticas em jogo que os trabalhadores também da Embraer devem incorporar em meio a uma crise crescente do capitalismo mundial que ameaça uma nova guerra mundial e a consequente aniquilação da humanidade. Nos EUA e no Brasil, a rejeição do contrato e a demanda por maiores salários e outros benefícios pelos trabalhadores deve vir acompanhada de uma perspectiva socialista e internacionalista.

São José dos Campos faz parte do mais importante polo da indústria de defesa no Brasil, que inclui a maior produtora de armamentos militares no país, Avibras, e um Centro de Engenharia e Tecnologia da própria Boeing. São José dos Campos também abriga inúmeras instalações e bases da Força Aérea Brasileira.

Essas empresas, incluindo a Embraer, estão no centro de múltiplos interesses geopolíticos, com contratos de vendas de armamentos por todo o mundo. O avião de ataque leve Super Tucano, da Embraer, tem sido um sucesso de venda da empresa brasileira para inúmeros países nos últimos 25 anos, incluindo os EUA, que o utilizou na década passada na guerra no Afeganistão.

Hoje, o maior avião militar da Embraer é o cargueiro KC-390, que tem sido vendido para inúmeros países da OTAN, para a Arábia Saudita e para a Coreia do Sul. De maneira crítica, esses países estão sendo colocados respectivamente nas frentes de guerra contra a Rússia, o Irã e a China de uma emergente nova guerra mundial encabeçada pelo imperialismo americano.

Uma paralisação da indústria em São José dos Campos colocaria em foco o enorme poder da classe trabalhadora e a perspectiva de uma luta unificada com os trabalhadores nos EUA, que estão se confrontando cada vez mais agressivamente com a Boeing. A interrupção do envio e de futuras vendas de equipamentos militares mostra a capacidade da classe trabalhadora de parar os planos de guerra imperialistas.

SindmetalSJC alia-se à “OTAN doméstica” de Biden

Essa iniciativa, porém, tem sido deliberadamente ignorada pelo SindmetalSJC, que nos últimos anos tem mantido um estreito contato com os sindicatos americanos, principalmente o UAW, que o governo de Joe Biden tem contato crescentemente para os planos de guerra do imperialismo americano. No início de julho, em visita à sede da AFL-CIO, a maior central sindical nos EUA, Biden se referiu aos sindicatos como “minha OTAN doméstica”.

Já o PSTU, tem um histórico de apoio às intervenções do imperialismo na Líbia, Síria e na Ucrânia, onde alega que o “imperialismo russo” está enfrentando a “resistência ucraniana” apoiada pela OTAN, armada pelas potências imperialistas e repleta de grupos neonazistas.

O programa nacionalista e pró-corporativo do SindmetalSJC tem solicitado crescentemente a colaboração do governo Lula, que, assim como o governo Biden, tem trabalhado para integrado os sindicatos ainda mais do Estado burguês. Isso, por sua vez, mostra que, apesar de diferenças táticas, há acordos fundamentais entre o PT e o PSTU, que foi expulso do PT em 1992.

No final de setembro, depois do acordo na Embraer ser rejeitado, o SindmetalSJC escreveu uma carta ao governo Lula denunciando “a postura antissindical da Embraer e os ataques da empresa a direitos históricos da categoria”. O diretor do SindmetalSJC e membro do PSTU, Herbert Claros, declarou ao site do SindmetalSJC: “Lula, que visitou a Embraer duas vezes este ano, não pode ser cúmplice dessa política que desrespeita os sindicatos e, muito menos, aceita rebaixar as condições de trabalho.”

Ainda segundo a carta, o SindmetalSJC reivindicou, “com urgência, o agendamento de reunião com representantes do governo e do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), já que a Embraer frequentemente recebe financiamentos estatais.” Criticamente, o BNDES é um dos principais instrumentos que o governo Lula tem contato para sua política de “neoindustrialização”, a Nova Indústria Brasil, lançada em fevereiro e que explicitamente repete muitas das principais intenções do governo Biden e das potências europeias em resposta à emergência da China como uma potência econômica global.

Essa política do SindmetalSJC e do PSTU também foi recentemente exposta nas recentes eleições municipais no Brasil, cujo primeiro turno foi realizado em 6 de outubro. Repetindo suas posições em eleições anteriores, o PSTU está avançando no segundo turno das eleições o “voto crítico” no PT e no pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para supostamente combater o fascismo representado pelos candidatos apoiados pelo ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro.

Durante uma entrevista ao g1 no dia 28 de setembro, pouco antes do primeiro turno, o candidato do PSTU em São José dos Campos, Toninho Ferreira, disse: “Existe um processo de desindustrialização do país. O país, hoje, vive apenas de vender commodities, desde soja, de minério de ferro”. A resposta a essa situação, que só pode ser resolvida com uma estratégia internacional baseada na revolução socialista, foi colocada do ponto de vista estritamente nacional por Ferreira, que se limitou a defender obras públicas a partir da tentativa de reindustrializar o país: “Nós podemos construir muita moradia popular … creche, escola”.

Como a perspectiva de 18 de setembro do WSWS avançou, a luta dos trabalhadores da Boeing pelo “direito social a um emprego seguro e bem remunerado, aposentadoria integral, assistência médica gratuita e moradia acessível... só pode ser alcançado por meio da luta da classe trabalhadora para tomar o poder político em suas próprias mãos e transformar as corporações e os bancos em empresas de propriedade pública”.

Ainda segundo a declaração: “A Boeing deve ser convertida em uma empresa de utilidade pública, de propriedade coletiva e controlada democraticamente pelos trabalhadores e técnicos que estão comprometidos com a construção de aviões seguros.” O mesmo pode se dizer da luta dos trabalhadores da Embraer no Brasil.

Isso forma as bases para uma luta unificada entre os trabalhadores da Boeing e da Embraer. Contra a perspectiva nacionalista, militarista e pró-corporativa dos sindicatos nos EUA e no Brasil, essa unidade só pode ser alcançada por meio de comitês de base independentes que estão construindo a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB). Mais importantemente, esses comitês, como aquele recentemente formado na Boeing, devem levar adiante uma luta política para a transformação socialista da vida econômica e política no Brasil, nos EUA em todo o mundo.

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