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Nacionalismo ou socialismo na América Latina

Hugo Chávez e o socialismo: Uma resposta a um apoiador chavista

O World Socialist Web Site recebeu uma série de cartas em resposta a sua Perspectiva de 8 de março intitulada “Hugo Chávez e o socialismo”. Várias delas se indignaram em relação ao fato de procurarmos submeter o governo de Chávez a uma análise marxista, definindo-o em termos de classe como nacionalista burguês e colocando-o no contexto histórico de regimes anteriores semelhantes na América Latina.

Típica delas foi uma carta [veja abaixo] de LB do Reino Unido, que se declarou “chocado” pela Perspectiva e escreveu: “Numa época em que a mídia imperialista tenta desacreditar a Revolução Bolivariana com meias verdades e preconceitos ideológicos, Bill Van Auken, do WSWS, repete os mesmos mitos para sustentar sua posição essencialmente antimarxista”.

Quais são essas “meias verdades” e “mitos”? O autor da carta contesta que, embora a Venezuela tenha visto uma forte redução da pobreza sob Chávez, a taxa de pobreza do país ainda permanece acima da média da América Latina, e que os 14 anos de seu governo não conseguiram alterar o status essencial da Venezuela como um país oprimido, dependente das grandes potências tanto para a exportação de uma única mercadoria, o petróleo, como para a importação da grande maioria de seus bens de consumo e de capital.

Por que o desejo de negar esses fatos objetivos, ignorar as realidades de classe e retratar o regime da Venezuela da melhor maneira possível? A resposta pode ser encontrada no seguinte trecho na carta: “Numa época em que os Estados imperialistas em crise, como o Reino Unido, estão cortando violentamente os benefícios sociais e atacando o direito da classe trabalhadora à moradia, a revolução venezuelana permite aos marxistas mostrar que existe uma alternativa”.

Embora seja necessário que a classe trabalhadora em países como os Estados Unidos e o Reino Unido defenda a Venezuela, um país oprimido, contra a agressão imperialista, apresentar a configuração política e econômica existente sob Chávez como uma “alternativa” para os trabalhadores americanos ou britânicos é ridículo. Eles devem esperar até que West Point ou Sandhurst produza um coronel “progressista” para conduzi-los ao socialismo?

O tipo de “alternativa” que se vislumbra aqui é aquela imposta de cima, que não se origina do movimento politicamente independente da própria classe trabalhadora, procurando estabelecer seus próprios órgãos de poder. A adulação de Chávez está ligada a uma completa rejeição e uma profunda hostilidade contra qualquer movimento desse tipo.

Essa é a política daqueles que querem ter suas consciências tranquilizadas e se sentir bem consigo mesmos, apoiando algum chefe de Estado que leva o “socialismo” para a classe trabalhadora. Na realidade, isso é uma completa falsificação do socialismo, que só pode surgir através da luta dos trabalhadores para se libertarem.

Em termos de classe, há pouco para distinguir aqueles que promovem ilusões em Chávez das camadas pequeno burguesas que alimentam ilusões semelhantes em Barack Obama. De fato, isso foi uma coisa que o próprio presidente venezuelano fez no ano passado, dizendo que se ele fosse um cidadão americano votaria em Obama. Chávez acrescentou que acreditava que se Obama fosse venezuelano, ele teria apoiado Chávez.

O autor da carta continua dizendo que a definição de Chávez como um político nacionalista burguês “não só é falsa, mas ignora o ponto central”. Ele prossegue: “Como Lenin escreveu em 1914, ‘O nacionalismo burguês de qualquer nação oprimida tem um conteúdo democrático geral que é dirigido contra a opressão, e é este conteúdo que nós apoiamos incondicionalmente’. O movimento em direção ao socialismo é impulsionado pelo povo oprimido da Venezuela e se expressou na direção revolucionária de Hugo Chávez”.

Aqui se encontra um monte de concepções confusas e contraditórias tiradas do stalinismo e do radicalismo pequeno-burguês, combinadas com uma citação não digerida arrancada de Lenin.

O autor da carta parece estar dizendo que é uma calúnia definir Chávez como um político nacionalista burguês, mas, mesmo que ele fosse, baseado no conselho de Lenin, ele ainda mereceria apoio incondicional como expressão e liderança do movimento do “povo oprimido da Venezuela” em direção ao socialismo.

