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Publicado originalmente em 2 de agosto de 2021
“O ato mais importante da administração no auxílio ao combate à inflação foi derrotar a greve dos controladores de tráfego aéreo”. – Paul Volcker
“A classe dominante considera a derrota da greve da Organização Profissional de Controladores de Tráfego Aéreo (PATCO) inseparável da sua política capitalista mais ampla de defesa do sistema de lucro com um programa de militarismo desenfreado internacionalmente e agressiva austeridade contra a classe trabalhadora dentro dos EUA”. – Bulletin
No dia 3 de Agosto de 1981, 13 mil membros do sindicato de controladores de tráfego aéreo nos EUA, a PATCO, entraram em greve contra o seu empregador, a FAA, ou Federal Aviation Administration. Durante anos, o número de trabalhadores e as medidas de segurança não haviam conseguido acompanhar o aumento do tráfego aéreo comercial. O enorme estresse forçava a maioria dos controladores à aposentadoria precoce. Os trabalhadores da PATCO exigiam uma semana de trabalho mais curta, salários maiores e um aumento do quadro de funcionários.
Horas após entrarem em greve, o presidente Ronald Reagan, discursando no Jardim de Rosas na Casa Branca, invocou a lei Taft-Hartley para despedir os controladores caso não retornassem ao trabalho no prazo de dois dias. As condições da administração Reagan eram simples: o fim da greve e a completa submissão do sindicato a todas as exigências da Casa Branca. Não haveria negociações.
Os controladores de tráfego aéreo desafiaram em massa a ordem de retorno ao trabalho, com 12 mil permanecendo em greve. Porém, apesar da sua militância e solidariedade, e do apoio profundo da classe trabalhadora como um todo à sua luta – expresso na manifestação do Dia da Solidariedade contando com 500 mil pessoas em 19 de setembro em Washington [1] – a greve foi isolada e traída pela burocracia da AFL-CIO, com sindicatos filiados da indústria do transporte aéreo e terrestre atravessando os piquetes da PATCO para assegurar a derrota.
No final do ano, estava claro que os controladores de tráfego aéreo haviam sido derrotados. A administração Reagan e os tribunais ilegalizaram o sindicato, os grevistas foram substituídos por fura-greves trazidos da administração e das forças armadas, e todos os controladores de tráfego aéreo grevistas foram colocados em listas negras permanentes.
A ferocidade da classe dominante atordoou os trabalhadores. Porém, a crueldade de Reagan – incluindo dezenas de prisões, e a prisão e acusação de três controladores militantes no Texas – foi permitida pela burocracia da AFL-CIO. Embora o ataque de Reagan contra os controladores ameaçasse claramente todo o movimento operário, a AFL-CIO se recusou a autorizar uma mobilização mais ampla da classe trabalhadora. Isso foi feito apesar dos insistentes apelos dos trabalhadores pelo início de uma greve geral.
Os representantes sindicais buscaram uma cobertura política, instruindo os trabalhadores a fazer apelos ao Partido Democrata por apoio, mas a operação de fechamento dos sindicatos foi levada adiante com o apoio dos democratas. De fato, o próprio plano que Reagan implementou para esmagar a PATCO, incluindo a operação militar de fura-greves, conhecida como Força Administrativa Preventiva de Greves, havia sido elaborada em 1980 por Langhorne Bond da FAA sob o comando do presidente democrata, Jimmy Carter.
A AFL-CIO deu garantias à administração Reagan de que não faria nada em resposta à sabotagem da greve e ao fechamento dos sindicatos pelo governo. Diante da pressão dos trabalhadores, chamando por uma greve mais ampla em apoio à PATCO, o presidente da AFL-CIO, Lane Kirkland, disse no início da greve que era contrário 'a tudo o que significasse penalizar, prejudicar ou incomodar o público em geral pelos pecados ou transgressões da administração Reagan'. Reagan estava tão confiante sobre o consentimento dos burocratas trabalhistas que entregou o seu ultimato de 3 de agosto durante um encontro do Conselho Executivo da AFL-CIO no hotel Hyatt Regency, na cidade de Chicago.
