Na noite de quarta-feira passada, 13 de novembro, bombas foram lançadas contra o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, na capital Brasília, e um carro cheio de explosivos foi detonado próximo ao local. As circunstâncias da morte do autor do ataque, Francisco Wanderley Luiz, ainda estão sendo investigadas, mas tudo indica ele se suicidou logo depois.
Apesar de o ataque não ter causado qualquer estrago ao prédio do STF, o evento revelou a enorme crise da democracia burguesa no Brasil enquanto a investigação contra o ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, seu entorno político e militares de alta patente sobre a tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023 está se aproximando do fim.
Inicialmente, Luiz tentou entrar no STF com as bombas, mas foi barrado pela segurança. Seu alvo era o ministro do STF Alexandre de Moraes, o foco central de Bolsonaro em sua campanha sistemática para desacreditar o sistema de votação eletrônico que abriu o caminho para a tentativa de golpe quando presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a eleição presidencial de 2022. Moraes é também o relator de inúmeras investigações contra Bolsonaro, incluindo o da tentativa de golpe de 8 de Janeiro e outras duas que já levaram ao seu indiciamento.
Luiz era um ferrenho apoiador de Bolsonaro. Em 2020, ele foi candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL) de Bolsonaro numa pequena cidade do estado de Santa Catarina. Em suas redes sociais, Luiz “reproduzia teorias conspiratórias anticomunistas como o QAnon, populares na extrema direita americana”, informou o jornal O Estado de S. Paulo.
O ataque ao prédio do STF aconteceu em um momento crítico da política brasileira e internacional. Enquanto as eleições municipais de outubro mostraram uma vitória eleitoral do PL de Bolsonaro e um colapso do Partido dos Trabalhadores (PT) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a vitória de Donald Trump nos EUA sobre Kamala Harris está enviando ondas de choque a todo o mundo.
Bolsonaro comemorou entusiasticamente a vitória de Trump, escrevendo no X/Twitter: “Que a vitória de Trump inspire o Brasil a seguir o mesmo caminho.” Já o PT está repetindo os Democratas e minimizando os efeitos da eleição de Trump, com Lula desejando “sorte e sucesso” a ele depois de apoiar a eleição de Harris e dizer que Trump representava “o fascismo e o nazismo voltando a funcionar com outra cara”.
Pelo menos momentaneamente, o ataque ao STF representou um revés na tentativa de Bolsonaro de avançar um projeto de lei no Congresso Nacional que garanta anistia aos já e futuros condenados pelo golpe de 8 de Janeiro, incluindo possivelmente ele próprio. No ano passado, o TSE declarou Bolsonaro inelegível até 2030 por desacreditar de maneira infundada o sistema de votação eletrônico do Brasil.
No X/Twitter, Bolsonaro caracterizou o ataque ao STF como um “fato isolado ... causado por perturbações na saúde mental da pessoa”. Cinicamente, ele ainda defendeu uma suposta “pacificação nacional”, escrevendo: “Já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente”.
No mesmo sentido, o líder do PL no Senado, Rogério Marinho, disse que, “Mais do que nunca, se está na hora de pacificar o país”, e defendeu que “a solução política está dentro do Congresso Nacional, com a anistia”.
As declarações de Bolsonaro e Marinho foram uma resposta aos ministros do STF que realizaram uma associação direta entre o ataque de quarta-feira e a tentativa de golpe de 8 de Janeiro. Moraes declarou que “O que aconteceu ... é demonstração que só é possível pacificar o País com responsabilização dos criminosos. Não existe possibilidade de pacificação com anistia a criminosos. Nós sabemos que o criminoso anistiado é um criminoso impune. A impunidade vai gerar mais agressividade, como gerou ontem [13 de novembro].”
