Na semana passada, os professores das redes públicas do estado de São Paulo e da capital realizaram greves de um dia contra os ataques crescentes à educação no Brasil e a deterioração das condições de vida devido à inflação.
Eles estão lutando não apenas contra os aliados locais do ex-presidente fascista Jair Bolsonaro, o governador Tarcísio de Freitas e o prefeito Ricardo Nunes, mas também contra os sindicatos de professores que têm um histórico de isolar e trair as suas lutas.
No final da década de 2010, os professores brasileiros participaram de maneira militante da onda global de greves de professores contra a austeridade e programas pró-corporativos na educação. No início da pandemia de COVID-19, eles representaram um setor crucial da classe trabalhadora mundial lutando contra a reabertura de locais inseguros de trabalho.
Hoje, os amplos ataques à educação e aos direitos sociais e democráticos liderados pelos governos dos presidentes fascistas Javier Milei da Argentina e Donald Trump dos EUA têm acontecido como parte de uma ampla guinada da elite dominante mundial em direção à ditadura e à guerra mundial nuclear. Na região historicamente considerada o quintal do imperialismo americano, eles têm servido como modelos a seguir pelas elites locais.
Em São Paulo, o governador Tarcísio e o prefeito Nunes têm levado adiante um amplo programa pró-corporativo e de responsabilização dos professores, com a implementação de uma série de avaliações externas, metas para serem cumpridas e punições para os diretores, professores e as escolas caso elas não sejam cumpridas. Além disso, eles têm avançado a privatização e a militarização de escolas.
Na terça-feira da semana passada, 18 de março, milhares de professores da rede pública municipal de São Paulo se reuniram em frente à sede da prefeitura para protestar contra o último ataque do prefeito Nunes: a diminuição da jornada de trabalho para professores readaptados. Esses professores estão afastados de sala de aula principalmente por problemas de saúde mental, realizando tarefas administrativas nas escolas. Com a redução da jornada de trabalho deles, eles podem passar a receber um salário cerca de um terço menor.
Segundo a professora Marlei, com que o WSWS conversou, o ataque não é apenas a esse grupo de professores, mas à própria “condição de readaptado. Você hoje pode não estar readaptado, mas amanhã você pode estar”, seja por afastamento por problema de saúde mental ou qualquer outro que os professores estão sujeitos. Por isso, o ataque da prefeitura “não é sobre o grupo dos readaptados, mas sobre a condição de estar readaptados e os direitos de jornada [de trabalho] que precisam ser preservados.”
Ela chamou a atenção para o fato de os professores municipais estarem também iniciando a campanha salarial de 2025, exigindo um aumento salarial de 44% para reverter uma série de ataques dos últimos anos. “As condições de trabalho obviamente estão péssimas, a gente trabalha sob pressão”, Marlei continuou. “Só o fato de você trabalhar sob a pressão de que você pode perder direitos, só isso, que não é só, é muito, já te deixa em isso numa situação mental de estresse, ansiedade. É insalubre. Você não consegue desenvolver o teu trabalho completamente.”
Sobre a política de responsabilização do prefeito Nunes, ela disse que “é uma tendência mundial de estado mínimo para precarizar primeiro e depois privatizar.” A precarização das condições de trabalho, segundo Marlei, faz parte “de um desmonte intencional das escolas para fazer com que elas não atinjam as metas nas avaliações externas e culpar os gestores e os professores para privatizar a gestão”.
No final do ano passado, o prefeito Nunes conseguiu aprovar na Câmara de Vereadores um projeto de lei que para privatizar centros esportivos, centros culturais e de lazer, além de permitir o estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada na educação, saúde e habitação.
Justificando a privatização da gestão de escolas, Nunes disse em novembro passado que “Temos escolas que estão trabalhando com um conceito ideológico enorme e o IDEB [Índice de Desenvolvimento de Educação Básica] é lá embaixo.” Esse argumento reacionário, que alega que existe uma suposta doutrinação esquerdista na educação e tem responsabilizado os professores pelos baixos resultados educacionais, tem sido avançada pela extrema direita mundial e foi um dos motivos para o governo Trump desmantelar o Departamento de Educação.
Na rede pública do estado de São Paulo, o governador Tarcísio tem avançado um programa não menos reacionário contra a educação e os serviços públicos. Ele é o principal herdeiro político de Bolsonaro e um dos cotados para ser o candidato da extrema direita brasileira na eleição presidencial de 2026. A agenda reacionária de Tarcísio, o principal defensor do “modelo Milei” no Brasil, inclui uma repressão policial sem precedentes, a privatização no ano passado da SABESP, uma das maiores empresas de saneamento básico do mundo, e planos para privatizar várias linhas de trem e metro de São Paulo.
Na educação, ele conseguiu privatizar 33 escolas estaduais no ano passado, cujas empresas que ganharem a licitação serão responsáveis por merenda, fornecimento de internet, segurança, manutenção e zeladoria das escolas. Como parte de sua luta contra uma alegada doutrinação na educação, neste ano o governador Tarcísio diminuiu a carga horária destinada às disciplinas de história, geografia, sociologia e filosofia em 35,1% em relação a 2020.