Ao descrever Chávez como um nacionalista burguês, o termo não é usado como um epíteto, mas sim como uma definição politicamente precisa dos interesses e métodos de classe que caracterizaram seu governo. Apesar de seus programas de assistência social e nacionalizações parciais, ele liderou um governo burguês em um país cuja economia permaneceu firmemente capitalista.

O Estado que Chávez dirigia se baseia nas instituições e burocracias que existiam quando ele assumiu o poder pela primeira vez há 14 anos - primeiro e principalmente as forças armadas, que desempenham um papel importante na condução do governo.

O setor privado é responsável por 70% do PIB da Venezuela, uma parcela maior do que quando Chávez foi eleito pela primeira vez, em 1998. A parcela da riqueza apropriada pelos empregadores em relação à força de trabalho aumentou sob Chávez, atingindo um recorde de 48,8% em 2008, uma década depois que ele chegou ao poder. Os bancos venezuelanos são os mais rentáveis e seu mercado acionário o de maior desempenho do mundo, com os preços das ações subindo quase 300% em 2012, mesmo com a queda dos salários reais.

O objetivo da calúnia aqui não é Chávez, mas Lenin. A citação utilizada é arrancada violentamente de seu contexto, que foi uma discussão dentro do movimento marxista russo sobre se deveria incluir em seu programa o que Lenin chamou de “demanda negativa” pelo reconhecimento do direito da Polônia, então parte do império czarista, à autodeterminação.

O termo “negativo” foi usado para explicar que os marxistas não estavam defendendo a secessão, mas sim o reconhecimento do direito como um meio de superar as divisões nacionais e unir a classe trabalhadora.

O mesmo artigo alerta contra “a subordinação do proletariado à política da burguesia” e enfatiza que, para a classe trabalhadora, as demandas nacionais “estão subordinadas aos interesses da luta de classes”. Declara que “o importante para o proletariado é assegurar o desenvolvimento de sua classe. Para a burguesia é importante dificultar esse desenvolvimento empurrando os objetivos de sua ‘própria’ nação antes dos do proletariado”.

Além disso, em 1917, no período anterior à Revolução de Outubro, Lenin adotou a perspectiva desenvolvida por Leon Trotsky em sua Teoria da Revolução Permanente, que estabeleceu que em países com um desenvolvimento capitalista tardio, como a Rússia, as tarefas democráticas e nacionais historicamente associadas à revolução burguesa só poderiam ser realizadas sob a liderança da classe trabalhadora, que seria obrigada a tomar o poder e adotar medidas socialistas.

A essência da posição de Trotsky era a luta pela independência política da classe trabalhadora e a recusa de subordinar sua luta à burguesia nacional, não importando o quanto “esquerdista” fossem suas políticas.

Nos últimos anos de sua vida, Trotsky abordou diretamente essa questão em relação às políticas nacionalistas do presidente Lazaro Cárdenas no México, cujo governo foi o único no planeta a conceder asilo político ao líder da Revolução Russa quando estava sendo perseguido pelos assassinos da burocracia stalinista de Moscou.

Em março de 1938, respondendo às lutas cada vez mais militantes dos petroleiros mexicanos e à intransigência arrogante dos conglomerados petrolíferos americanos e britânicos, Cárdenas nacionalizou a indústria petrolífera mexicana, bem como as ferrovias do país, colocando-as sob a gestão dos trabalhadores. Essas ações, tomadas há quase três quartos de século, desafiando as mais poderosas potências imperialistas, tiveram um caráter muito mais radical e arrebatador do que qualquer uma das medidas tomadas pelo governo Chávez na Venezuela.

Trotsky insistiu, entretanto, em definir essas medidas em termos de classe e definir os interesses e tarefas independentes da classe trabalhadora. Ele tinha todos os motivos para estar preocupado em manter a boa vontade do governo Cárdenas, mas empreendeu uma análise profundamente baseada em princípios, que não impediu sua defesa deste governo contra as ameaças das potências imperialistas.

A avaliação de Trotsky fornece uma base teórica firme para compreender o caráter de regimes como o de Chávez na Venezuela, e a atitude que os marxistas devem adotar em relação a eles.

