Na quinta-feira, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), revelou detalhes sobre as reações de seu governo e dos militares ao ataque de 8 de janeiro às sedes do poder em Brasília por apoiadores fascistas do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A uma coletiva de imprensa, Lula apresentou a conclusão alarmante de que, caso tivesse aceitado convocar a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) sugerida por seu ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, “aí sim estaria acontecendo o golpe que as pessoas queriam. O Lula deixa de ser governo para que algum general assuma o governo”.
A invasão às sedes dos três poderes no último domingo representou, ao mesmo tempo, o ápice da ofensiva de Bolsonaro e seus aliados civis e militares para promover um golpe eleitoral, e o episódio inaugural de um novo estágio político do movimento fascista em formação no Brasil.
Os cerca de 5 mil manifestantes fascistas que, saindo do Quartel General do Exército, ocuparam os edifícios da Praça dos Três Poderes, não demandavam uma revisão do resultado das eleições supostamente “fraudadas” que declarasse Bolsonaro como o presidente eleito. Eles convocaram seu ato como uma “tomada do poder pelo povo” e exigiram uma “intervenção das Forças Armadas” que inauguraria um novo regime ditatorial militar.
As revelações de Lula na quinta-feira expuseram um caminho concreto através do qual os objetivos dessas forças fascistas poderiam ter se realizado.
Na tarde de domingo, enquanto os apoiadores de Bolsonaro ainda ocupavam as sedes do governo, o ministro da Defesa, Múcio, reunido com o comandante do Exército, Júlio César de Arruda, telefonou a Lula e propôs a convocação de uma GLO. Segundo a imprensa, o comandante afirmava ter 2.500 militares “de prontidão” para intervir em Brasília. Lula, que estava a 800km da capital, respondeu “rispidamente à possibilidade de o Exército atuar na contenção dos golpistas por meio de uma GLO”, reportou a Folha de São Paulo.
A GLO é um dispositivo legal que permite ao presidente do Brasil, ao enfrentar uma situação de “perturbação da ordem pública” em que tenha se atingido um suposto “esgotamento dos instrumentos” previstos na constituição, convocar uma operação militar “conduzida pelas Forças Armadas”. A utilização crescente de missões de GLO, especialmente durante os governos do PT, foi um dos canais para a reascensão dos militares como protagonistas na esfera política brasileira.
Como Lula admitiu em sua conferência de imprensa, na GLO proposta por Múcio e Arruda seria impossível diferenciar os comandantes da operação militar dos próprios “Agentes de Perturbação da Ordem Pública” que pretensamente combateria.
“Teve muita gente da Polícia Militar conivente, teve muita gente das Forças Armadas aqui dentro conivente”, Lula afirmou. Ele prosseguiu: “Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para que gente entrasse, porque não tem porta quebrada... Nos vídeos que eu vi, vi soldado do exército conversando com os invasores, vi soldado cantando junto com os invasores.”
Em outra grave admissão, Lula descreveu como os militares, após terem permitido os invasores das sedes de governo a retornarem ao acampamento na porta do Quartel General, impediram o cumprimento de uma ordem de prisão contra os manifestantes na noite de domingo. O presidente afirmou que, enquanto “dois tanques” eram utilizados para proteger o acampamento fascista da ação da polícia, “o general me ligou dizendo ‘presidente, é muito perigoso entrar de noite no acampamento, tem muita gente, pode acontecer uma desgraça’”.
O Metrópoles, após falar com ministros de Lula, reportou que os integrantes do governo acreditam que, “durante a madrugada, os militares retiraram os militares da reserva e seus familiares do acampamento, evitando que fossem detidos”. Entre os notáveis participantes do acampamento, o jornal destaca parentes do general Eduardo Villas Bôas, que publicaram fotos no local.
Villas Bôas foi indicado a comandante do Exército em 2015 pela presidente Dilma Rousseff do PT, que o apresentou como um legalista. Na sequência, o general ganhou destaque ao romper o relativo silêncio dos militares na vida política brasileira e se pronunciar contra a concessão de habeas corpus que permitiria Lula, preso por corrupção, a concorrer nas eleições de 2018 contra Bolsonaro.
