Publicado originalmente em 30 de janeiro de 2023
Há noventa anos, em 30 de janeiro de 1933, o Presidente Paul von Hindenburg nomeou o líder do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), Adolf Hitler, como chanceler do Reich alemão. A transferência do poder para os nazistas teve consequências terríveis. Hitler pode não ter conseguido estabelecer o prometido Reich de 1.000 anos, já que seu governo terminou após 12 anos, mas os crimes cometidos por seu regime durante esse período excederam qualquer coisa imaginável e teriam sido mais do que suficientes para 1.000 anos.
Em poucos meses, os nazistas lançaram um reinado de terror que combinou os meios mais modernos de propaganda com vigilância total e opressão impiedosa. Eles esmagaram as organizações operárias e assassinaram seus líderes e membros ou os colocaram em campos de concentração criados especificamente para esse fim.
Eles transformaram a Alemanha, há muito vista como uma nação de cultura e progresso industrial, em uma máquina de luta bárbara. Seis anos e meio após a nomeação de Hitler como chanceler do Reich, seu exército (Wehrmacht) iniciou a Segunda Guerra Mundial com a invasão da Polônia. Isso foi seguido, em junho de 1941, pela guerra de aniquilação meticulosamente planejada contra a União Soviética, que matou 27 milhões de cidadãos soviéticos.
A barbárie dos nazistas atingiu seu auge com o extermínio industrial de 6 milhões de judeus, bem como de centenas de milhares de sinti e roma, que foram fichados, detidos e transportados para campos de extermínio, onde foram selecionados para as câmaras de gás e incinerados com rigor burocrático.
Dez anos após a chegada de Hitler ao poder, em 2 de fevereiro de 1943, a derrota da Wehrmacht pelo Exército Vermelho em Stalingrado marcou um ponto de inflexão na guerra. A guerra tinha se voltado contra a própria Alemanha. Centenas de milhares de civis morreram no bombardeio dos Aliados na Alemanha. Quando Hitler disparou uma bala em seu crânio em 30 de abril de 1945 e a Alemanha capitulou, o país já estava em ruínas.
Durante muitos anos depois, houve um consenso de que tais crimes nunca mais deveriam ser repetidos. Mas este não é mais o caso. Os 90 anos da chegada de Hitler ao poder estão acontecendo enquanto o governo alemão está enviando tanques Leopard contra a Rússia. Seu objetivo é vingar a derrota em Stalingrado há 80 anos, escalando a guerra na Ucrânia a fim de subjugar militarmente a Rússia.
O Alto Comando da OTAN vem “elaborando há meses três planos operacionais e regionais para toda a área da aliança”, informou o Der Spiegel em sua última edição. Os “grossos planos com muitos anexos descrevem em detalhes que capacidades podem ser utilizadas em que dimensões militares, do ciberespaço, passando pelo espaço geográfico até as forças navais, aéreas e terrestres”. Os generais americanos estão, entretanto, especulando se a guerra contra a China – outra potência com armas nucleares – deve começar em dois ou quatro anos.
Hitler ficaria entusiasmado. Ele apoiaria plenamente a ofensiva da OTAN e aplaudiria em voz alta a ordem de enviar tanques e submarinos.
A reabilitação de Hitler na Alemanha começou há anos. Quando, nos anos 1980, o historiador Ernst Nolte descreveu o nazismo como uma reação compreensível à Revolução Russa de Outubro, ele foi confrontado com uma tempestade de indignação no que ficou conhecido como a “Historikerstreit” (“Disputa dos Historiadores”).
Mas quando, em 2014, o professor da Universidade de Humboldt, Jörg Baberowski, reabilitou Nolte no Der Spiegel e proclamou que “Hitler não foi cruel”, todo a indignação da mídia e do establishment político foi dirigido contra o Sozialistische Gleichheitspartei (SGP – Partido Socialista pela Igualdade) por criticar publicamente Baberowski. Como o SGP explicou na época, a reabilitação de Hitler estava inextricavelmente ligada ao renascimento do militarismo alemão.
A guerra na Ucrânia confirma agora essa relação. Ela serviu de pretexto para o governo alemão lançar o maior programa de rearmamento desde Hitler. A guerra foi provocada deliberadamente através da expansão implacável da OTAN para o leste e do golpe de Estado de 2014 em Kiev. Ela faz parte de uma redivisão violenta do mundo entre as potências imperialistas, impulsionada pela profunda crise do capitalismo. O objetivo dos imperialistas é esmagar a Rússia, dividir seus imensos recursos naturais e cercar a China.
Isso não justifica de forma alguma a reacionária invasão russa da Ucrânia. O regime de Putin personifica os interesses dos oligarcas russos, que dissolveram a União Soviética em 1991 e saquearam a propriedade socializada. A ofensiva da OTAN é o preço que o povo russo está pagando agora pela destruição das conquistas da Revolução de Outubro de 1917. O que os tanques de Hitler não conseguiram em 1943, Berlim e Washington estão tentando conseguir com a ajuda da OTAN e de seu fantoche em Kiev. Isso só pode ser impedido por um movimento unificado da classe trabalhadora internacional.
