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Da Argentina ao México, onda de greves de professores varre a América Latina

Em pelo menos uma dúzia de países da América Latina e do Caribe, os professores têm realizado grandes greves e protestos no último mês contra a erosão de seus salários devido à inflação galopante, a falta de pessoal e o estado deplorável das escolas.

Tanto os governos abertamente de direita quanto os da chamada “Maré Rosa” têm se recusado a atender suas reivindicações alegando que “não há dinheiro”. Em vários casos, eles têm usado brutal repressão policial e militar, além de represálias como demissões.

Professores do Rio de Janeiro reunidos para a assembleia de 18 de maio que votou pela greve

Em todos os lugares, as burocracias sindicais estão se movendo para isolar essas lutas dentro de cada país, província ou até mesmo escola, enquanto usam greves e protestos limitados para aliviar a pressão e impor os cortes salariais e sociais exigidos pelas elites dominantes.

Os protestos são uma resposta aos ataques aos padrões de vida e aos serviços sociais à medida que as elites dominantes subordinam a educação, a saúde e a vida dos trabalhadores e de seus filhos a uma competição incessante por capital e mercados estrangeiros. Essas lutas têm se intensificado em meio a uma crise cada vez mais profunda do capitalismo global acelerada pela pandemia de COVID-19 ainda em curso e pelos esforços de guerra liderados pelos EUA contra a Rússia e a China. Elas são um importante prenúncio de uma erupção mais ampla da luta de classes em nível global.

Após os dois primeiros anos da pandemia de COVID-19, quando professores e famílias foram privados dos recursos tecnológicos, educacionais e econômicos necessários para o adequado ensino remoto, a ONU declarou que a América Latina vive sua pior crise educacional dos últimos 100 anos.

Um estudo da UNESCO e do Banco Mundial constatou um retrocesso dramático na leitura, na matemática e em outras habilidades, que estão associadas a efeitos socioeconômicos para toda a vida, afetando mais fortemente as camadas mais pobres.

Tendo sido obrigados a retornar ao ensino presencial inseguro para que os pais pudessem voltar a trabalhar em tempo integral para gerar lucros para as empresas e os bancos, professores, alunos e pais estão sendo forçados a enfrentar o ônus dos déficits acumulados no aprendizado e os danos à saúde emocional em meio a cortes maciços de salários e nas verbas da educação.

Essas condições intoleráveis estão alimentando as lutas em toda a região, que tem a maior desigualdade social do mundo. A lista a seguir não é completa, mas inclui os principais protestos realizados por professores nos últimos tempos.

Os professores têm realizado greves neste mês em pelo menos sete províncias da Argentina, incluindo Salta, Santa Cruz, Chubut, Misiones, Jujuy, Província de Buenos Aires e na cidade de Buenos Aires. Essas greves foram desencadeadas pelo acordo entre o aparato sindical e os governos para pagar aumentos salariais muito abaixo da inflação, que deve chegar a 150% neste ano. Os professores também estão lutando contra um ataque maciço contra a educação pública pelo governo peronista de Alberto Fernandez, que abandonou as promessas de gastar 6% do PIB em educação e, em vez disso, reduziu o orçamento ao nível mais baixo em 11 anos.

Esses protestos estão sendo organizados em grande parte em oposição à burocracia sindical, incluindo assembleias de professores de base “autoconvocadas” em Salta que rejeitaram todas as propostas do governo. Em resposta, a pseudoesquerda está agindo sistematicamente para canalizar a raiva por meio de apelos para votar em novos burocratas “combativos” ou para simplesmente exigir que a mesma direção sindical peronista que pertence ao governo convoque uma greve nacional.

No Brasil, os professores têm realizado inúmeras greves e protestos pelo cumprimento do piso salarial nacional desde o início do ano. Depois de greves no Rio Grande do Norte e Maranhão, estados governados respectivamente pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e seu aliado, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), em março e abril, a partir de maio os professores do Amazonas, Amapá e Distrito Federal iniciaram mobilizações em massa. Na próxima semana, os professores de Pernambuco também ameaçam entrar em greve.

