Publicado originalmente em 30 de setembro de 2022
As eleições presidenciais no Brasil, que terão seu primeiro turno no domingo, marcam a crise política mais aguda desde o estabelecimento do frágil regime democrático no país há 35 anos.
O presidente fascistoide Jair Bolsonaro – com apoio no alto escalão do Estado e das Forças Armadas – está promovendo uma campanha aberta para contestar o resultado dos votos populares e permanecer ilegalmente no poder em uma ditadura presidencial.
Ao mesmo tempo, os militares reestabeleceram seu papel de árbitros políticos no Brasil. Convidados pelo poder civil a participar da organização das eleições – com o suposto objetivo de coibir a politização das Forças Armadas pelo presidente golpista – os generais travaram uma campanha contra o tribunal eleitoral e impregnaram a opinião pública com teorias fraudulentas para desacreditar o processo democrático.
Outorgando-se o papel de validar as eleições, os militares realizarão pela primeira vez na história do regime atual uma contagem paralela dos votos. Soldados serão enviados para inspecionar pessoalmente centenas de urnas pelo país e garantir que operam “sem fraudes”.
Simultaneamente, os batalhões do exército em todo país estão sendo deixados a postos para intervir nas ruas, sob o pretexto de conter riscos de “violência eleitoral”. Se resolvessem agir contra uma tentativa de golpe de Bolsonaro, ninguém sabe quem poderia enviar os tanques de volta aos quarteis.
A nomeação do próximo presidente do Brasil aguardará pacientemente as negociações a portas fechadas e dependerá da palavra final dos generais.
A crise política brasileira é um dos epicentros de um processo globalmente interconectado de dissolução das formas democráticas de governo pela classe dominante em todos os países.
O espectro do retorno da ditadura militar no Brasil, que sofreu o domínio sangrento dos generais por duas décadas após o golpe apoiado pelos EUA em 1964, se insere no mesmo contexto da tentativa de golpe fascistoide de Donald Trump nos EUA; a ascensão ao poder na Itália de Georgia Meloni, sucessora do movimento fascista de Benito Mussolini; a reabilitação dos neonazistas da Alternativa pela Alemanha (AfD); o retorno ao poder do herdeiro da ditadura Marcos nas Filipinas; e o cultivo das forças fascistas ucranianas por Washington e a OTAN em sua guerra contra a Rússia.
Um dos mais sérios indícios da crise mortal do sistema político brasileiro é que o principal partido de oposição, o Partido dos Trabalhadores (PT), esteja buscando esconder os riscos contidos na presente situação.
O candidato do PT, Lula da Silva, que governou o Brasil de 2003 a 2010, tem sido apontado repetidamente pelas pesquisas como favorito na disputa presidencial. A última pesquisa do DataFolha, publicada nesta quinta-feira, mostrou Lula com 50% dos votos e Bolsonaro em segundo lugar, com 36%. Apesar disso, Bolsonaro repetiu em várias ocasiões que somente uma fraude impedirá sua vitória em primeiro turno.
No último debate público entre os candidatos, há três dias das eleições, Lula trocou insistentes acusações de corrupção com Bolsonaro, mas manteve silêncio sobre os preparativos de golpe de Bolsonaro. Coube a uma candidata de extrema-direita, Soraya Thronicke do União Brasil, uma ex-apoiadora do presidente fascistoide, questionar Bolsonaro se “pretende dar um golpe de Estado”, ao que o presidente respondeu: “Não é esse o tema”.
Lula e o PT recusam-se a denunciar publicamente as conspirações de Bolsonaro e os militares. Seu maior medo é desencadear um movimento de massas da classe trabalhadora, que possui uma longa tradição de luta contra o autoritarismo no Brasil, que se voltaria contra o capitalismo e seu Estado. Ao invés disso, o PT busca enfrentar a ameaça através de negociações de bastidores com representantes da classe dominante.
A base de apoio que o PT vê como fundamental para retornar ao poder não é a classe trabalhadora e as massas oprimidas brasileiras, mas a burguesia, os militares, juízes e partidos de direita que haviam descartado seus serviços políticos com o impeachment da presidente Dilma Rousseff do PT em 2016 e, na sequência, a prisão do próprio Lula.
Na última semana de campanha, Lula participou de um jantar com dezenas de representantes do grande capital em que, segundo um participante ouvido pelo Globo, “falou tudo o que a plateia queria ouvir”. Estavam presentes apoiadores abertos de Bolsonaro, como o dono da rede de lojas Riachuelo, Flávio Rocha, que segundo o jornal afirmou que Lula “poderia contar com ele se cumprir os compromissos ditos no jantar”.