Enquanto contestava as eleições em que foi derrotado, Bolsonaro teve reuniões privadas com Villas Bôas, um mentor político ao longo de seu governo. Em novembro, o general se pronunciou publicamente em apoio à “população [que] segue aglomerada junto às portas dos quartéis pedindo socorro às Forças Armadas”. Ele alertou que as tentativas da mídia de “isolar as manifestações” criariam mais um “fator de insatisfação”, e concluiu: “A História ensina que pessoas que lutam pela liberdade jamais serão vencidas”.’
Os fatos apresentados pelo presidente do Brasil na quinta-feira leva a conclusões inevitáveis.
Primeiro, a ação fascista ocorrida em Brasília no último domingo não foi meramente um ataque espontâneo articulado por um grupo de “extremistas”. Ela foi cuidadosamente arquitetada em colaboração com forças e indivíduos no alto escalão militar e do Estado.
Segundo, as forças militares envolvidas nessa conspiração buscaram utilizar o episódio como alavanca para expandir seu poder político sobre o Estado.
Terceiro, este episódio não significou uma derrota para as forças fascistas que o promoveram. Elas permanecem alojadas em posições de poder e continuarão suas preparações para um golpe autoritário.
Essas conclusões são rigorosamente evitadas pelo PT e pelas forças políticas que o apoiam. Ao mesmo tempo que enxergam as ameaças reais colocadas sobre o governo Lula, sua resposta é uma tentativa desesperada de contentar e negociar com as forças que buscam ativamente um golpe de Estado.
Apesar de reconhecer que seu ministro da Defesa lhe aconselhou na prática a abdicar do poder e entregá-lo na mão dos generais, Lula insistiu na permanência de Múcio no cargo. Ele está sendo ali mantido como um esforço de forjar uma ponte permanente do governo com os militares golpistas.
Mesmo tendo negado a impor uma GLO em resposta ao ataque fascista em Brasília, o governo do PT depende cada vez mais diretamente da proteção dos militares. O Estado de São Paulo noticiou na quarta-feira que “diante da convocação de novo protesto bolsonarista para ‘retomada do poder’... autoridades do governo Lula já admitem pedir auxílio às Forças Armadas na proteção de prédios públicos em Brasília”.
Em uma ação de covardia notável, o ministério da Justiça de Lula realizou nesta sexta-feira uma “cerimônia de homenagem aos agentes que atuaram na repressão aos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes no domingo, 8”, noticiou o Estado. O ministro Flávio Dino, que governou o Maranhão pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pateticamente suplicou aos golpistas: “Pelo amor de Deus, acabou a eleição de 2022, entendam definitivamente isto”.
As primeiras duas semanas de Lula no poder confirmam a avaliação feita pelo Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) sobre o papel político reacionário destinado ao governo do PT. Nas vésperas das eleições, o GSI declarou:
Do ponto de vista da classe dominante, um tal governo de “esquerda” representará apenas um interregno, durante o qual serão melhor preparadas as condições para a implementação de uma ditadura contra a classe trabalhadora, como Bolsonaro defende hoje. O histórico de Lula e do PT, particularmente sua resposta às ameaças ditatoriais atuais, não deixam dúvidas de que eles farão todas as concessões aos conspiradores de um golpe.
Os esforços do PT e de seus aliados do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para convencer a classe trabalhadora e a juventude brasileira de que era possível enfrentar as ameaças do fascismo através de uma “frente ampla” da burguesia contra Bolsonaro foram expostos como uma fraude total.
A guinada da classe dominante brasileira ao fascismo e outras formas de reação política é uma resposta ao desenvolvimento das contradições do capitalismo e o potencial de explosão da luta de classes. Esta reação burguesa só pode ser combatida através da luta por um movimento político independente da classe trabalhadora contra o capitalismo, que significa um enfrentamento direto ao governo do PT.