Hoje, a luta dos professores brasileiros está centrada no Rio de Janeiro, onde uma greve completou 44 dias hoje (29 de junho). Na semana passada, a justiça considerou a greve ilegal, mas os professores estão desafiando essa decisão.

Assim como a greve no Rio de Janeiro, muitas das outras greves duraram mais de um mês e os professores sofreram cortes salariais, revelando a disposição de luta deles para reverter anos de ataques à educação pública agravados hoje pela pandemia de COVID-19. A situação precária dos professores tem piorado ainda mais com a implementação de uma reforma pró-corporativa do Ensino Médio que também tem gerado protestos de estudantes.

No entanto, apesar do caráter nacional desse movimento, os sindicatos controlados pelo PT e seus aliados da pseudoesquerda têm isolado as lutas dos professores e dos estudantes e as subordinado ao governo do presidente Lula da Silva (PT). Altamente desacreditados entre os professores após anos de boicote às suas lutas, a ação dos sindicatos de professores assumiu um caráter criminoso quando traíram as lutas dos professores exigindo o fechamento das escolas no auge da pandemia.

Greve de trabalhadores uruguaios em 27 de junho para lembrar os 50 anos do golpe de 1973 [Photo: @PITCNT1]

Em 21 de junho, os professores de educação pública do Uruguai realizaram uma greve de um dia e marcharam até o prédio do ministério da educação para protestar contra cortes orçamentários, exigir aumentos salariais e maiores gastos sociais em geral. Em seguida, em 27 de junho, houve uma greve nacional convocada pela principal confederação sindical, a PIT-CNT, para lembrar os 50 anos do golpe militar apoiado pelos EUA em 1973.

No México, os professores realizaram diversas greves e marchas ao longo do ano para protestar contra o aumento salarial insuficiente de 8,2% anunciado pelo Presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) após promessas de um grande aumento nos salários reais. Em comparação, o custo da cesta básica de produtos teve um aumento anual de 13,5%.

Em 16 de maio, uma manifestação de professores em frente ao palácio presidencial exigindo um aumento de 100% e garantias educacionais para as comunidades indígenas foi atacada por centenas de policiais de choque.

Os professores do Ensino Médio também entraram em greve várias vezes, alegando que nem mesmo o pequeno aumento concedido por AMLO foi implementado. A Frente Nacional de Professores do Ensino Médio (FNSEMS) foi forçada a organizar uma greve nacional em 22 de junho. Além disso, os professores denunciaram o fato de AMLO não ter cumprido sua promessa de centralizar todos os pagamentos aos professores no governo federal. Em vez disso, o fundo para esses pagamentos (Fone) encolheu quase 10% desde 2015, enquanto os salários ainda não foram pagos em muitas regiões. Os protestos sobre essas questões em Michoacán, onde os professores bloquearam as principais ferrovias, foram recebidos com repressão brutal por soldados da Guarda Nacional.

Os professores dos ensinos Fundamental e Médio de Santiago, no Chile, entraram em greve em 14 de junho por causa da “dívida histórica” que o presidente pseudoesquerdista Gabriel Boric havia prometido que seria paga aos professores, bem como pelos problemas de saúde mental e excesso de trabalho enfrentados pelos professores. O sindicato dos professores, o Colegio de Profesores, tem adiado continuamente uma greve nacional por tempo indeterminado pelo cumprimento da “dívida”, que se refere aos aumentos salariais e orçamentários previstos que não têm sido cumpridos desde 1981, quando a ditadura de Pinochet destruiu grande parte do sistema de educação pública.

A resposta de Boric às convocações dos professores para uma greve nacional no início deste mês resume a atitude da classe dominante em todo o mundo em relação à educação pública. “O Chile tem uma dívida histórica com os professores que começou durante a ditadura. Tenho que ser franco e responsável: o Estado chileno não tem dinheiro suficiente para tais reparações.”

