Como parte de um amplo ataque da elite capitalista brasileira à educação pública, o Brasil tem testemunhado nos últimos cinco anos um rápido crescimento da militarização do ensino básico. Impulsionadas durante o governo do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro (2019-2022), as assim chamadas “escolas cívico-militares” têm como objetivo fundamental acabar com uma suposta doutrinação esquerdista na educação e formar uma base entre a juventude e seus pais para o retorno da ditadura militar no Brasil.
Apesar de o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares de Bolsonaro ter sido encerrado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) em julho de 2023, governos estaduais ainda assim têm conseguido manter abertas as escolas cívico-militares já implementadas e criar novas depois de projetos de leis terem sido aprovados nas assembleias estaduais.
Esse foi o caso do estado de São Paulo, o mais rico e industrializado do Brasil, e inúmeros outros ao longo deste ano. O governador Tarcísio de Freitas, um ex-ministro e aliado próximo de Bolsonaro, conseguiu aprovar seu Programa de Escolas Cívico-Militares em São Paulo em maio deste ano em meio a uma brutal repressão policial a estudantes que protestavam contra a medida.
Porém, no início de agosto, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a implementação do programa por “sérias controversas acerca [de sua] constitucionalidade”. Ele também determinou que o programa só pode ser levado adiante depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo PT e pelo pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O ministro Mendes marcou para 22 de outubro uma audiência pública no STF para debater a questão.
A defesa que amplos setores da elite dominante brasileira têm feito da implementação de escolas cívico-militares para resolver os candentes problemas nas escolas brasileiras, como a indisciplina e a violência nas escolas e o aprendizado insatisfatório dos alunos, mostra o quanto à direita o establishment político brasileiro tem guinado nos últimos anos. Recentemente, inúmeras reportagens da mídia burguesa têm refutado a principal alegação desses setores, mostrando que escolas públicas militarizadas são mais caras, excludentes e não têm os resultados comprovados.
Apesar de ter inúmeras características em comum com o que foi implementado nas escolas básicas no país durante a sangrenta ditadura militar brasileira apoiada pelos EUA (1964-1985), outras são inéditas, como a presença ostensiva de “monitores cívico-militares”, ligados às Forças Armadas ou às forças militares estaduais de segurança, e o uso de uniformes de tipo militar.
Há múltiplos modelos de escolas militarizadas no Brasil. As primeiras escolas militares, administradas pelas Forças Armadas brasileiras, foram implementadas no final do império, no início de 1889. A partir do final da década de 1940, surgiram as primeiras escolas administradas pelas forças militares estaduais de segurança, como policiais e bombeiros. Além do currículo básico, nessas escolas são oferecidas disciplinas militares especificas, tanto por professores militares quanto civis.
Logo após o fim da ditadura militar, em 1990, começaram a ser implementadas as primeiras escolas cívico-militares. Nelas, a gestão é compartilhada entre militares das Forças Armadas, policiais ou bombeiros militares e as secretarias estaduais e municipais de educação, enquanto os professores continuam subordinados às respectivas redes de ensino. Além de lidarem com questões disciplinares, os monitores cívico-militares também são responsáveis por atividades extracurriculares.
Assim como acontece nas escolas militares, os alunos nas escolas cívico-militares devem usar uniformes de tipo militar e seguir uma estreita norma de conduta. O uso de cabelo comprido pelos meninos e o de cabelo solto pelas meninas são proibidos, assim como cabelos coloridos, o uso de piercings e o namoro nas escolas. Inúmeros relatos de intimidação, assédios moral e sexual contra alunos por parte dos monitores cívico-militares têm sido extensivamente noticiados pela imprensa nos últimos anos.
Tudo isso vem acompanhado por um amplo esforço para combater qualquer conteúdo minimamente crítico ao capitalismo, que a juventude do Brasil e do mundo está cada vez mais convencida de sua incapacidade de oferecer um futuro decente. O crescimento da militarização das escolas no Brasil foi antecipado por tiradas histéricas e fascistoides de Bolsonaro e seus filhos, todos eles parlamentares, que defenderam a partir de meados da década passada os projetos de lei apelidados de “escolas sem partido”.
A sua reacionária intenção era criar um clima de censura e de caça às bruxas em sala de aula em meio a inúmeras greves de professores impulsionadas por uma crise econômica aguda no Brasil e a uma radicalização da juventude, que em 2015 e 2016 realizou milhares de ocupações de escolas e universidades contra inúmeros ataques à educação, como a reforma pró-corporativa do Ensino Médio. Isso preparou o caminho para, logo no primeiro ano de seu governo, Bolsonaro tentar fazer uma revisão dos livros de história sobre os 21 anos de ditadura militar no Brasil e iniciar seu Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares.
Desde então, houve um o crescimento exponencial dessas escolas no Brasil. Segundo uma reportagem do UOL do final de agosto, as escolas cívico-militares cresceram de pelo menos 39 em 2013, para 230 em 2018 e 792 em 2023, atendendo 550 mil alunos nesse ano. Em 2024, esse número aumentou para 947 escolas públicas militarizadas.
O estado da Bahia, governado pelo PT desde 2007, foi o que mais criou escolas cívico-militares até 2019. Através de um “Termo de Cooperação Técnica” entre a Polícia Militar do estado e as prefeituras estabelecido pelo ex-governador e atual ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, Rui Costa, em 2018 e 2019 foram implementadas 79 escolas cívico-militares, colocando a Bahia na época como o estado com o maior número de escolas militarizadas.