A Liga dos Trabalhadores, a organização americana em solidariedade política com o Comitê Internacional da Quarta Internacional e antecessora do Partido da Socialista pela Igualdade, desempenhou teve um papel proeminente na greve da PATCO. A defesa dos grevistas presos trouxe o apoio de muitos trabalhadores da PATCO à organização. Importantes líderes dos controladores de tráfego aéreo aderiram à Liga dos Trabalhadores. Repórteres do Bulletin, o jornal da Liga dos Trabalhadores e um precursor do World Socialist Web Site, entrevistaram dezenas de grevistas e suas famílias em cidades de todo o país. A cobertura e as entrevistas contidas no Bulletin são certamente a descrição mais significativa e detalhada da greve da PATCO. É impossível compreender a luta, ou o seu resultado, sem esse arquivo.
A Liga dos Trabalhadores chamou persistentemente pela ampliação da luta, abrangendo toda a classe trabalhadora, e insistiu que as condições para expandir a greve só poderiam ser alcançadas através de uma luta política contra a burocracia sindical e o Partido Democrata. A Liga dos Trabalhadores lançou a demanda por um Congresso dos Trabalhadores emergencial que reunisse trabalhadores sindicalizados e setores não organizados com o objetivo de preparar uma greve geral e criar de um Partido Trabalhista baseado nos sindicatos para lutar pelo governo de trabalhadores e políticas socialistas. O partido declarou que, sem o início dessa luta, a greve da PATCO não poderia ser vitoriosa. Além disso, a Liga dos Trabalhadores advertiu que, se o isolamento e a derrota da greve da PATCO fossem permitidos, isso prepararia uma ofensiva contra toda a classe trabalhadora.
Embora um sentimento de solidariedade militante prevalecesse entre os trabalhadores – com o desejo de um confronto com a administração Reagan – a necessidade de concepções políticas socialistas para orientar a luta não era amplamente compreendida. Isso era, em si, um produto de longos processos históricos. Nos anos 1980, décadas de anticomunismo promovido pela AFL-CIO haviam impedido muitos trabalhadores de conhecer críticas experiências históricas, incluindo o papel decisivo desempenhado pelos socialistas na construção do movimento sindical industrial nos anos 1930.
A destruição da PATCO organizada pelo governo sinalizou para as grandes empresas lançarem um ataque massivo contra todo o movimento operário. Durante a década seguinte, foram levadas adiante operações de sabotagem de greves e de fechamento de sindicatos em praticamente todos os setores da economia – transporte aéreo e terrestre, automotivo, siderúrgico, de carvão, comércio, vestuário e têxteis e muitos outros. A derrota da PATCO estabeleceu um modelo para cada greve que se seguiu na década de 1980 e no início da década de 1990. Na Phelps Dodge, Greyhound, United Airlines, AT Massey, Hormel, Caterpillar, e outras empresas, os trabalhadores levaram adiante militantes e duras lutas. Não foi por falta de luta que essas e outras greves no período foram derrotadas. Pelo contrário, em cada caso, a burocracia sindical trabalhou conscientemente para isolar, desmoralizar e derrotar os grevistas.
Dessa forma, a traição da PATCO sinalizou o colapso dos sindicatos e a sua rápida conversão em agências das corporações e do governo. A transformação dos sindicatos em entidades de negócios foi concluída ao longo dos anos 1980, porém, ela não poderia ter prosseguido sem o esmagamento da resistência da classe trabalhadora e o expurgo dos trabalhadores militantes. Os trabalhadores vitimizados da PATCO foram os primeiros mártires da traição final da burocracia sindical.
Nunca existiu uma era dourada do sindicalismo americano. Os sindicalistas sempre encontraram espaço entre os interesses das burocracias que servem e aqueles dos trabalhadores que afirmam representar. A história trabalhista está repleta de carreiras de trabalhadores outrora militantes e socialistas, que, tendo encontrado seu lugar em cargos no aparato sindical, rapidamente esqueceram os seus dias de luta. Raros foram aqueles que puderam dizer, em coro com o pioneiro socialista Eugene Debs, que viraram as costas para a burocracia, 'Quando eu subir, será com as fileiras, e não das fileiras'.