Ele escreveu, meses após as nacionalizações: “Nos países industrialmente atrasados, o capital estrangeiro desempenha um papel decisivo. Daí a relativa fraqueza da burguesia nacional em relação ao proletariado nacional. Isso cria condições especiais de poder de Estado. O governo oscila entre o capital estrangeiro e doméstico, entre a fraca burguesia nacional e o relativamente poderoso proletariado. Isso dá ao governo um caráter Bonapartista de caráter distinto. Ele se eleva, por assim dizer, acima das classes. Na verdade, ele pode governar tanto tornando-se o instrumento do capitalismo estrangeiro e mantendo o proletariado nas cadeias de uma ditadura policial, quanto manobrando com o proletariado e chegando ao ponto de fazer concessões a ele, ganhando assim a possibilidade de uma certa liberdade em relação aos capitalistas estrangeiros. A atual política [do governo mexicano] representa o segundo caso; suas maiores conquistas são as expropriações das ferrovias e das indústrias petrolíferas.

“Estas medidas estão inteiramente dentro do domínio do capitalismo de Estado. Entretanto, em um país semicolonial, o capitalismo de Estado se encontra sob a forte pressão do capital estrangeiro privado e de seus governos, e não pode se manter sem o apoio ativo dos trabalhadores. É por isso que ele tenta, sem deixar o poder real escapar de suas mãos, colocar sobre as organizações de trabalhadores uma parte considerável da responsabilidade pela marcha da produção nos ramos nacionalizados da indústria.

“Qual deveria ser a política do partido operário neste caso? Seria, naturalmente, um erro desastroso, um engano, afirmar que o caminho para o socialismo passa, não pela revolução proletária, mas pela nacionalização realizada pelo Estado burguês de vários ramos da indústria e sua transferência para as mãos das organizações operárias.” [Ênfase adicionada]

Muita água - para não mencionar sangue - passou por baixo da ponte desde que Trotsky escreveu essas palavras há 75 anos. A Teoria da Revolução Permanente, atacada pelo stalinismo e pela tendência revisionista pablista que rompeu com o trotskismo, tem se confirmado inúmeras vezes de forma negativa. Uma sucessão de movimentos nacionalistas burgueses, desde aqueles dos novos Estados independentes estabelecidos nas antigas colônias da África, Ásia e Oriente Médio, até os sandinistas na Nicarágua e o Congresso Nacional Africano na África do Sul, provou ser incapaz de se opor consistentemente ao imperialismo ou de resolver as questões democráticas e nacionais fundamentais, muito menos de realizar o socialismo.

Para aqueles que como LB querem canonizar Chávez, esta história, e mais especificamente a história da América Latina, é uma questão de indiferença. A adulação que ele lança sobre o falecido presidente venezuelano e suas denúncias de marxistas por se oporem à subordinação da classe trabalhadora à política de Chávez ecoam as posições tomadas por toda uma camada de esquerdistas pequeno-burgueses em um período anterior, com consequências desastrosas para os trabalhadores latino-americanos.

Na Argentina, esses elementos, incluindo alguns que se diziam socialistas e até trotskistas, apoiaram a subordinação do movimento operário a Juan Perón, o oficial militar nacionalista que foi presidente de 1946 a 1955, e novamente em 1973-74, quando ele morreu e foi sucedido por sua viúva. Na Bolívia, eles fomentaram ilusões no presidente militar, o general J.J. Torres, que ocupou brevemente o poder de 1970 a 1971, e no Peru apoiaram o general Juan Francisco Velasco Alvarado, que ocupou o poder de 1968 a 1975 como o “presidente do governo revolucionário”.

Como Chávez, todos eles realizaram nacionalizações, adotaram políticas nacionalistas de esquerda e promoveram programas de assistência social para os pobres. Em cada caso, o efeito da política pequeno burguesa de promover o nacionalismo burguês como “socialismo” foi desarmar a classe trabalhadora antes de golpes militares em que dezenas de milhares pagaram com suas vidas.

O caminho para essas derrotas também foi pavimentado com a glorificação do castrismo e da guerrilha pequeno-burguesa como uma nova via ao socialismo. Essa perspectiva serviu apenas para isolar os elementos revolucionários dos trabalhadores, levá-los a confrontos armados desiguais com o Estado e bloquear a construção de partidos revolucionários da classe trabalhadora. Em nenhum lugar o apoio a tais regimes ou métodos levou ao socialismo.

LB acusa que o WSWS “considera que a única perspectiva para o socialismo se dá através da criação de seções nacionais de sua própria tendência trotskista”, como se isso fosse alguma ilusão sectária. A amarga lição da história da América Latina, entretanto, é que a subordinação da classe trabalhadora ao nacionalismo burguês e pequeno-burguês só abre o caminho para a derrota. A luta pelo socialismo só pode ser levada adiante com base na completa independência política da classe trabalhadora e na construção de uma direção marxista revolucionária.