Em 2020, o estado do Paraná começou a implementar escolas cívico-militares durante o primeiro mandato (2019-2022) do governador de extrema direita Ratinho Jr. e seu secretario de educação, Renato Feder. Empresário na área de tecnologia, Feder é um entusiasta defensor de políticas pró-corporativas na educação, e em 2020 foi cotado pelo ex-presidente Bolsonaro para assumir o ministério da educação.
O Paraná foi o estado brasileiro que mais avançou na militarização da educação desde então. Segundo o levantamento do UOL, existiam duas escolas militarizadas no estado em 2018, um número que explodiu para 320 neste ano, cerca de 15% das escolas estaduais do estado. Hoje, o Paraná possui o maior número de escolas cívico-militares do Brasil, muito à frente do segundo lugar, o estado de Goiás, com 82 dessas escolas.
Feder hoje é o secretário de educação do governo Tarcísio de Freitas em São Paulo e pretende fazer o mesmo no estado. A essência do projeto é reacionária até as últimas consequências, impregnado de uma concepção educacional e de um patriotismo que remontam à ditadura militar no Brasil.
Segundo o projeto de lei aprovado em maio na Assembleia Legislativa, um policial militar aposentado, o monitor cívico-militar, passará a trabalhar entre a comunidade escolar, sendo será responsável por questões disciplinares e “atividades extracurriculares”, como “o hasteamento da bandeira na unidade escolar semanalmente”, um evento regular nas escolas brasileiras durante a ditadura militar.
O monitor cívico-militar também será responsável por operacionalizar o “Projeto Valores”, que inclui o oferecimento de uma disciplina de “duas horas-aula por turma” no contraturno que “abrangerá conteúdos de ética e civismo”. Esses conteúdos, por sua vez, fazem parte das disciplinas de Filosofia e Sociologia, que sucessivos governos e a reforma pró-corporativa do Ensino Médio de 2017 têm alvejado por fazer parte de uma suposta doutrinação esquerdista dos alunos.
Os paralelos com o que aconteceu na ditadura militar no Brasil são claros. Em 1969, após importantes greves e grandes protestos estudantis, ela introduziu nos Ensinos Fundamental e Médio as disciplinas de “Moral e Cívica e “Organização Social e Política do Brasil”, substituindo respectivamente as disciplinas de Sociologia/Filosofia e História. Seu principal objetivo era justificar o golpe de 1964 apoiado pelos EUA e o regime militar que ele levou ao poder e combater as organizações de esquerda à ditadura. Isso foi acompanhado por uma censura em massa no período, enquadrando-os dentro da infane “Doutrina de Segurança Nacional”.
Essas referências estão também contidas nas palavras das autoridades políticas por trás das escolas cívico-militares em São Paulo. Segundo o secretário de educação, Renato Feder, “o modelo é voltado para as práticas pedagógicas onde os estudantes são estimulados a cultivar o respeito à pátria, aos símbolos nacionais e aos direitos e deveres de cidadania”.
Já o governador Tarcísio foi mais longe, declarando em outubro do ano passado, durante o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Escolas Cívico-Militares no Congresso Nacional, que: “A gente olha aqui os alunos das escolas cívico-militares e vê que estamos diante de um novo Bolsonaro lá na frente... Como é bom ter um momento de amor à pátria, ter disciplina”.
Bolsonaro, a quem o governador Tarcísio de Freitas recentemente chamou de “professor”, não é apenas um aberto defensor da ditadura militar no Brasil. Criticamente, ele está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal por ser o mentor intelectual pela tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023 apoiada por uma parcela significativa do alto escalão das Forças Armadas brasileiras e que teve uma importante base de apoio entre as policias militares estaduais – as mesmas responsáveis pelos monitores cívico-militares.
Como o que aconteceu na Bahia e toda a complacência do governo Lula em permitir que os governos estaduais aprovassem seus projetos de lei de escolas cívico-militares como parte de seu objetivo mais amplo de se acomodar com as Forças Armadas depois da tentativa de golpe de 8 de Janeiro, qualquer alegação do PT e dos sindicatos de professores dirigidos por ele que está se opondo à militarização da educação, assim como a outros ataques à educação no Brasil, é uma fraude completa.
O que os governos Lula e Tarcísio, a burocracia sindical e toda a elite dominante brasileira mais temem é que a crescente crise do capitalismo global, que tem reflexos agudos na educação no Brasil e no mundo, unifique a explosiva juventude com a luta de professores em um movimento crescente da classe trabalhadora brasileira e internacional.
Longe de ser um fenômeno brasileiro, os ataques à educação pública fazem parte de uma guinada da elite dominante mundial à medida que se prepara para a ditadura em casa e a guerra no exterior. Nesse sentido, escolas e universidades têm sido um alvo frequente, com professores e estudantes em todo o mundo se mobilizando contra a militarização e a censura, reformas pró-corporativas na educação e políticas de austeridade e, mais recentemente, o genocídio em Gaza.
Como afirmou recentemente a importante declaração programática do Comitê de Base de Educadores (EUA), “os educadores e trabalhadores de todo o mundo estão entrando em luta e enfrentam as mesmas ameaças de austeridade, guerra e ditadura. Não podemos lutar contra essas questões separadamente em uma base nacional, mas somente juntos em uma luta unificada” pelo socialismo. Fazemos um chamado aos professores e funcionários de escolas para que criem comitês independentes de base filiados à Aliança Internacional dos Trabalhadores de Comitês de Base (AOI-CB) para levar adiante a luta em defesa da educação pública no Brasil e no mundo.