No entanto, em um período anterior, apesar da sua merecida reputação de corrupção e agressivo anticomunismo, a burocracia sindical americana sentia que a sua posição e riqueza derivavam dos trabalhadores. Os representantes sindicais queriam manter os trabalhadores fora dos piquetes e sob o contrato de trabalho, mas também era verdade que os fundos sindicais eram dependentes das contribuições dos trabalhadores. Antes da globalização da produção econômica minar fatalmente as organizações trabalhistas de bases nacionais – ou seja, até os anos 1970 – os sindicatos podiam ser pressionados pela base para que assegurasse melhorias salariais, de benefícios e de segurança através de greves ou ameaças de greve. O conflito trabalhista era uma característica cotidiana da vida social nos EUA.
Porém, após a greve da PATCO, os sindicatos, onde ainda existiam, tornaram-se os instrumentos para os cortes salariais, concessões de benefícios e outras exigências empresariais e governamentais impostas sobre os trabalhadores. Entretanto, o aparato sindical se protegeu da queda no número de filiados aderindo a uma série de novas fontes de receita provenientes de operações empresariais, tais como centros de formação 'conjuntos', a gestão de fundos de pensão e de saúde, cargos em think tanks sobre competitividade e até mesmo nos conselhos administrativos das empresas. Já não se podia dizer que os sindicatos que surgiram a partir dos anos 1980 'representavam' os trabalhadores de acordo com a definição formal. A sua riqueza se baseou diretamente na exploração dos trabalhadores.
A derrota da PATCO desencadeia assim dois períodos distintos na história trabalhista americana. Desde a década de 1930 até à década de 1970, o movimento sindical nos EUA possuía uma autoridade significativa na classe trabalhadora. As vitórias dos sindicatos da indústria na década de 1930, o recrudescimento massivo da classe trabalhadora no fim da Segunda Guerra Mundial, a persistência das greves em larga escala até aos anos 1950 e 1960, e a onda de greves entre o fim dos anos 1960 e meados dos anos 1970 – conseguiram concessões significativas da classe dominante dos EUA, que estava consciente do perigo da revolução da classe trabalhadora, tal como havia acontecido na Rússia em 1917. Houveram grandes melhorias no padrão de vida na época, desde a expansão dos direitos democráticos dos trabalhadores negros no Sul até a criação de um Estado de bem-estar social limitado.
Após as derrotas esmagadoras dos anos 1980, as greves praticamente desapareceram nos EUA. A falta de resistência organizada da classe trabalhadora, por sua vez, apenas aumentou as ambições dos capitalistas. Isso se reflete na espantosa concentração de riqueza desde os anos 1970 nos EUA.
Continuamente, os ganhos de décadas do século XX foram revertidos, um processo que se acelerou após a crise financeira de 2008 e a chegada ao poder da administração Obama, e se intensificou mais uma vez na resposta das administrações Trump e Biden à pandemia de COVID-19, com a entrega de trilhões de dólares para Wall Street e os super-ricos.
Quarenta anos depois, está claro que o episódio da PATCO fez parte de uma série de eventos internacionais que marcaram uma contrarrevolução da classe dominante mundial contra a classe trabalhadora. Ele anunciou o colapso não apenas dos sindicatos americanos, mas internacionalmente, de todas as burocracias trabalhistas e partidos políticos baseados no nacionalismo e na concessão de classe. O processo que culminou na transformação dos sindicatos de trabalhadores americanos em empreendimentos de negócios foi espelhado na decisão da burocracia stalinista na União Soviética, no final dos anos 1980, de completar a sua missão contrarrevolucionária, liquidando as relações de propriedade estabelecidas pela revolução de 1917, restabelecendo o capitalismo e dissolvendo a União Soviética.
A importância da greve da PATCO é bem compreendida nos círculos dominantes. O presidente do banco central dos EUA, o Federal Reserve, na época, Paul Volcker, relembrou mais tarde que 'a medida mais importante da administração [Reagan] no auxílio ao combate à inflação foi derrotar a greve dos controladores de tráfego aéreo'. O substituto de Volcker como chefe do Fed, Alan Greenspan, foi mais longe, relembrando em 2009 que o esmagamento da greve por Reagan foi 'talvez a ação mais importante' do seu primeiro mandato. [2]
A derrota da PATCO foi entendida como o corolário da erupção do imperialismo americano no exterior. Escrevendo sobre os possíveis desfechos da greve, Donald Devine, do governo Reagan, explicou que, 'De uma maneira muito importante... internacionalmente os governos estão muito impressionados com a posição forte do presidente sobre o assunto'.