Para o segundo semestre deste ano, ele quer militarizar 100 escolas para supostamente combater a indisciplina e violência, uma medida que nem a ditadura militar brasileira apoiada pelos EUA implementou durante os 21 anos (1964-1985) que governou o Brasil sob um regime de repressão e censura. Nessas escolas, os alunos são obrigados a usar um uniforme de tipo militar e seguir um estrito regime de conduta que inclui a proibição de “ter em seu poder, introduzir, ler ou distribuir, dentro da unidade escolar, cartazes, jornais ou publicações que atentem contra a moral”.
As escolas da rede pública estadual de São Paulo se tornaram um inferno sob o governo Tarcísio. Um amplo regime de avaliações externas, o estabelecimento de plataformas educacionais em parceria com empresas privadas, um rigoroso sistema de metas e cobrança para toda a comunidade escolar têm levado a uma situação crescente de assédio moral nas escolas e adoecimento de professores. Além disso, os professores da rede pública de São Paulo, o estado mais industrializado e rico do Brasil, recebem um dos menores salários do país.
Para tentar aliviar uma pressão crescente da base de professores, o sindicato de professores da rede estadual de São Paulo, a APEOESP, convocou uma assembleia com indicativo de greve para a última sexta-feira, 21 de março. Milhares de professores lotaram a Praça da República, no centro de São Paulo, para ouvir a burocracia sindical do Partido dos Trabalhadores (PT) e do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) dizer que uma greve deve ser “construída” com base na “unidade” dessas forças políticas corruptas.
Apesar de uma expressiva parte dos professores votarem por uma greve imediatamente ou na próxima semana, a burocracia sindical do PT e do PSOL conseguiu adiar uma possível greve para 25 de abril, quando acontecerá uma nova assembleia. Esse processo já foi visto no final de abril do ano passado, quando a burocracia foi vaiada e hostilizada inúmeras vezes por parte significativa dos mais de 10 mil professores presentes numa assembleia ao adiar o início de uma greve para o mês seguinte.
Temendo que a nova assembleia saísse de seu controle, a burocracia sindical fez de tudo para desmobilizar a luta dos professores. Apenas algumas centenas de professores participaram da nova assembleia num momento em que o governo Tarcísio conseguiu aprovar seu projeto de lei para implementar as escolas cívico-militares em meio a uma brutal repressão policial contra o protesto de estudantes.
Essa dinâmica também foi vista na assembleia dos professores da rede municipal da semana passada. A proposta aprovada foi de “estado de greve”, em que ao longo desta e das próximas semanas os professores irão realizar paralisações regionais de um dia e no dia 30 de abril haverá uma nova assembleia geral com indicativo de greve. A professora Marlei disse ao WSWS que essa “proposta não foi passada para os professores com clareza”, fazendo com que a votação tivesse sido “no mínimo uma duvidosa e conturbada.”
Depois da assembleia, muitos professores estavam confusos em relação ao que iria acontecer na semana seguinte, com uma parte significativa deles acreditando que uma greve de toda a categoria iria começar. Marlei disse que “isso causou um conflito ... entre a categoria e o sindicato [SINPEEM], principalmente na figura do [presidente] Cláudio Fonseca. ... A impressão que passa é que em vez de a gente estar brigando com o prefeito a gente está brigando com o sindicato”.
A luta dos professores em São Paulo faz parte de um movimento crescente da classe trabalhadora brasileira e internacional contra amplos ataques às condições de trabalho e de vida da elite capitalista mundial.
Apenas na educação em São Paulo, alunos de escolas da rede pública estadual de São Paulo tem protestado nas últimas semana contra o fechamento de turmas pelo governo Tarcísio. Nesta semana, funcionários terceirizados da limpeza de diversas escolas da rede municipal de São Paulo também entraram em greve contra o atraso no salário e no vale-alimentação. Na próxima semana, os professores do SESI (Serviço Social da Indústria) irão iniciar uma greve aprovada por 83% deles.
Os professores, estudantes e funcionários de escola de São Paulo devem entender que os ataques à educação fazem parte de um amplo movimento da elite dominante mundial para conseguir estabelecer governos da, para e pela oligarquia em meio a uma crescente desigualdade social em todos os países. Ao mesmo tempo, eles também estão lutando contra os sindicatos nacionalistas e pró-corporativos, que nas últimas décadas foram completamente minados pela globalização capitalista e se tornaram incapazes de defender minimamente os salários, as condições de trabalho e os empregos de todos os setores da classe trabalhadora.
Os desenvolvimentos da semana passada em São Paulo reforçam o chamado do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) para a construção de comitês de base independentes em oposição aos sindicatos, aos partidos políticos capitalistas e aos seus satélites da pseudoesquerda. Apenas tais comitês podem levar adiante uma luta para unificar as lutas dos professores tanto em nível nacional quanto internacional.
A construção de tal movimento unificado “deve estar conectado à construção de um movimento político da classe trabalhadora contra os partidos burgueses, que lutará para que os trabalhadores tomem o poder político, expropriem os oligarcas e usem a riqueza da sociedade para expandir enormemente a educação pública e a igualdade social”, segundo a importante declaração da semana passada do Comitê de Base de Educadores dos EUA.
Aqui no Brasil, fazemos um chamado para que os professores adotem essa perspectiva e levem adiante uma luta contra a origem dos ataques à educação, o sistema capitalista.
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