Moraes e outros ministros do STF voltaram a defender a necessidade de regulamentar as redes sociais, ressaltando que os recentes atos de violência são parte de um contexto mais amplo de “discurso de ódio contra as instituições”, segundo Moraes. Na narrativa política fraudulenta compartilhada por Moraes, pelo PT e pela pseudoesquerda brasileira, o “discurso de ódio” e as “fake news” são as forças motrizes dos ataques às instituições democráticas e da ascensão do fascismo no Brasil e no mundo. Contra isso, eles estão propondo de maneira reacionária a censura em massa da internet, como foi feito na decisão de Moraes de suspender o X/Twitter em agosto.
Quando as bombas estavam sendo lançadas contra o STF, Lula, três ministros do STF, incluindo Moraes, e o diretor geral da Polícia Federal (PF) estavam no Palácio do Alvorada discutindo a tentativa de golpe de 8 de Janeiro. Nas últimas semanas, a imprensa brasileira revelou novos detalhes sobre o golpe, cujo relatório da investigação que está sendo elaborado pela PF deve ficar pronto nas próximas semanas.
Documentos apagados do celular e do computador do tenente coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Bolsonaro que realizou no ano passado um acordo de deleção premiada com a Polícia Federal, que foram recuperados pela PF mostraram que Moraes e Lula estavam sendo monitorados de perto. Isso inclui os nomes e armamentos usados por seus seguranças, indicando que fazia parte do golpe o sequestro e possivelmente o assassinato de Lula e Moraes. Ambos não estavam em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
As investigações da PF indicam que esse trabalho seria realizado por oficiais das Forças Especiais do Exército, os assim chamados “kids pretos”. Importantes figuras do entorno de Bolsonaro durante o seu governo, incluindo Cid, fizeram parte desse grupo. Como parte dos desdobramentos dos documentos recuperados dos aparelhos de Cid, a PF ouviu em 6 de novembro o general Nilton Diniz Rodrigues, cuja origem é os “kids pretos”, que foi assessor do comandante do Exército no governo Bolsonaro, general Marco Antônio Freire Gomes.
Em fevereiro deste ano, a Polícia Federal revelou que os “kids pretos” seriam acionados pelo general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, que até o final de 2022 comandou o Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter). Em depoimento à PF na época, ele afirmou que se reuniu com Bolsonaro e o general Freire Gomes em 9 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro apresentou uma “minuta de golpe” a eles.
O mesmo documento foi também apresentado aos outros comandantes das Forças Armadas e ao ministro da Defesa do governo Bolsonaro, general Paulo Sérgio Nogueira, segundo depoimento de general Freire Gomes à PF realizado em março deste ano.
Quase dois anos depois da tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023, o fato de Bolsonaro e seu Partido Liberal terem conquistado importantes ganhos eleitorais nas eleições municipais de outubro e estarem abertamente avançando uma possível anistia atesta uma ampla guinada à direita de todo o espectro político brasileiro. Assim como aconteceu nos EUA com Trump, a classe dominante brasileira tem normalizado e fortalecido uma figura política como Bolsonaro, preparado o caminho para a sua volta ao poder ou de um candidato parecido a ditador fascistoide.
Isso não poderia estar sendo realizado sem a cumplicidade de Lula e do PT, que têm tentado desvincular os generais investigados na tentativa de golpe das Forças Armadas brasileiras como um todo, bem como suprimir a memória da sangrenta ditadura militar de 21 anos apoiada pelos EUA (1964-1985). Desde que chegou ao poder, Lula anunciou um investimento maior nas Forças Armadas do que em saúde e educação no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento e tem promovido a indústria de defesa no Brasil como parte de seu programa nacionalista econômico em meio a uma crescente ameaça de guerra mundial.
Ao mesmo tempo, o governo Lula reprimiu greves por melhores salários e condições de trabalho ao longo deste ano em praticamente todos os setores do funcionalismo público federal – professores e funcionários de universidades, trabalhadores ambientais e da seguridade social e funcionários de hospitais federais. Como consequência de sua política de austeridade fiscal, particularmente do “novo arcabouço fiscal” que o governo Lula conseguiu aprovar no ano passado, ele agora está prestes a anunciar cortes em diversas áreas sociais.