As lições da chegada de Hitler ao poder
As lições históricas da chegada de Hitler são hoje em dia de grande relevância. Ao contrário do que se afirma com frequência, ele não foi levado ao poder por um movimento popular contra o qual os defensores da democracia se mostraram impotentes. Ele não teve que conquistar o poder do Estado porque esse lhe foi entregue pelas elites políticas, econômicas e militares.
Quando Hitler se tornou chanceler em 1933, as instituições democráticas da República de Weimar já haviam sido destruídas há muito tempo. Durante os três anos anteriores, os chanceleres haviam governado através de decretos de emergência assinados pelo presidente do Reich.
O NSDAP de Hitler – que reuniu oficiais desiludidos da Primeira Guerra Mundial, camadas pequeno-burguesas arruinadas pela inflação e pela depressão econômica, e outros elementos decadentes sob a bandeira da supremacia racial e do anticomunismo – alcançou seu melhor resultado eleitoral no verão de 1932, com 37% dos votos. Depois disso, o apoio ao partido se desintegrou rapidamente. Quando novas eleições para o Reichstag foram realizadas quatro meses depois, os dois partidos operários, o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Comunista (KPD), receberam significativamente mais votos combinados do que os nazistas. O partido estava enfrentando a falência, e Hitler chegou até a pensar em suicídio.
Nessa crise, a decisão foi tomada a favor de Hitler por um pequeno círculo conspiratório em torno do Presidente von Hindenburg. As grandes empresas e os militares indicaram seu apoio. Eles não apoiaram Hitler porque entenderam mal suas intenções, mas porque sabiam exatamente o que ele estava tramando.
Já em janeiro de 1932, Hitler prometeu em um discurso ao Clube da Indústria de Düsseldorf que aboliria a democracia, suprimiria a luta de classes e o “bolchevismo”, e conquistaria um novo Lebensraum (espaço vital) para a Alemanha. Ele lhes garantiu que, apesar da retórica anticapitalista ocasional, os nazistas não violariam a propriedade privada nem desafiariam as diferenças de renda entre a população.
Hitler reuniu-se com os líderes das Reichswehr quatro dias depois de assumir o governo para esclarecer quaisquer dúvidas remanescentes. Após observações introdutórias sobre a importância da “raça”, ele lhes prometeu uma “expansão do espaço vital do povo alemão com as armas na mão”. Ele disse que, como condição prévia, “toda opinião subversiva deve ser suprimida da maneira mais forte possível” e “o marxismo deve ser completamente destruído”.
O capital e os militares responderam à crise insolúvel do capitalismo escolhendo Hitler. Confinada no meio da Europa, a dinâmica indústria alemã só poderia se expandir através de conquistas violentas. Para isso, a luta de classes teve que ser reprimida e o movimento operário esmagado.
Pela mesma razão, as forças fascistas estão sendo novamente promovidas hoje. E não apenas na Alemanha, onde a fascista Alternativa para a Alemanha (AfD) tem assento no parlamento e dita a linha do governo sobre os refugiados e a política interna. A ala de Trump do Partido Republicano nos EUA e os apoiadores do Bolsonaro no Brasil têm claras características fascistas. Na Itália, os herdeiros de Mussolini estão à frente do governo.
A orgia de enriquecimento nos últimos anos tem levado os antagonismos de classe ao limite. Algumas poucas dezenas de indivíduos possuem mais riqueza do que a metade mais pobre da humanidade. Os representantes ricos da classe média – os 10% mais ricos – também se enriqueceram. Hoje, eles formam a base social mais importante para o militarismo. Em contraste, o nível de vida da classe trabalhadora caiu maciçamente, as condições de trabalho estão se tornando cada vez mais insuportáveis e os protestos e greves estão em ascensão em todo o mundo.
Essa é a base objetiva para a luta contra a guerra e o fascismo. Em 1933, os 13 milhões de eleitores do SPD e do KPD poderiam ter detido Hitler. Eles estavam prontos para lutar, mas seus líderes fracassaram. O SPD se recusou categoricamente a lutar e, em vez disso, apelou para o Estado e Hindenburg. Sob a influência de Stalin, o KPD seguiu uma política impotente e absurda. O KPD chamou o SPD de “social-fascista” e rejeitou uma frente única contra os nazistas.
“O proletariado alemão era suficientemente forte, tanto em número quanto em cultura, para atingir seu objetivo, mas os líderes da classe trabalhadora se mostraram incapazes”, escreveu Leon Trotsky, que havia lutado incansavelmente por uma política de frente única.
Como foi o caso há 90 anos, somente um movimento socialista e independente da classe trabalhadora internacional pode deter o avanço do fascismo e do militarismo. O Comitê Internacional da Quarta Internacional e sua seção alemã, o Sozialistische Gleichheitspartei, estão construindo o partido político que pode liderar tal movimento.