O alinhamento de setores crescentes do capital nacional a Lula se baseia na crença de que seu governo será capaz de garantir seus interesses em duas frentes. Primeiro, contam com o PT para estabelecer um equilíbrio das relações diplomáticas com Estados Unidos e China, que garanta o afluxo de investimentos. E, em segundo lugar, acreditam que poderá impor um maior controle sobre a classe trabalhadora, auxiliado pelos sindicatos corporativistas, permitindo a exploração intensificada da força de trabalho.
A crise explosiva do capitalismo global, contudo, fará o atendimento desses interesses da burguesia brasileira uma tarefa complexa.
Com o Brasil e a América Latina tornando-se cada vez mais uma zona de disputa estratégica para a guinada militarista do imperialismo americano contra a China, a manutenção de uma neutralidade diplomática e um ambiente de livres relações de trocas entre os países não passa de uma ilusão. A recente destruição dos gasodutos Nord Stream, ligando a Rússia e Alemanha, num ato de sabotagem que beneficia os interesses imperialistas dos EUA, é indicativa da forma que a realidade está assumindo, inclusive na América do Sul.
E, apesar dos esforços dos sindicatos vinculados ao PT para sabotar o movimento da classe trabalhadora, o aprofundamento da crise econômica está gestando uma explosão da luta de classes no Brasil.
Em seus discursos em defesa de leis que ampliem a capacidade repressiva do Estado brasileiro, Bolsonaro várias vezes alertou sobre a iminência da explosão de um movimento popular “pior que no Chile”, onde trabalhadores e jovens saíram massivamente às ruas contra a desigualdade social e o regime político em 2019.
Sob essas condições, um possível novo governo do PT terá um caráter reacionário e politicamente instável. Assim como os mais recentes governos da “Maré Rosa” na América Latina, como o de Gabriel Boric no Chile e Pedro Castillo no Peru, seu papel fundamental será o de implementar os ataques exigidos pelo capitalismo às condições de vida dos trabalhadores e desencadear a repressão brutal contra qualquer demonstração de oposição social.
Do ponto de vista da classe dominante, um tal governo de “esquerda” representará apenas um interregno, durante o qual serão melhor preparadas as condições para a implementação de uma ditadura contra a classe trabalhadora, como Bolsonaro defende hoje. O histórico de Lula e do PT, particularmente sua resposta às ameaças ditatoriais atuais, não deixam dúvidas de que eles farão todas as concessões aos conspiradores de um golpe.
O Grupo Socialista pela Igualdade (GSI), apoiadores brasileiros do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), está fazendo todos os esforços para revelar os graves riscos contidos na situação atual. Mas, ao levantar esses alertas, sua posição não é a de contemplação passiva de uma tragédia em andamento.
O objetivo fundamental do GSI é mobilizar a classe trabalhadora como força política independente e prepará-la para o enfrentamento que virá necessariamente com qualquer governo que assumir o poder.
A classe trabalhadora brasileira é uma força social massiva, que possui uma longa história de luta contra o capitalismo e uma profunda tradição democrática e socialista. Os trabalhadores brasileiros têm em suas mãos poderosos meios de produção e estão objetivamente ligados através da estrutura econômica aos trabalhadores de todo mundo.
O atual regime civil foi estabelecido no Brasil como uma resposta da burguesia à onda de greves massivas da classe operária ao final dos anos 1970 e início dos 1980. Confrontando as condições de miséria econômica, foi esse movimento que minou definitivamente o regime ditatorial militar.
A preservação burguesia no poder através dessa crise mortal foi apenas possível pelo desvio deliberado dessas lutas semi-insurrecionais da classe trabalhadora. Os principais agentes políticos desse processo de traição foram as diferentes tendências pablistas – dos lambertistas da Organização Socialista Internacional (OSI), aos morenistas da Convergência Socialista (CS) – que foram os verdadeiros criadores de Lula e o PT.
Em suas lutas recentes – como a greve selvagem que atingiu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) este ano, as sucessivas lutas contra as demissões e cortes na indústria automotiva, a série de greves de professores, trabalhadores do transporte e muitas outras – a classe trabalhadora brasileira demonstra estar pronta para um novo enfrentamento de massas contra o capitalismo. Em todos esses processos, ela se enfrentou com os sindicatos burocráticos e pró-empresariais controlados pelo PT e seus aliados.
O Grupo Socialista pela Igualdade, está lutando pelo estabelecimento de organismos democráticos para possibilitar a luta da classe trabalhadora, comitês de base articulados internacionalmente através da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base. E, sobretudo, está engajado na construção da direção revolucionária necessária que permita a tomada do poder pela classe trabalhadora brasileira como parte da revolução socialista internacional.
Essa perspectiva será apresentada pelo GSI em seu evento “A Crise da Democracia no Brasil e a Perspectiva da Revolução Socialista”, que ocorre no sábado, 1º de outubro às 15h. Convocamos todos os ouvintes a participar: https://www.youtube.com/watch?v=oFcvuM1rb7k.