Os professores do Peru têm estado na vanguarda das manifestações massivas contra o golpe apoiado pelos EUA em dezembro passado e o regime de Dina Boluarte, que respondeu com repressão assassina e ameaças de demitir os professores grevistas. Os professores e outros trabalhadores do departamento de Puno, no sul do país, realizaram uma série de greves de 24 horas em maio e junho exigindo a renúncia de Boluarte, enquanto os sindicatos de professores anunciaram greves em apoio à “Terceira Tomada de Lima”, liderada por organizações indígenas, prevista para 19 de julho.

Os professores da Bolívia realizaram grandes greves, bloqueios de estradas e manifestações em todo o país em março e abril para protestar contra um “déficit histórico” referente a horas não pagas e a deterioração das condições de trabalho nas escolas. Os professores não receberam pela maior parte do tempo em que estavam lecionando remotamente, e muitas escolas dependiam das associações de pais para arrecadar dinheiro para os salários.

O governo do Movimento ao Socialismo (MAS) do Presidente Luis Arce reagiu enviando a polícia de choque contra os manifestantes e declarando que os professores não têm o direito de fazer greve. Desde as últimas grandes manifestações no Primeiro de Maio, a Confederação dos Trabalhadores da Educação Urbana continua anunciando novas mobilizações “nas próximas semanas”, mas as têm adiado indefinidamente.

Na Costa Rica, milhares de estudantes universitários e professores de todos os níveis marcharam em 20 de junho em direção ao Congresso para protestar contra os cortes no orçamento da educação com o objetivo de fortalecer a polícia, nas primeiras grandes manifestações contra o governo de direita de Rodrigo Chaves.

Na República Dominicana, os professores realizaram repetidas greves e grandes manifestações em maio e junho para exigir melhores salários e aposentadorias, bem como melhores condições de trabalho, incluindo a entrega de livros e materiais didáticos, merenda escolar, mais funcionários, um serviço de saúde adequado e a conclusão de inúmeros prédios escolares inacabados.

No final de maio, os professores realizaram uma greve nacional de dois dias por melhores salários na Jamaica, e o problema ainda não foi resolvido.

Durante todo o mês de junho, as ocupações de escolas por pais, professores e alunos ocorreram quase que diariamente em Honduras, principalmente devido à falta de pessoal. Após dois anos de aulas remotas em condições de pobreza generalizada e amplo analfabetismo entre os pais, milhares de alunos ainda estão sem professores.

Em fevereiro, professores de Cauca, na Colômbia, montaram um acampamento por duas semanas do lado de fora do Congresso exigindo melhor assistência médica. E no final de março, mais de 10.000 professores de Bogotá fizeram greve e protestaram contra o excesso de trabalho, cortes salariais e falta de pessoal, tendo sofrido represálias.

Além da América Latina, nas últimas semanas ocorreram greves contínuas de funcionários de universidades e faculdades do Reino Unido e aprovação de greve por professores na Inglaterra por melhores salários, aposentadorias e contratação de funcionários; uma greve de quase um mês de 150.000 professores na Romênia exigindo um grande aumento salarial; uma greve de professores portugueses por melhores salários; greves de funcionários de universidades públicas na Eslovênia; e uma greve por tempo indeterminado de professores na Catalunha, entre outras lutas.

Na expressão mais avançada do ressurgimento contínuo das lutas dos professores, os membros do Comitê de Base pela Educação Segura de Michigan estiveram mobilizados na semana passada na fábrica da Stellantis em Warren, perto de Detroit, defendendo a unidade dos educadores e dos trabalhadores da indústria automobilística na luta contra as demissões e os cortes no orçamento com ambas as categorias prestes a enfrentar grandes batalhas contratuais nas próximas semanas e meses.

Essa luta, que deve ser ampliada a todas as principais categorias e além das fronteiras nacionais, está sendo organizada como parte da construção da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB). A AOI-CB foi lançada em 2021 pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional para coordenar a necessária contraofensiva internacional da classe trabalhadora contra a desigualdade social, a exploração, a guerra, a pandemia de COVID-19, as mudanças climáticas, todos os principais problemas sociais e sua origem: o capitalismo.

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