Dias após o início da greve, o editorial do Wall Street Journal esclareceu que Reagan precisava prevalecer sobre os controladores de tráfego aéreo 'por várias razões amplas que não têm absolutamente nada a ver com as relações entre a FAA e a PATCO'. O editorial declarou que as questões mais importantes eram 'compromissos em reconstruir a força militar, restaurar a solidez do dólar, cortar impostos e regulamentos, resistir ao imperialismo soviético, e frear o enorme crescimento de gastos do governo federal'.
O Bulletin comentou em 11 de agosto de 1981: 'Em resumo, a classe dominante considera a destruição da PATCO inseparável da sua política capitalista mais ampla de defesa do sistema de lucro com um programa de militarismo desenfreado internacionalmente e de agressiva austeridade contra a classe trabalhadora dentro dos Estados Unidos'. Os 40 anos seguintes confirmaram essa análise.
Porém, a supressão de quatro décadas da luta da classe trabalhadora nos Estados Unidos, e internacionalmente, está chegando ao fim. Os trabalhadores estão começando a reagir. Em todos os lugares onde entram em luta, eles rapidamente entram em conflito com as entidades de negócios que continuam a se chamar de 'sindicatos'.
Isso entrou em um novo estágio de desenvolvimento em 2021 com a formação de um comitê de base pelos trabalhadores da Volvo Trucks na linha de produção de New River Valley (NRV) em Dublin, no estado da Virgínia, apoiada pelo Partido Socialista pela Igualdade e pelo World Socialist Web Site, para conduzir uma luta tanto contra a corporação quanto contra o sindicato, o UAW.
O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), o movimento trotskista mundial, distingue-se de todas as outras tendências políticas do planeta quando se trata da questão dos sindicatos. As diversas tendências pseudoesquerdistas, que estão ligadas política, financeira e pessoalmente às autoridades dos sindicatos, defendem que eles podem ser reformados, e, de alguma forma, pressionados a representar os interesses dos trabalhadores, apesar das quatro décadas de evidências históricas contrárias.
Os eventos na Volvo devem servir como uma denúncia devastadora dessa fraude. Os trabalhadores votaram contra três contratos apresentados em conjunto pelo UAW e a Volvo – e se mostraram dispostos a travar uma luta formidável por melhores salários e condições – até o conglomerado internacional sueco, auxiliado pelo sindicato, impor e fraudar o terceiro contrato em uma quarta votação. Entretanto, os trabalhadores da NRV, ao procurarem repetidamente se livrar do peso morto do sindicato, mostraram o caminho adiante.
Rosa Luxemburgo disse sobre a classe trabalhadora que 'a experiência histórica é sua única professora'. Ela continuou: 'O seu tortuoso caminho para a auto-emancipação é construído não apenas com incomensurável sofrimento, mas também com inúmeros erros'. O objetivo de sua jornada – a sua emancipação depende disso – é se o proletariado pode aprender com seus próprios erros'.
Tirar as lições das derrotas do passado é uma questão de vida ou morte para os trabalhadores que entram em luta hoje.
Com o episódio da PATCO, a história expôs a inviabilidade e falência de um movimento trabalhista baseado no anticomunismo, na defesa do sistema de lucro e no nacionalismo. O objetivo dessa revisão da luta da PATCO é extrair as lições políticas centrais dessa experiência para armar os trabalhadores com a perspectiva socialista necessária para garantir a vitória nas lutas em massa nas quais eles estão entrando hoje.
Continua.
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Referências
[1] As estimativas variam de mais de 500 mil de acordo com o Bulletin e o repórter trabalhista, Joseph Goulden, até 400 mil pelo gabinete do prefeito de Washington e vários jornais. A estimativa do Serviço de Parques Nacionais era de 260 mil. Mesmo supondo o número mais baixo, oficial, a manifestação do Dia da Solidariedade foi maior que a Marcha sobre Washington de direitos civis em 1963 e a manifestação pelo fim da Guerra do Vietnã em 1969.
[2] Minchin, Timothy J., Labor under Fire: A History of the AFL-CIO since 1979. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2017: 71.