A Perspectiva à qual LB critica analisou a dinâmica de classe e os interesses que sustentam a atração que Chávez exerceu sobre ex-radicais pequeno-burgueses e pseudoesquerdistas. Segundo ela, “eles são atraídos pelo ‘socialismo do século XXI’ de Chávez precisamente por causa de sua hostilidade à concepção marxista de que uma transformação socialista só pode ser realizada através da luta independente e consciente da classe trabalhadora para pôr fim ao capitalismo e tomar o poder em suas próprias mãos. Esses elementos políticos pequeno-burgueses são, ao contrário, atraídos por uma política destinada a salvar o capitalismo da revolução, imposta de cima por um comandante carismático”.

Essa avaliação é plenamente corroborada pela carta de LB, que representa essa camada política pequeno-burguesa reacionária.

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Carta de LB

Fiquei chocado com o artigo de 8 de março no World Socialist Web Site intitulado “Hugo Chavez e o socialismo”. Numa época em que a mídia imperialista tenta desacreditar a Revolução Bolivariana com meias verdades e preconceitos ideológicos, a Perspectiva de Bill Van Auken, do WSWS, repete os mesmos mitos para sustentar sua posição essencialmente antimarxista.

O artigo admite que há “apoio popular para as inegáveis, embora limitadas, melhorias nas condições sociais para as camadas mais empobrecidas do país sob sua presidência. Isso inclui uma redução pela metade da taxa de pobreza, que ainda permanece acima da média da América Latina”. De fato, de acordo com a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina, a Venezuela tem agora o terceiro menor nível de pobreza da América Latina. Quando Chávez foi eleito pela primeira vez em 1998, a pobreza era de 50,4%. Em 2011, ela havia caído para 27,8% e continua a cair. Cerca de 2,5 milhões de venezuelanos foram ajudados a sair da pobreza extrema no mesmo período e a Venezuela alcançou uma queda na desigualdade “sem paralelo na América Latina” (Brookings Institution), caindo mais de 2% ano após ano para atingir os níveis mais baixos de desigualdade na região (depois de Cuba).

A Venezuela acabou com o analfabetismo, reduziu a mortalidade infantil de 25 para 13 por 1.000 recém-nascidos, proporcionou assistência médica e educação gratuitas para todos e construiu 700.000 unidades de habitação social somente nos últimos dois anos. Em uma época em que os estados imperialistas em crise, como o Reino Unido, estão cortando violentamente os benefícios sociais e atacando o direito da classe trabalhadora à moradia, a revolução venezuelana permite aos marxistas mostrar que existe uma alternativa.

O WSWS abandona o marxismo e ignora esses fatos para sustentar sua posição reacionária de que “a ‘revolução bolivariana’ nada fez para alterar o status da Venezuela como uma nação dependente e oprimida pelo imperialismo”. Os venezuelanos sabem que isso é mentira. Durante a maior parte do século XX, a Venezuela foi governada por uma elite corrupta aliada aos interesses imperialistas do petróleo. A Venezuela é uma nação oprimida que luta pela libertação nacional e pelo socialismo. A afirmação do WSWS de que Chávez era um “nacionalista burguês” não só é falsa, mas ignora o cerne da questão. Como Lenin escreveu em 1914, “O nacionalismo burguês de qualquer nação oprimida tem um conteúdo democrático geral que é dirigido contra a opressão, e é este conteúdo que nós apoiamos incondicionalmente”. O movimento em direção ao socialismo é impulsionado pelo povo oprimido da Venezuela e se expressou na liderança revolucionária de Hugo Chávez.

O WSWS não consegue identificar de onde veio o apoio a Chávez. Foi a classe trabalhadora que radicalizou diretamente o processo revolucionário, desde a derrota do golpe imperialista em 2002 até o crescimento das comunas e das novas formas de democracia socialista. O WSWS tem razão ao dizer que “a luta de classes na Venezuela e em toda a América Latina se intensificará sob o impacto do aprofundamento da crise capitalista global”, mas considera que a única perspectiva para o socialismo se dá através da criação de seções nacionais de sua própria tendência trotskista. Mas o povo venezuelano está lutando no mundo real. Ao continuar sua luta após a morte de seu heroico líder, eles têm o apoio da Cuba socialista e de movimentos revolucionários em toda a América Latina. Eles têm a solidariedade do povo oprimido da Palestina à Grécia. Ao atacar as conquistas do povo venezuelano, o WSWS acaba do lado dos inimigos do socialismo.

LB

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